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Incógnita, recessão nos EUA poderia até ajudar o Brasil; saiba por quê

Resiliência do emprego nos EUA levanta dúvidas sobre recessão em 2023; se ela vier mesmo e for branda, Brasil pode se beneficiar

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Imagem de notas de dólar sob um dado com o símbolo de porcentagem, iluminadas por uma luz avermelhada - Metrópoles
1 de 1 Imagem de notas de dólar sob um dado com o símbolo de porcentagem, iluminadas por uma luz avermelhada - Metrópoles - Foto: Getty Images

Há poucos meses, nove em cada 10 analistas imaginavam que uma recessão nos Estados Unidos seria inevitável em 2023. A dúvida não era “se”, mas quando a maior economia do planeta engataria a marcha à ré. Embora essa possibilidade permaneça bastante plausível, alguns indicadores econômicos divulgados nas últimas semanas adicionaram um grau de incerteza aos prognósticos de economistas mundo afora. Afinal, os EUA entrarão em recessão neste ano?

Na sexta-feira (5/5), números divulgados pelo Departamento do Trabalho do governo americano acrescentaram mais elementos ao debate. Segundo o “payroll”, o relatório mensal sobre os empregos fora do setor agrícola, foram criados 253 mil novos postos de trabalho no país em abril. A taxa de desemprego ficou em 3,4%. Os dois indicadores surpreenderam positivamente o mercado, que esperava a criação de 180 mil empregos e um índice de desocupação de 3,6% no período.

Fatores de risco

Apesar da força do mercado de trabalho, há fatores que ameaçam o desempenho da economia americana em 2023. Na quarta-feira (3/5), o Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA) elevou a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, mantendo o aperto monetário diante de uma inflação resiliente. Os juros nos EUA agora estão situados em um intervalo de 5% a 5,25% ao ano, o maior patamar desde 2007.

Quando o Fed aumenta os juros, o objetivo é conter a demanda aquecida, o que se reflete nos preços, porque juros mais altos encarecem o crédito. Assim, taxas mais altas também podem conter a atividade econômica. No fim de abril, dados preliminares do Departamento do Comércio indicaram um crescimento de 1,1% do PIB no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, resultado que ficou abaixo das projeções do mercado, que giravam em torno de 2%.

Some-se a tudo isso a crise que se abateu sobre os bancos regionais dos EUA nos últimos meses. Desde março, três bancos de médio porte foram à falência: o Silicon Valley Bank (SVB), o Signature Bank e o First Republican Bank, resgatado no início da semana pelo JPMorgan. Um outro banco, o PacWest Bancorp, pode ser vendido. Embora a autoridade monetária e o governo americano garantam que o sistema bancário do país é sólido e que não há risco de contágio, o medo de que a crise se espalhe voltou a rondar o mercado.

Recessão branda ajudaria os emergentes

Segundo Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, dois cenários estão sobre a mesa neste momento: os EUA desacelerarem suavemente, mergulhando em uma recessão leve entre o fim de 2023 e o início de 2024, ou uma crise mais profunda, que causaria forte impacto no mundo. Para ele, a primeira hipótese é a mais provável e pode até trazer algum benefício para o Brasil e outros países emergentes.

“Se houver uma recessão branda, com uma leve queda do PIB, isso pode ajudar o Brasil porque fará com que o Fed pare de subir ou até baixe a taxa de juros. Teríamos um cenário do que chamamos de ‘bad news is good news’: a má notícia da recessão americana seria uma boa notícia para os países emergentes”, explica.

O aumento dos juros nos EUA incentiva a aplicação em papéis no Tesouro americano, considerados mais seguros que os dos países emergentes, como o Brasil. Com menos capital disponível, diminuem as chances de ações de empresas listadas na bolsa brasileira serem negociadas. Além disso, com maior volume de investimento nos EUA, o dólar se valoriza em relação às outras moedas.

“Se for uma crise econômica mais séria, de fato, o cenário muda. Nesse caso, o Brasil seria prejudicado, com derretimento de preço de commodity, desvalorização da moeda… Isso poderia atrapalhar bastante o crescimento do país”, pondera Gala.

Avaliação semelhante tem Rodrigo Cohen, analista CNPI e cofundador da Escola de Investimentos. Segundo ele, “os dados do Payroll indicam um aquecimento da economia americana” e “mostram que a recessão não está tão próxima assim”.

“No médio e longo prazo, uma recessão nos EUA pode ser algo bom para o Brasil. Os juros vão parar de subir, o dólar deixa de ser tão forte, começa a cair, e o investimento vem para o Brasil e outros países emergentes”, afirma.

André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online, chama atenção para “um problema cambial forte” que seria gerado por uma recessão americana. “Por mais que a crise tenha o seu epicentro nos EUA, os investidores vão buscar o dólar para se preservar. Isso pode levar a um processo de desvalorização das moedas não conversíveis, como o real, o que traz um risco potencial de maior resiliência da inflação, já que boa parte do que se consome nas economias em desenvolvimento é importado”, observa.

Na avaliação de Paulo Gala, embora o emprego se mostre forte e a atividade econômica esteja resistindo relativamente bem aos juros altos, alguns setores da economia americana indicam retração.

“Se olharmos a economia dos EUA com lupa, veremos que há uma queda importante de preços dos imóveis e uma contração do emprego e do investimento ligado à construção civil. A alta de juros está batendo muito forte na parte imobiliária. As hipotecas saíram de um custo de 2% ao ano para 7% ao ano”, destaca. “O setor industrial também está dando sinais de contração. Por outro lado, o setor de consumo e serviços, em geral, vai bem. A recessão viria de um espraiamento dessa queda da construção civil e do setor industrial para a parte de serviços e consumo.”

No caso de uma recessão moderada ou profunda nos EUA, o mundo inteiro sofreria de algum modo – e o Brasil não fugiria à regra. Segundo dados da Câmara Americana de Comércio (Amcham), as exportações entre os dois países bateram recorde em 2022, movimentando US$ 88,7 bilhões (ante US$ 70,5 bilhões do ano anterior). A participação dos EUA nas exportações brasileiras se manteve estável, agora em 11,2%. Trata-se do segundo principal parceiro comercial do país, atrás apenas da China.

O fator China

Por último, mas não menos importante, há um outro fator a ser considerado quando se fala de uma possível recessão nos EUA: a China, segunda maior economia do mundo. “O principal mercado consumidor das exportações chinesas são os EUA. Com uma recessão americana, haverá impacto no nível da produção industrial da China, que já tem sido atingida pela economia europeia bem mais fragilizada”, explica André Galhardo.

“Por outro lado, ainda que a China esteja exposta aos riscos de desaceleração conjunta da Europa e dos EUA, o que a faria vender menos produtos industrializados para o mundo neste ano, a economia chinesa está em recuperação, principalmente pela retomada do setor de serviços”, pondera o economista.

De acordo com Paulo Gala, apesar da escalada de tensões na disputa geopolítica entre americanos e chineses, uma recessão no “rival” não interessa a nenhum dos lados porque os EUA “ainda dependem muito das importações da China e a China depende muito das exportações para os EUA, especialmente de manufaturas”. “A China é muito dependente do resto do mundo para vender os seus produtos. Então, uma recessão americana desaceleraria a China e, obviamente, reduziria os preços de commodities”, conclui.

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