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“Governo caminha para um conflito com o BC”, diz Mendonça de Barros

Economista diz que integrantes do governo já estão reclamando dos juros do Banco Central. Mas, sem estabilidade fiscal, as taxas não caem

atualizado

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1 de 1 imagem colorida Luiz Carlos mendonca de barros economista - Foto: Divulgação

O engenheiro e economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, de 80 anos, é dono de um desses currículos que soam improváveis, tanto pela importância como pela diversidade das tarefas que executou.

Aluno de um dos mais renomados colégios da elite paulistana, o Santa Cruz, presidiu a União Estadual dos Estudantes, em São Paulo. Formou-se em engenharia pela Politécnica da USP, onde ingressou na Ação Popular (AP), grupo de oposição à ditadura militar.

Foi analista de um dos primeiros bancos de investimento do Brasil, o Investbanc, e criou uma das primeiras corretoras de valores do país, a Patente. Banqueiro, fundou o Planibanc e, depois, o Matrix — este, em sociedade com o economista André Lara Resende.

No poder público, foi diretor de mercado de capitais do Banco Central, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ministro das Comunicações de Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Foi nesse posto que comandou a privatização do sistema Telebras e arrumou uma das maiores dores de cabeça da sua vida. Em 1998, foi acusado de improbidade administrativa por conta da desestatização, num escândalo conhecido como o das “escutas telefônicas”, processo do qual só foi absolvido pela Justiça onze anos depois, em 2009.

Não há risco em cravar que, na sua trajetória, Mendonça de Barros viu de tudo na vida econômica nacional. E o que faz hoje? Ora, continua vendo – e analisando – os mesmos desafios da vida econômica nacional. Pois é sobre isso que “Mendonção”, como é chamado, até para diferenciá-lo do irmão e também economista José Roberto Mendonça de Barros, conversou com o Metrópoles.

Para a economia, qual é a grande questão deste início do terceiro mandato do presidente Lula?

É qual Lula vai governar. Vai ser o Lula do primeiro mandato, que aceitou pôr em prática um pensamento econômico mais liberal, ou o do final da segunda gestão, baseado em ideias do PT? Fiz três palestras recentes para o pessoal de fundos de investimento e era isso que essa turma queria saber. Para mim, vai vingar a segunda hipótese, a do Lula mais radical, petista.

Já dá para apostar?

Há sinais nesse sentido, mas estamos vendo uma certa acomodação de pensamentos divergentes. A impressão é que a turma que participou da transição de governo veio com ideias essencialmente petistas e, agora, à medida que elas vão surgindo, despontam movimentos de reação. Acho que foi isso que ocorreu, por exemplo, com a questão do saneamento, em que uma medida provisória tentou tirar a regulamentação desse setor da alçada da ANA [A Agência Nacional de Águas e Saneamento].

Entre as decisões já tomadas, qual é a mais preocupante sob o ponto de vista dos investidores? Seria o fim das privatizações?

Não. Privatização é um assunto que não tem mais a menor importância. Ali, na União, só tem a Petrobras e ela não é mais monopolista. Isso acabou. Hoje, esse é um mercado aberto no Brasil, do qual participam empresas do mundo todo. O grande problema da gestão da Petrobras é um eventual uso da companhia para intervenções nos preços dos combustíveis. Aí, a coisa fica feia.

E as outras estatais?

Entre as companhias que ainda podem ser privatizadas, temos os Correios, mas também sem grande importância. Hoje, diversas empresas fazem essas entregas que os técnicos chamam de “última milha”. Nesse tema privatização, ou mesmo, parcerias, para mim, sobrou de relevante o saneamento. Esse é um tema importante.

Por quê?

Quando fizemos a privatização da Telebras, 50% dos domicílios brasileiros tinham uma linha de telefone e o saneamento ficava mais ou menos nesse patamar. Hoje, 100% dos brasileiros têm telefone e as redes de esgoto não avançaram muito desde então. E a gente sabe que mudanças nesse campo, assim como na educação, são fundamentais para melhorar a vida nos estratos mais baixos da sociedade.

Nesta semana, o presidente Lula teria “puxado o freio” dos ministros que vinham provocando conflitos com o mercado, com declarações sobre mudanças na Previdência e na legislação trabalhista. É possível apaziguar essas relações?

Duvido. Mas creio que o grande conflito do governo será outro.

Qual?

A disputa com o Banco Central. O governo caminha para isso. Tem gente da área econômica, caso do Fernando Haddad, ministro da Fazenda, reclamando dos juros. Mas a taxa não vai cair enquanto não houver um quadro fiscal claro e estável [a relação entre despesas e receitas da administração federal e o impacto que ela tem na dívida pública]. E, com os juros no atual patamar, não vamos ter crescimento.

Por quê?

Porque só vai haver investimento em atividade produtiva quando o ganho de capital for maior do que aplicar o dinheiro a juro. Com as taxas como estão (13,75% ao ano, os juros básicos), isso não vai acontecer. E repito: enquanto o quadro atual de incertezas permanecer, os juros não vão baixar. Por isso, acredito que esse será o primeiro grande conflito do governo. Ele deve acontecer já entre abril e maio. Não vai ser muito depois disso.

Como ex-presidente do BNDES, como o senhor vê a nova gestão do banco?

Essa foi a surpresa da semana, com o Aloizio Mercadante (o novo presidente do BNDES) nomeando novas pessoas para o conselho da instituição. Vamos conferir o que vai acontecer. No passado recente, o Mercadante apoiou a ideia de criação dos campeões nacionais, que seria a grande marca do PT e refundaria o capitalismo nacional. Só que tudo isso não deu em nada. Na verdade, o BNDES precisa de uma nova agenda.

Qual seria essa agenda?

Uma delas é a voltada para a área ambiental, para o desenvolvimento de projetos nesse setor.

Como isso seria feito? Com empréstimos, subsídios?

Não. O governo precisa ter um programa estruturante nesse campo. As negociações internacionais devem ser conduzidas pelo Itamaraty. Mas tem o aspecto operacional que pode ser tocado pelo corpo técnico do BNDES. É preciso ter inteligência financeira para executar medidas desse tipo.

Pode dar um exemplo?

Quando estava no BNDES, havia um projeto para melhorar as condições de vida de cerca de 100 mil pessoas que moravam em palafitas, em Belém, no Pará. O Banco Mundial ia financiar obras na área de energia, mas exigia uma contrapartida de 30% do governo local, que não tinha esse dinheiro. O BNDES comprou uma parte das ações da empresa estatal desse setor e depositava recursos na companhia sempre que o Banco Mundial fazia seus aportes. Isso funcionou bem.

O senhor critica o que chama de “ideias típicas do PT” para a economia. Mas quais são elas?

Conheço bem esse assunto, porque convivi por muito tempo com esse pessoal. No governo Sarney, fui diretor do Banco Central, ao lado do André Lara Resende e do Pérsio Arida, a turma que mais tarde criaria o Plano Real. Ali, fiquei amigo do grupo da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), uma das bases do pensamento econômico do PT, que tinha o João Manoel Cardoso de Mello (autor do livro “Capitalismo Tardio”) e o Luiz Gonzaga Belluzzo. Eles assessoravam o Dilson Funaro, então ministro da Fazenda.

Estavam todos juntos no processo de redemocratização e ficaram amigos.

Sim. O pessoal da Unicamp era um fracasso em matemática e eu funcionava como uma espécie de calculadora deles. Por fim, me convidaram para dar aulas em Campinas, onde trabalhei por sete anos. Por isso, sei bem o que pensam.

O que pensam?

Tomam como base ideias de Keynes (economista inglês John Maynard Keynes), mas, digamos, na sua fase mais velha, mais socialista, mas não entendem o que ele queria dizer naquela época. O fato é que acreditam que basta aumentar o crédito e os gastos do governo em determinado momento que o ciclo econômico volta ao pico. Mas as coisas não funcionam assim,

Esse pensamento persiste?

Sim. O Lula come na mão desse pessoal e o Haddad não manda, assim como o Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda nos governos do PT) não mandava. O Lula do primeiro mandato, que se afastou dessas ideias, só existiu porque tinha o ex-ministro Antonio Palocci, na Fazenda, que acreditava que era preciso consolidar o crescimento antes de governar de acordo com as ideias dos petistas. Na ocasião, o ex-ministro José Dirceu, da Casa Civil, também aceitou esse argumento.

Por fim, o senhor se afastou da Unicamp quando se aproximou de Fernando Henrique Cardoso.

Sim. E isso, para os petistas, foi uma traição irreparável. Mas o Fernando Henrique manteve por perto, durante um bom tempo, representantes de diversas tendências do pensamento econômico. Ouvia esses grupos, mas ele decidia. Talvez, essa seja uma boa ideia para ser colocada em prática hoje.

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