Funcionários de bancos foram cooptados na fraude da Americanas, diz PF
Para investigadores, essa foi uma demonstração da “audácia” dos ex-executivos apontados como autores das falcatruas na varejista
atualizado
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Funcionários de bancos foram cooptados para alterar documentos e, com isso, garantir a continuidade de ao menos um tipo de fraude realizada na Americanas, cujo rombo contábil atingiu cerca de R$ 25,2 bilhões. A informação consta no relatório que a Polícia Federal (PF) produziu sobre o caso, que serviu de base para a Operação Disclosure, deflagrada na quinta-feira (27/6).
De acordo com a PF, a suposta participação dos funcionários dos bancos nas fraudes deu-se nas operações de “risco sacado”. E elas são comuns no mercado. Ocorrem quando um banco assume a dívida de uma empresa (a Americanas, no caso) com fornecedores (veja mais detalhes sobre esse tipo de transação neste link).
Nesse caso, as instituições financeiras devem informar a realização dessas operações ao Banco Central (BC) e identificá-las nas chamadas cartas de circularização. Tais cartas são utilizadas por empresas de auditoria externa, por exemplo.
No caso da Americanas, porém, as investigações indicam que os dados sobre essas operações não eram devidamente expostos no balanço da companhia. Além disso, ex-executivos da varejista teriam, supostamente, convencido funcionários dos bancos a omiti-las das cartas de circularização.
“Audácia”
No relatório, a PF define tal prática como prova da ousadia dos responsáveis pelas falcatruas. Diz o texto da investigação: “A audácia do grupo criminoso era tão grande que eles chegavam a cooptar funcionários dos bancos para que alterassem as cartas de circularização, de modo a encobrir as operações de ‘risco sacado’, garantindo assim a continuidade das fraudes contábeis e a não identificação pelas auditorias”.
O documento da PF reproduz uma troca de mensagens entre ex-diretores da Americanas, nas quais é discutida a suposta retirada dos valores de “risco sacado” das cartas de circularização do Itaú e do Santander, que eram enviadas para a auditoria, com base no ano de 2016. Diz o documento: “Como tais operações não constavam oficialmente nos balanços, que eram fraudados, com valores irreais, as cartas de circularização não podiam mencionar tais operações, sob pena de serem identificadas pelas auditorias”.
“Sala blindada”
De acordo com as mensagens, por vezes, os ex-diretores discutiam questões como essa no que chamavam de “sala blindada”. Segundo a PF, ela “nada mais era do que uma sala dentro do Grupo Americanas em que os envolvidos discutiam temas sensíveis, muitas vezes de cunho criminoso relacionado às fraudes contábeis”.
Boa parte das investigações da Polícia Federal tem por base a colaboração premiada de dois ex-executivos da varejista: Marcelo Nunes, ex-diretor financeiro, e Flavia Mota, ex-superintendente de Controladoria da empresa.
“Subestimadas por anos”
Segundo Nunes, as quantias vinculadas ao “risco sacado” teriam sido subestimadas por anos e não eram registradas corretamente no balanço. Ele diz que a “sugestão para tomada” das dívidas corretamente divulgadas ao mercado era levada ao comitê financeiro da companhia. Esse órgão as aprovava ou não. “O ‘risco sacado’ nunca foi levado ao comitê financeiro, pois, se fosse levado, não seria possível ocultá-lo no balanço.”
O ex-diretor financeiro da varejista observou ainda, relata o documento da PF, que não sabia dizer “o porquê de os bancos aprovarem esses empréstimos (‘risco sacado’) em valores superiores ao definido como limite pelo estatuto sem a aprovação do conselho de administração” da Americanas.
Questão não é nova
A menção a supostos problemas com as cartas de circularização dos bancos Itaú e Santander não é nova no caso Americanas. Ela surgiu pela primeira vez nesses mesmos termos em março do ano passado, no relatório preparado pelos administradores da recuperação judicial da varejista – no caso, o escritório de advocacia Zveiter e a Preserva Ação Administração Judicial.
Na ocasião, quando a fraude ainda era estimada em R$ 20 bilhões, os administradores judiciais apontaram que a PwC, uma das auditoras da Americanas, afirmou que só soube da realização dessas operações numa reunião realizada em 9 de janeiro, dois dias antes de o escândalo sobre a fraude estourar no mercado.
Os bancos, desde então, contestam essa versão. Sobre o retorno do tema na investigação da PF, o Itaú e o Santander emitiram as seguintes notas:
Disse o Itaú:
“O Itaú Unibanco nega qualquer participação, direta ou indireta, na fraude contábil que a Americanas sofreu. O banco sempre prestou às auditorias e aos reguladores informações corretas e completas sobre as operações contratadas pela empresa, conforme legislação vigente e melhores práticas de mercado. Conforme já esclarecido, os informes enviados às auditorias sempre alertavam para a existência das operações de risco sacado. Os diretores da Americanas envolvidos na operação interagiram com representantes do Itaú no sentido de retirar os alertas. O banco nunca concordou com esse pedido e inclusive interrompeu, por mais de 6 meses, as operações de risco sacado. O Itaú reforça que a elaboração das demonstrações financeiras é de responsabilidade única e exclusiva da administração da empresa e repudia qualquer tentativa de responsabilização de terceiros por falhas ou fraudes nessas demonstrações.”
Informou o Santander:
“O Santander repudia veementemente qualquer insinuação contrária à lisura de sua relação com a Americanas, eventualmente feita por pessoas responsáveis pelas irregularidades ocorridas em sua administração e das quais o banco também é vítima. A instituição sempre informou integralmente os saldos das operações da Americanas no Sistema Central de Risco do Banco Central, que constitui uma entre as possíveis fontes de auditagem, além das cartas de circularização. Fato relevante publicado pela própria empresa em 13 de junho de 2023 relata que ‘as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas’. Ou seja, o documento comprova que a responsabilidade pelas ‘inconsistências contábeis’ é exclusiva da empresa, por intermédio de sua antiga diretoria.”