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Haddad é “hábil” e “sedutor”, diz empresário sobre guinada econômica

João Camargo, do grupo Esfera Brasil, elogia Fernando Haddad, defende reforma tributária e independência do BC e fala sobre acordo no Carf

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1 de 1 joao-camargo-esfera - Foto: Divulgação/Esfera Brasil

Fundador e presidente do conselho da Esfera Brasil – grupo que reúne empresários de diversos setores da economia brasileira – João Camargo, de 62 anos, vem costurando nas últimas semanas um acordo com o Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad, em torno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Criado em 2009, o Carf é um órgão colegiado formado por representantes do Estado e da sociedade civil e tem a atribuição de julgar, em segunda instância administrativa, litígios de caráter tributário e aduaneiro. O órgão é paritário: tem representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, o que cria a possibilidade de empate nas decisões.

O colegiado ganhou destaque no recente noticiário político-econômico após a decisão do atual governo de restabelecer o chamado voto de qualidade no Carf, por meio da Medida Provisória (MP) n1º 1.160, de 12 de janeiro de 2023 – um dos primeiros atos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu novo mandato.

Na prática, a retomada do voto de qualidade permite que os conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que presidem as turmas e câmaras do Carf, possam desempatar as votações a favor da União em litígios tributários. Desde 2020, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), a legislação estabelecia que, em caso de empate, os contribuintes fossem beneficiados. Segundo Haddad, o que aconteceu no Carf desde então foi “uma vergonha”.

Sob a liderança de Camargo, a Esfera Brasil e outras entidades apresentaram a Haddad propostas de mudanças na MP, como eliminar juros e multas em caso de empate no julgamento do Carf. Com o avanço das negociações, governo e empresários parecem ter chegado a um meio termo, no qual a União mantém o voto de qualidade, mas cede no desconto de juros e multas caso o contribuinte não recorra ao Judiciário.

“O acordo provisório está praticamente pronto. É um acordo de proteção do contribuinte”, diz Camargo, em entrevista ao Metrópoles.

Apesar de a Esfera ter se aproximado de Bolsonaro nos últimos anos, promovendo reuniões e jantares com o então presidente e o ex-ministro Paulo Guedes, o empresário não economizou nos elogios ao atual ministro da Fazenda e destacou o fato de Haddad estar disposto ao diálogo com o empresariado.

“Eu nunca vi um cara tão inteligente, hábil e sedutor quanto o Haddad. Ele tem uma diferença em relação ao Guedes, que era prolixo e não deixava ninguém falar. O Haddad quer ouvir”, afirma Camargo, que foi já foi secretário de Governo de Jânio Quadros na Prefeitura de São Paulo (1986-1989) e assessor especial da ex-ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello, no governo de Fernando Collor (1990-1992).

Leia os principais trechos da entrevista de João Camargo ao Metrópoles:

Por que a Esfera Brasil, a OAB e outras entidades são contra a retomada do voto de qualidade no Carf?

O Carf existe há 90 anos. Nos últimos 2 anos, tivemos essa lei encaminhada pelo Paulo Guedes e aprovada pelo Congresso, para acabar com o voto de qualidade da Receita. Você tem dois tipos de multa: 50% são multas gigantescas e 50% são aqueles outros milhares de casos menores. Por exemplo: um pai que tem um filho autista compra o remédio na farmácia, mas não pega o recibo. Cai na malha fina e é multado. Ele acha que não tem de pagar essa multa. O caso fica enrolado na Justiça e, até chegar ao Carf, são anos de espera. Você tem milhões de casos desse tipo. Além disso, você também tem os bons pagadores, que são grandes empresas: Bradesco, Santander, Itaú, Petrobras, Vale, Ambev… É muito difícil você dizer que esse tipo de empresa quer sonegar. A Receita faz o auto de infração e dá uma multa de fraude, como se essas empresas quisessem realmente fazer uma fraude. Até isso chegar ao Carf, somam-se os juros. O valor, depois de alguns anos, fica muito maior do que o inicial. Pela medida apresentada pelo Guedes, em caso de empate no Carf, essa empresa não paga nada. O empate é pró-réu. O Haddad mudou isso sem levar em conta que, quando se vai para a Justiça, em nenhum dos 90 anos de vida do Carf a Receita ganhou mais do que 5% das demandas judiciais. Acontece que, no Carf, há R$ 1 trilhão em valores a serem decididos. O problema é que a Receita faz de R$ 200 bilhões a R$ 250 bilhões em autos de infração por ano. Então, daqui a 4 anos, teremos outro trilhão. Voto de qualidade não vai resolver o problema.

O problema, então, seria a atuação da Receita Federal?

A Receita é uma máquina de querer bônus. É uma máquina rudimentar, arcaica. Funciona, mas ela só sabe cobrar de quem paga muito. Ela não vai atrás do sonegador. Quem vai é a Polícia Federal, a Receita não vai. A Receita, na hora em que faz um auto de infração, já ganha dinheiro, mesmo que o auto de infração não seja pago. O critério de remuneração dos auditores fiscais tem de ser revisto. Ou, então, partimos para uma reforma tributária mais ampla. Brigar na Justiça contra a Receita, depois de 5, 6, 7 anos, é muito ruim, os bancos não gostam, as agências de rating diminuem sua nota e você tem de depositar um seguro de garantia ou uma carta de fiança. As empresas ficam com o balanço “sujo”.

Em que pé está o acordo entre governo e empresários sobre o Carf?

A Secretaria da Receita Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e nós, da Esfera, já concordamos na maioria dos pontos. Devemos levar esse pré-acordo ao Arthur Lira (presidente da Câmara) e ao Rodrigo Pacheco (presidente do Senado). Trata-se de um acordo que beneficia os principais contribuintes. Nós também iremos, juntamente com a OAB, ao ministro Dias Toffoli (do Supremo Tribunal Federal). Vamos protocolar o acordo feito pela OAB com o Ministério da Fazenda, apoiado pela Esfera e outras entidades, para que ele dê uma liminar e, assim, até que o Congresso aprecie a votação da MP, fique valendo esse regramento. O acordo provisório está praticamente pronto, só tivemos um problema de agenda porque o Haddad teve de ir para Washington. É um acordo de proteção do contribuinte. Na semana passada, o Haddad já atendeu o nosso pedido e suspendeu os julgamentos do Carf. É importante destacar que nós não estamos tirando nenhum poder da Câmara ou do Senado. Eles são soberanos para decidir sobre a MP.

Quais são os efeitos práticos da retomada do voto de qualidade no Carf, tal como está na MP?

Se for mantido o voto de qualidade, a Receita só vai receber 5% das demandas judiciais. Como eu disse, esse é o percentual histórico de sucesso da Receita em seus 90 anos. Pela nossa proposta, a projeção é que esse percentual chegue a uns 30%. Nós dissemos para o Haddad: além de a Receita ser arcaica, ela briga mal. É evidente que alguém na iniciativa privada vai pegar o melhor tributarista do Brasil e a Receita trabalhará com os funcionários de carreira que ela têm na PGFN. É uma briga mais dura. Perguntamos para o Haddad: por que, em vez de receber 5%, você não quer receber seis vezes mais? Foi aí que a gente ganhou o jogo. Agora, se voltar o voto de qualidade da forma como está hoje, tudo bem. Vai tudo parar na Justiça.

Qual é a sua avaliação sobre o desempenho do ministro Fernando Haddad após um mês de governo?

Eu nunca vi um cara tão inteligente, hábil e sedutor quanto o Haddad. Ele tem uma diferença em relação ao Guedes, que era prolixo e não deixava ninguém falar. O Haddad quer ouvir. É lógico que ele é duro, joga pesado, é guerreiro, mas quer ouvir. Na semana que vem, teremos um jantar com ele em Brasília, organizado pela Esfera, para começarmos a conversar sobre reforma tributária. Foi ele quem pediu.

Acredita que a reforma tributária sai neste ano, como quer o governo? 

É necessário começar a falar sobre reforma tributária para desmistificar o assunto. A verdade é que a melhor reforma tributária, para vários setores empresariais, bancos, farmacêuticas, é ninguém pagar nada… Essa reforma tem consenso de 100%. Apesar de eu estar deste lado do balcão, reconheço que o empresário é muito chorão. Temos de buscar uma simplificação da escrituração contábil, que é muito cara e arcaica no país. A quantidade de impostos que temos leva a uma guerra fiscal entre os estados. Temos de começar a conversar para encontrar a melhor forma de simplificar isso. Se o ministro quiser fazer a reforma de A a Z, sem um amplo diálogo, nós vamos parar na letra J. Se a gente conversar, a chance de chegar à letra Z é muito grande. O caminho é buscar consensos, ouvir opiniões e dirimir dúvidas.

Nas últimas semanas, o presidente Lula subiu o tom contra o Banco Central. O governo defende o aumento da atual meta de inflação, de 3,25% para 3,5% em 2023, e também critica a taxa básica de juros, atualmente em 13,75% ao ano. Como o senhor avalia essas críticas?

Eu acho que o Banco Central tem de continuar como uma autoridade monetária independente. Como o Roberto Campos Neto não mete o bedelho nos outros Poderes, os outros Poderes não deveriam meter o bedelho no planejamento do BC, que tem técnicos responsáveis, da mais alta qualidade. O Brasil tem uma capacidade de lidar com a inflação como ninguém. O Brasil tentou a vida inteira exportar inflação para outros países do mundo e ninguém quis comprar. A primeira vez que a gente está importando inflação dos países ricos é agora. Sempre convivemos com a inflação, sabemos cuidar disso. Essa inflação que aí está não é nossa. É dos países ricos. A autoridade monetária, além de ser independente, sabe muito bem o que está fazendo.

*Após a publicação da entrevista com João Camargo, o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) encaminhou uma nota ao Metrópoles rebatendo declarações do presidente do conselho da Esfera Brasil. No texto, a entidade afirma que a remuneração dos auditores fiscais é, há 15 anos, “completamente independente dos resultados da arrecadação” e que “não existe na legislação brasileira qualquer indicativo que se aproxime da afirmação dada por João Camargo de que ‘a Receita é uma máquina de querer bônus’” e de que ‘a Receita […] já ganha dinheiro, mesmo que o auto de infração não seja pago’. “Esta é uma inverdade que não se aplica em absoluto à realidade vigente no nosso país”, afirma o Sindifisco. “A Receita Federal é uma aliada das empresas quando penaliza o sonegador, que realiza uma concorrência desleal com aqueles que adicionam os custos tributários ao valor final dos seus produtos”, diz a nota. O Sindifisco informa ainda que, “no que diz respeito ao combate ao crime de sonegação fiscal, é importante ressaltar que somente é possível caracterizá-lo com o lançamento do ofício do crédito tributário, que só pode ser realizado por um auditor fiscal da Receita Federal”.

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