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Bioeconomia: indústria investe em “vírus do bem” de baixo custo

Vírus infecta bactérias nocivas e tem capacidade de transformar as indústrias alimentícia, farmacêutica e até mesmo na petrolífera

atualizado

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Vinícius Magalhães/Firjan
Pesquisadora em laboratório
1 de 1 Pesquisadora em laboratório - Foto: Vinícius Magalhães/Firjan

A necessidade de controle de bactérias indesejáveis motiva a busca por soluções inovadoras e sustentáveis. Uma delas é o uso de bacteriófagos, vírus que infectam especificamente bactérias nocivas, com capacidade de gerar transformações na indústria alimentícia, farmacêutica e até mesmo na petrolífera.

Apontada com uma das 10 tecnologias emergentes mais importantes no Fórum Econômico Mundial do ano passado, em Davos, os fagos, como são conhecidos no mercado, vêm sendo estudados há mais de 100 anos, mas recentemente passaram a ser direcionados para uso industrial. Hoje, já existem 130 produtos registrados e comercializados no Brasil, sendo metade para uso humano, em pacientes terminais ou mesmo como prebióticos, e a outra metade vem sendo aplicada na indústria.

O Instituto SENAI de Inovação, em parceria com a Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), está desenvolvendo o projeto “Scale-up e otimização da produção de fagos de interesse para diferentes segmentos industriais” para conseguir aumentar a produção de fagos em laboratório. O projeto inédito no Brasil custa pouco mais de R$ 5 milhões consiste na montagem de um equipamento, um protótipo para a produção de bacteriófagos em larga escala.

O objetivo é  comercializar e usar o vírus em larga escalada para diversas finalidades, com soluções 100% nacionais, de baixo custo, ambientalmente limpas e eficientes. Projeções do relatório “The Bioeconomy to 2030: Designing a Policy Agenda”, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sugerem que, até 2030, a bioeconomia será responsável por 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países.

Uso variado

Os fagos podem ser utilizados no combate às infecções bacterianas como alternativa aos antibióticos, mitigando mecanismos de resistência bacteriana, tanto em humanos quanto na pecuária. Podem ainda reduzir a formação de biofilmes em sistemas de tubulações industriais ou aplicado em plantas para controle de patógenos, reduzindo o uso de substâncias químicas no sistema.

Na indústria alimentícia, os fagos podem ser utilizados como agentes de bio sanitização, além da utilização como agentes de bio preservação, uma vez que eles possuem a capacidade de controlar patógenos de origem alimentar, o que prolonga a vida útil dos alimentos. 

O projeto atual, que tem como meta produzir fagos comercial, inclui a construção de um reator para otimizar o cultivo em larga escala. De acordo com Antônio Fidalgo, coordenador de pesquisa e desenvolvimento e inovação do Instituto Firjan SENAI de inovação (ISI) em química verde,  são quase R$ 100 milhões em projetos nos últimos 8 anos, divididos em 40 empresas dos mais diversos segmentos.

A relevância dessa grande rede de institutos de pesquisa e o que faz diferença é que a gente transforma a atividade de pesquisa e desenvolvimento em uma atividade profissional e focada, a gente trabalha exclusivamente com segmento indústria. Hoje temos 22 projetos em execução. São quase 70 pesquisadores bolsistas altamente especializados trabalhando”, conta Antônio.

O projeto começou com a produção de 500 ml , depois foi expandido para os 20 litros, passou para 200 mil e, agora, está evoluindo para mil litros do coquetel de fagos.

Solução contra salmonela

Diretor executivo da Microbiotec, Sergio Kuriyama explica que na avicultura, por exemplo, os fagos substituem o uso de antibióticos nos animais. A mudança evita a salmonela, mas também todos os problemas associados aos antibióticos, como os efeitos ambientais do material descartado no processo e ainda o desenvolvimento de bactérias super-resistentes, um dos maiores problemas de saúde pública da atualidade.

A salmonela é um dos alvos dos fagos. Essa bactéria se aloja no intestino de diversos animais e é bastante comum nas aves, em especial no frango, mas também está presente na vaca, no porco e até mesmo animais domésticos. 

“Desenvolvemos um suplemento que precisa ser adicionado na água e ou na ração. É para uso diário e inibe o crescimento de salmonela na granja. Esse é um grande problema na indústria, se tiver um lote de frango de corte contaminado é preciso abater”, explica. 

Em setembro, Sergio vai fazer um experimento em 800 aves, por 42 dias, para provar que não há nenhum efeito colateral nos animais, e, talvez, comprovar a suspeita de que seu produto é, na verdade, um promotor de crescimento.

“O produto regula a microbiota intestinal, o ganho de energia é maior e há conversão do alimento em massa. O apelo mercadológico é muito grande. Somos o segundo maior produtor de aves do mundo, são abatidas quase 15 milhões de toneladas de frango por ano no Brasil. Nosso produto oferece um ganho de 3%, o que é muito para um produtor, para a eficiência da granja”, explica.

Com o resultado do experimento, o produto será aplicado em 20 mil frangos para ser validado e comercializado.

Sergio conta ainda que trabalha há mais de 10 anos no desenvolvimento de um tipo específico de fago para uso exclusivo da Petrobras. O vírus vai oferecer uma proteção natural para um antigo problema da indústria offshore. Embora não possa dar detalhes, ele conta que os testes finais de validação nas plataformas serão realizados ainda este ano.

A aplicação da tecnologia de bacteriófagos na indústria do petróleo tem sido considerada uma alternativa promissora em todo o mundo para o controle de contaminações microbianas associadas à biocorrosão e à geração biogênica de sulfeto de hidrogênio (H2S).

Pesquisa

A startup, que tem hoje cinco laboratórios e uma linha de produção, é uma das que conta com o apoio da Firjan SENAI e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) em suas pesquisas. E a expectativa é de expansão. Com o sucesso do projeto da Petrobras, por exemplo, será preciso construir uma fábrica apenas para estes fagos específicos. Um investimento da ordem de R$ 50 milhões.

“Se não fosse por eles, que compartilham risco financeiro com a empresa, que multiplicam o dinheiro da empresa, minimizando risco, e que colocam pesquisadores à nossa disposição, estes investimentos não seriam possíveis. Pesquisa custa muito e eles são um aliado importante da tecnologia”, conta Sérgio.

E, por mais simples que possa parecer, encontrar o vírus certo para cada problema demanda tempo e conhecimento. O processo é investigativo e manual até a chegada ao laboratório. Alguns fagos têm quatro genes; outros, 300. Não há um único gene compartilhado por todos.

“Há uma demanda por fagos e a tecnologia vem permitindo que a gente desenvolva coquetéis de fagos mais rápido. Nós não mexemos no genoma, vamos até o ambiente, literalmente, e fazemos uma seleção de bacteriófagos. Eles podem estar no esterco, no esgoto, no local onde a galinha dorme. E fazemos uma seleção manual até acharmos fagos que são contra o meu alvo. Esse know-how inicial não é tão simples. E toda a construção da técnica, para ter agilidade nesse processo, a gente conquista com o tempo e com conhecimento”, concluiu Sérgio.

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