Brasil tem mais de R$ 188 bilhões investidos em projetos de hidrogênio
Porto de Pecém (CE) se destaca como destino que deve receber mais aportes financeiros: cerca de R$ 110 bi para a cadeia de hidrogênio
atualizado
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Alternativa sustentável aos combustíveis fósseis tradicionais e cruciais na transição energética global, os projetos de hidrogênio de baixo carbono crescem em todo o mundo. Por aqui, mais de 20 projetos de hidrogênio somam R$ 188,7 bilhões. O baixo custo e alta elasticidade de oferta da geração elétrica renovável colocam o país em condição de vantagem competitiva. E a expectativa é que o Brasil produza hidrogênio com um dos menores custos do mundo em 2030.
Os dados estão no estudo “Hidrogênio Sustentável: Perspectivas para o Desenvolvimento e Potencial para a Indústria Brasileira”, elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgado nesta segunda-feira (26/8).
Produzido de forma limpa, utilizando fontes renováveis como a energia solar, eólica ou através da eletrólise da água com eletricidade de baixo carbono, o hidrogênio pode ser armazenado e transportado com relativa facilidade, tornando-se uma solução versátil para a descarbonização de setores difíceis de eletrificar, como a indústria pesada e o transporte de longa distância.
O documento registra que a aprovação do marco legal do hidrogênio de baixo carbono (Lei 14.948) estabeleceu um momento histórico para a indústria brasileira, por permitir o desenvolvimento da cadeia do hidrogênio e reforçar o comprometimento do país com a descarbonização da economia.
“A CNI tem um papel catalisador no engajamento do setor industrial nesse processo. Por meio do Comitê da Indústria para o Hidrogênio Sustentável, atuamos em parceria com empresas e stakeholders para difundir conhecimento, monitorar e debater as políticas públicas. Uma das principais iniciativas foi a criação da Plataforma da Indústria para o Hidrogênio Sustentável, que permite acompanhar as iniciativas empresariais e de política pública na área do hidrogênio sustentável”, detalha o presidente da CNI, Ricardo Alban.
O hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis ou de fontes fósseis associadas à captura e estocagem do dióxido de carbono (CO2) tem sido visto como uma estratégia para a descarbonização dos segmentos “hard to abate”. É o caso dos setores industriais que precisam de calor em alta temperatura, indústrias como aço, vidro, química, alumínio e a de fertilizantes.
Hubs de hidrogênio
Diversos portos brasileiros estão desenvolvendo projetos para se posicionar como hubs de hidrogênio de baixo carbono. Por enquanto, o mais próspero é o Porto de Pecém (CE), que deve receber mais aportes financeiros – cerca de R$ 110,6 bilhões. Lançado em fevereiro de 2021 pelo governo estadual, em parceria com Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), com a Universidade Federal do Ceará (UFC) e com o Complexo do Pecém (CIPP S/A), o hub do Ceará já conta com 34 memorandos de entendimento assinados. Destes, quatro se transformaram em pré-contratos com empresas nacionais e internacionais.
De acordo com o levantamento da CNI, destacam-se também os portos de Parnaíba (PI), com R$ 20,4 bilhões; Suape (PE), com R$ 19,6 bilhões; e Açu (RJ), com R$ 16,5 bilhões.
A alta expectativa com a exportação de hidrogênio e seus derivados está associada à disponibilidade e baixo custo de produção da energia elétrica renovável no país e ao interesse europeu de importação desses produtos. Recentemente, a Alemanha organizou um leilão internacional para compra de amônia verde – produzida a partir do hidrogênio de baixo carbono.
A amônia é o produto químico com maior demanda industrial de hidrogênio. Em 2021, foram produzidas, globalmente, 190 megatoneladas de amônia, que consumiram aproximadamente 34 megatoneladas de hidrogênio, conforme dados da Agência Internacional de Energia (IEA).
No Brasil, a produção de amônia consome cerca de 145 mil toneladas de hidrogênio por ano.
Esse composto químico tem um papel crucial na agropecuária e, consequentemente, na garantia da segurança alimentar mundial, já que 70% de sua produção é direcionada para produção de fertilizantes nitrogenados. Como o Brasil ainda importa quantidades significativas de fertilizantes nitrogenados, o desenvolvimento da produção interna de amônia pode ser uma oportunidade de o país gerenciar a balança comercial da commodity, e para alinhar-se com as metas do Plano Nacional de Fertilizantes 2050.
“Não restam dúvidas de que o direcionamento do hidrogênio de baixo carbono e seus derivados para o mercado internacional representa uma excelente oportunidade para a geração de divisas. No entanto, não podemos perder de vista a importância de usarmos essa fonte
de energia para ajudar a indústria nacional a reduzir as emissões de gases de efeito estufa e oferecer produtos de maior valor agregado aos consumidores”, afirma Ricardo Alban.
Um acordo de dois anos entre Vale e Petrobras, que contempla o desenvolvimento de projetos de baixo carbono, elencou a amônia como uma alternativa para as atividades logísticas. A companhia de mineração tem uma frota marítima robusta, e desde 2021, junto a outros agentes, estuda a possibilidade de incorporar amônia verde como combustível marítimo.
Segundo o levantamento da CNI, o projeto com maior capacidade de eletrólise ficará localizado no Porto de Parnaíba, com 10 GW de potência. Essa energia seria suficiente para abastecer cerca de 15 milhões de pessoas – número superior à quantidade de habitantes da cidade de São Paulo.
Quando se olha para os estados, no entanto, o Ceará é que o tem a maior capacidade instalada com cerca de 15,9 GW, enquanto o Piauí possui 15,6 GW. O terceiro estado brasileiro com maior capacidade de eletrólise é o Rio de Janeiro, com 2,1 GW.
Demanda mundial
Atualmente, existem 87 países com pelo menos um projeto de produção de hidrogênio de baixo carbono. Os 10 primeiros países representam 3/5 do total: Alemanha (198), Estados Unidos (164), Austrália (147), Espanha (143), França (126), Grã-Bretanha (111), Holanda (89), China (81), Índia (79) e Dinamarca (61).
Ao analisar a evolução histórica da base de dados da IEA entre 2021 e 2023, pode-se apontar uma aceleração no aumento de novos projetos de produção de hidrogênio por ano. Em todo o período, a Alemanha foi o país com mais iniciativas, seguida de Espanha e Estados Unidos em 2021, de Austrália e Estados Unidos em 2022, e de Estados Unidos e Austrália em 2023. Isso evidencia o comprometimento desses países nos esforços de políticas públicas para produção de hidrogênio de baixo carbono.
A base de dados da IEA mostra que, nesses três anos, o setor de mobilidade se destacou como o principal consumidor dessa fonte de energia. Geração elétrica, uso industrial e produção de amônia se revezarem entre os segmentos que, atrás da geração elétrica, mais demandaram hidrogênio em seus processos produtivos.
Desafios
O estudo da CNI levanta também os muitos os desafios para a adoção em escala real do hidrogênio sustentável como vetor de energia. Um dos entraves é a falta de um ecossistema maduro de fornecedores de equipamentos, parceiros tecnológicos, investidores e off-takers, que apoiem a tomada de decisão de novos investimentos.
Há ainda a falta de recursos humanos capacitados, tanto no nível de operação quanto no nível de engenharia e tecnologia, o que significa que o país dependerá, pelo menos por um bom tempo, de fornecedores externos.
Para apoiar o desenvolvimento da cadeia do hidrogênio, os governos da Europa e dos Estados Unidos estão oferecendo subsídios massivos para a produção a partir de fontes renováveis. No Brasil, ainda não existem incentivos fiscais governamentais para apoiar o nascimento do mercado, como aconteceu com os mercados de energia eólica e solar.
“Outros desafios a serem vencidos estão relacionados à falta de normalização técnica tecnologia industrial básica e infraestrutura de qualidade, que podem dificultar a implantação de novas instalações; falta de padrões de certificação de hidrogênio sustentável reconhecida e capaz de atrair o interesse de Green Funds; e gargalos no sistema de transmissão de energia nas regiões Norte e Nordeste do país, onde o potencial de energia renovável é o maior do território brasileiro”, ressaltou Roberto de Oliveira Muniz, diretor de Relações Institucionais da CNI.