Exclusivo: Safra põe em dúvida investigação interna da Americanas
Banco quer saber da Americanas se e-mails e celulares do trio de acionistas bilionários foram analisados, especialmente, os de Beto Sicupira
atualizado
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O Banco Safra enviou nesta quinta-feira (10/8) uma notificação à Americanas, questionando a atuação do comitê interno independente, criado pela própria companhia para investigar a fraude de cerca de R$ 25 bilhões da varejista. A instituição financeira quer saber se o comitê adotou algum tipo de medida para investigar tanto o conselho de administração como os acionistas de referência da empresa – os bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira (Beto Sicupira) e Marcel Telles.
O documento foi preparado pelo escritório Warde Advogados, que representa o Safra, e encaminhado ao coordenador do comitê independente, o advogado Otávio Yasbek. Na mensagem, também foram copiados Antonio Luiz Pizarro Manso e Eduardo Flores, outros integrantes do comitê. A mensagem também seria remetida a Jorge Felipe Lemann, filho de Jorge Paulo, que fez parte do conselho da varejista.
O Safra questiona, especificamente, se as investigações alcançaram, em especial, “o sr. Carlos Alberto Sicupira, que, como é de conhecimento comum, exercia rígido controle sobre a varejista”, cita a mensagem.
Na notificação, o banco quer saber ainda se o comitê independente, “como seria de rigor em qualquer investigação privada séria, apreendeu e analisou os e-mails, as correspondências, os computadores e os telefones celulares de todos os membros do conselho de administração da Americanas, ou se, em algum momento, pretende fazê-lo”.
Novo personagem?
O documento pede também que o comitê independente “informe se chegou ao seu conhecimento se algum órgão de governança, grupo de trabalho, comitê de executivos ou qualquer sorte de agrupamento de administradores ou empregados da varejista, também tomou conhecimento das fraudes praticadas na Americanas, antes da instalação da crise, e se houve a contratação de algum assessor ou consultor de qualquer natureza que, entre os anos de 2021 e 2022, teria auxiliado a administração da companhia no endereçamento da fraude contábil então ainda não relevada”.
Os representantes legais do banco justificaram o pedido com base no fato relevante divulgado pela Americanas, em 13 de junho. No comunicado enviado ao mercado, notam os advogados, a empresa “reconheceu pela primeira vez que as ‘inconsistências contábeis’ (termo usado pela Americanas em sua primeira manifestação sobre o episódio, em janeiro) eram, como já sabiam todos, simples fraudes contábeis”.
Culpa da diretoria
A varejista informou ao mercado que seus “assessores jurídicos” teriam apresentado um relatório, contendo dados preliminares sobre o caso. Tais achados apontavam que a fraude teria sido praticada, exclusivamente, por membros da diretoria anterior da companhia. Todos os nomes dos supostos envolvidos foram citados. De acordo com o fato relevante, os documentos evidenciaram ainda “os esforços da diretoria anterior da Americanas para ocultar do conselho de administração e do mercado em geral” a verdadeira condição contábil da varejista e a fraude praticada.
“Como era mesmo de se esperar”, destaca a notificação do Safra, “o documento preparado pela administração da companhia, por ordem – não há como ser diferente – dos seus acionistas, logo cuidou de isentar de qualquer responsabilidade os membros do conselho de administração e os controladores da Americanas, imputando toda a culpa pela multibilionária fraude contábil a um punhado bastante preciso de ex-funcionários”.
Sobre esse núcleo de ex-funcionários, comenta a mensagem dos advogados do banco: “Além de terem formado um grupo fechado para promover a maior fraude contábil do mercado brasileiro em uma das mais evidentes companhias nacionais, ainda teriam empenhado engenhosos esforços para, por mais de uma década, e de forma surpreendentemente exitosa, ludibriar o conselho de administração da companhia. Conselho que, conquanto seja formado por alguns dos mais respeitados e experimentados executivos do país, teria sido, por pelo menos uma década, ‘enganado’ pelo seleto grupo de diretores”.
KPMG na CPI
A notificação aponta também que, “em paralelo a tudo isso”, em 1º de agosto, depôs à CPI da Americanas, em curso na Câmara dos Deputados, Carla Ballangero, sócia da KPMG, responsável pela auditoria da Americanas até 2019. “No seu depoimento, a sra. Ballangero informou, com todas as letras, que desde pelo menos o ano de 2019, a administração da Americanas tem ciência de existência de indícios graves de fraude na contabilidade da companhia”.
Sobre as declarações feitas pela representante da empresa de auditoria, acrescenta a notificação: “Disse aquela depoente que bastou a KPMG enviar um comunicado oficial à administração da varejista apontado ‘deficiências’ nas operações de Verbas de Propaganda Cooperada (VPC) – justamente aquelas que a Americanas reconheceu estarem relacionadas à fraude, no Fato Relevante de 13.06.2023 – para que a auditora da qual ela é sócia fosse sumariamente demitida pelo corpo diretivo da varejista, abandonando, no meio, o processo de checagem das demonstrações financeiras da Americanas”.
“Exageradamente inverossímil”
O documento preparado pelo Safra observa ainda que, embora a sócia da KPMG não detalhe a quem teria repassado tais alertas, “é certo que tais informações foram direcionadas ao comitê de auditoria e à administração da companhia, sendo certo que chegaram também ao conselho de administração que, no caso da B2W (denominação antiga para o braço digital do grupo de varejo) era composto, entre outros, por Jorge Felipe Lemann, filho do controlador Jorge Paulo Lemann”.
A notificação define a narrativa exposta no fato relevante como “exageradamente inverossímil”, que “não convence absolutamente ninguém”.
Consultada, a Americanas preferiu não se manifestar sobre a iniciativa do Safra.