metropoles.com

Falta o básico para dolarização da Argentina: dólares, diz economista

Para Lia Valls, do FGV Ibre, proposta de trocar pesos por dólar, do candidato Javier Milei, tem chance escassa de sucesso e abala Mercosul

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Amilcar Orfali/Getty Images
Imagem colorida mostra o extremista de direita Javier Milei, candidato à Presidência na Argentina - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida mostra o extremista de direita Javier Milei, candidato à Presidência na Argentina - Metrópoles - Foto: Amilcar Orfali/Getty Images

Com as reservas em dólares no vermelho, a Argentina vive na iminência de um desabastecimento de produtos importados ou que dependem de peças vindas do exterior. A lista de itens sob ameaça – ou já em falta – vai de remédios, passa por equipamentos cirúrgicos e alcança veículos.

Esse, contudo, nem de longe é o único problema do país. Os argentinos convivem com uma inflação anual de mais de 120% e taxas de juros de 118% ao ano. A parcela da população que vive abaixo da linha de pobreza (com ganhos de US$ 6,85 por dia, segundo o Banco Mundial) passou de cerca de 38%, em 2022, para 40,1%, no primeiro semestre deste ano.

Javier Milei, que disputará as eleições presidenciais do país, em outubro, tem uma ideia para solucionar tais problemas: dolarizar a economia e fechar as portas do banco central. Pode dar certo? Vai ser difícil a julgar pelo ceticismo vigente entre muitos especialistas. Nesse grupo, encaixa-se Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), que, a seguir, em entrevista ao Metrópoles, afirma que a medida pode ainda ter impacto negativo no Brasil e no Mercosul.

Como a senhora avalia a eventual dolarização da economia argentina, como propõe o candidato Javier Milei?

A ideia não é nova. Sempre vem à tona quando a Argentina começa a entrar em uma situação caótica. Mas ela esbarra em uma grande dificuldade: a Argentina não emite dólares. Assim, a medida dependeria da concordância do banco central americano (Federal Reserve, Fed) em emprestar dinheiro para o país, o que está fora de cogitação.

Há outro entrave para a dolarização na Argentina?

Dolarizar significa transformar sua moeda em dólares para realizar todas as transações necessárias no país. O problema é que a Argentina não tem dólares para isso. Ela não tem reservas suficientes para isso. (As reservas internacionais líquidas da Argentina são estimadas em US$ 10 bilhões negativos).

Faltariam dólares para garantir as transações?

Sim. Se a dolarização acontecesse, nessas circunstâncias, com volume insuficiente de dólares, o PIB (Produto Interno Bruto) do país encolheria barbaramente. A Argentina também não tem uma balança comercial muito pujante para garantir a entrada de mais dólares. Nem tem como atrair muitos investimentos externos. Assim, vai faltar moeda. Portanto, dolarizar, na prática, significa encolher a economia de forma drástica. Ou seja, significa concordar com uma enorme recessão, o que é inaceitável.

Nos anos 1990, a Argentina adotou a “lei da conversibilidade”, em que a moeda local (o austral, na época) passou a valer o mesmo que o dólar.

Sim, com o Plano Cavallo (nome do então ministro da economia, Domingo Cavallo). Mas não era dolarização. Existia uma moeda local e ela passou a valer o mesmo que o dólar. E aquilo ficou insustentável. O país conseguiu manter a paridade num primeiro momento, porque entraram muitos dólares. Os argentinos privatizaram quase tudo e tinham muitos empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI). Depois, não deu certo.

A dolarização é defendida como uma forma de provocar uma queda rápida na inflação. Isso aconteceria?

Sim, e isso tem certa semelhança com o Plano Cavallo (focado na queda da inflação). Isso acontece porque defino que, a partir de agora, minha moeda, o peso, vale o mesmo que o dólar e, assim, forço a inflação a cair. O dólar não está contaminado pela inflação.

Com a dolarização, a Argentina também abriria mão de uma política monetária (que define os juros no país)?

Ela perderia o controle da política monetária. Teria de seguir, por exemplo, os juros definidos pelo banco central americano (Federal Reserve, Fed). O fato é que a Argentina não tem dólares suficientes para fazer a dolarização. O Milei acredita que os argentinos tenham esse dinheiro e, com a dolarização, ele apareceria. (A estimativa é que os argentinos tenham até US$ 200 bilhões fora do sistema bancário e mais US$ 250 bilhões em contas no exterior). Mas acho tudo isso muito difícil.

Quais seriam as consequências para o Brasil de uma dolarização na Argentina?

Hoje, a Argentina representa pouco das exportações brasileiras. Alguns setores seriam mais afetados, caso da indústria automobilística. Mas haveria um problema para a maior integração do Mercosul. Atualmente, toda a discussão sobre o mercado comum está focada em ampliar as relações comerciais dos países. Mas o Milei já disse que, para ele, o Mercosul é uma bobagem. Se ganhar a eleição, ele não vai dar mesmo muita atenção para isso.

Como o Mercosul seria afeitado?

Uma das medidas que vêm sendo pensadas para facilitar o comércio entre os países da região é a possibilidade de fazer trocas comerciais usando moedas locais. Acredita-se que isso poderia alavancar o comércio de pequenos importadores e exportadores dos países. Se dolariza, quebra esse canal.

Alguns países latinos, caso do Equador e do Panamá, promoveram a dolarização. Isso não indicaria que esse é um caminho possível?

São situações bem diferentes. Essas economias são muito pequenas. E o Equador é muito aberto para o setor externo. O Panamá é um entreposto, onde roda muito dólar mesmo. Esses casos não podem ser comparados ao da Argentina.

 

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNegócios

Você quer ficar por dentro das notícias de negócios e receber notificações em tempo real?