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Exceções podem desfigurar reforma tributária, alertam especialistas

Texto aprovado na CCJ do Senado aumenta rol de beneficiados e abre caminho para “maior IVA do mundo”; veja os principais pontos da proposta

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1 de 1 Imagem de uma lupa sobre uma calculadora. Ao lado, notas de dinheiro salário mínimo - Metrópoles - Foto: Getty Images

Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado com 20 votos favoráveis e seis contrários, o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, que trata da reforma tributária, deu mais um importante passo no Congresso Nacional. A expectativa é a de que o projeto seja votado pelos senadores no plenário, possivelmente já nesta quarta-feira (8/11).

Considerada prioritária pela equipe econômica neste primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a reforma tributária já havia sido aprovada, em dois turnos, pela Câmara dos Deputados, em julho. Caso seja chancelada pelos senadores, a proposta terá de retornar à Câmara, já que o texto foi modificado.

Veja os principais pontos da reforma tributária e as análises de especialistas ouvidos pela reportagem do Metrópoles:

IVA dual

O cerne da proposta, idealizada pelo atual secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, é a extinção de diversos tributos federais, estaduais e municipais que incidem sobre bens e serviços, como ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins. Essas taxas seriam substituídas pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Em linhas gerais, esses cinco tributos serão substituídos por apenas dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), no lugar de PIS, Cofins e IPI, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em substituição a ICMS e ISS. É o que se chama de IVA dual – ou seja, dois impostos sobre o valor agregado dos bens e serviços produzidos no Brasil.

O objetivo da reforma é simplificar a cobrança, diminuindo a incidência sobre o consumo e levando à uniformidade da tributação. Atualmente, o país convive com diferentes legislações federais que incidem conjuntamente com 27 regulamentos estaduais de ICMS e inúmeras normas de ISS (imposto municipal), editadas pelos milhares de municípios brasileiros.

Diante da série de benefícios concedidos a serviços que pagarão taxas reduzidas ou ficarão isentos, a alíquota de referência do IVA deve ser mais alta do que os 25% projetados inicialmente pelo governo. Esse percentual só será definido após a aprovação final do texto, por meio de lei complementar, mas pode chegar a 27,5%.

“Do ponto de vista da concepção da reforma, não há dúvida de que essas exceções afetam a lógica da proposta. Quanto mais exceções você coloca, em termos de redução de alíquota, mais você tem de carregar na alíquota modal, que se aplica aos demais serviços. Isso afeta a estrutura central da reforma”, afirma o advogado tributarista Jules Queiroz, doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).

“Quanto mais altas, mais as alíquotas contribuem para a sonegação. Isso também aumenta os preços dos produtos e serviços associados ao consumo. Não é desejável uma alíquota que fuja muito do padrão”, explica Queiroz. “Essa projeção para a futura alíquota gera uma certa perplexidade. O efeito de uma alíquota mais alta é dificultar a vida do contribuinte, possivelmente aumentando preços.”

O economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha, também critica a inclusão de diversos setores no texto da PEC e afirma que a indústria será penalizada por possíveis benefícios e regimes “especiais” destinados a outros segmentos da economia nacional.

Eu não tenho dúvida de que a indústria vai continuar pagando essa conta. Toda exceção adicionada ao texto resulta em uma menor eficiência da reforma. São privilégios sem amparo técnico que fazem com que o Brasil perpetue a desigualdade tributária entre setores da economia. Isso é muito ruim”, diz Rocha.

“Estão distorcendo a reforma, o que causará uma perda da eficiência do sistema. É evidente que a reforma é positiva para o país e nós a apoiamos, mesmo com todas essas mudanças. Mas estamos perdendo a oportunidade de aproveitar o máximo potencial da reforma tributária.”

Travas contra aumento da carga tributária

O texto do senador Eduardo Braga prevê um instrumento denominado “trava de referência”, por meio do qual se busca impedir o aumento da carga tributária para o contribuinte.

O relatório estabelece um teto calculado com base na média da receita dos impostos a serem extintos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins), no período entre 2012 e 2021, apurada como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Com isso, a alíquota de referência dos novos tributos será reduzida caso exceda o teto de referência.

“O relatório trouxe alguns mecanismos de trava para que a carga tributária não seja ampliada, o que é positivo”, ressalta a advogada tributarista Sulamita Szpiczkowski Alayon, sócia do escritório Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados.

Transição

De acordo com o texto-base, o período de transição para a unificação dos tributos deve durar sete anos, de 2026 a 2033, quando o conjunto de impostos cobrados atualmente deixará de existir.

Em 2026, haverá alíquotas de 0,9% para a CBS (IVA federal) e de 0,1% para o IBS (IVA compartilhado entre estados e municípios). A partir de 2027, PIS e Cofins deixarão de existir e a CBS será implementada em sua totalidade. A alíquota do IBS seguirá em 0,1%.

Entre 2029 e 2032, está prevista uma redução gradativa das alíquotas de ICMS e ISS, além da elevação do IBS. Finalmente, em 2033, com a extinção do ICMS e do ISS, o novo modelo tributário do país estará em pleno vigor.

O projeto determina ainda que, em 2027, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) seja extinto. Em seu lugar, será criada a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus.

Cesta básica

O texto-base aprovado na CCJ do Senado manteve a cesta básica nacional de alimentos isenta de tributação, algo que entrou de última hora no projeto aprovado pela Câmara. A alíquota do IVA será zero para esses produtos.

A definição dos alimentos que vão integrar a cesta básica será feita por meio de uma lei complementar. Haverá, ainda, uma cesta básica “estendida”, com alimentos que terão redução de 60% da alíquota.

“Cashback”

O relatório do senador Eduardo Braga manteve a possibilidade de criação do “cashback” por meio de lei complementar. Trata-se da devolução de impostos para determinados grupos com o objetivo de diminuir a desigualdade de renda.

O “cashback” será obrigatório na compra do gás de cozinha para famílias de baixa renda. Ao comprar o item, o consumidor recebe de volta parte do valor do tributo pago. O mecanismo já estava previsto no relatório anterior para contas de luz e itens da cesta básica.

Alíquotas menores

O texto da reforma tributária também prevê alíquotas diferentes para algumas categorias de produtos, que pagarão menos impostos.

Alíquota reduzida em 60%:

  • Serviços de educação e saúde;
  • Dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência;
  • Medicamentos;
  • Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
  • Serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviários e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano;
  • Alimentos para consumo humano e sucos naturais sem adição de açúcares e conservantes;
  • Produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda;
  • Produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
  • Insumos agropecuários e aquícolas;
  • Produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional;
  • Bens e serviços relacionados à soberania e segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética.

Alíquota reduzida em 30%:

  • Prestação de serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, desde que sejam submetidas a fiscalização por conselho profissional.

Possibilidade de alíquota zero:

  • Dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência;
  • Medicamentos;
  • Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
  • Produtos hortícolas, frutas e ovos;
  • Serviços de educação de ensino superior no âmbito do Programa Universidade para Todos (Prouni);
  • Entidades de inovação, ciência e tecnologia (ICT) sem fins lucrativos; e
  • Aquisição de medicamentos e dispositivos médicos adquiridos pela Administração Pública e por entidades de assistência social sem fins lucrativos.

O relator da proposta no Senado também abriu a possibilidade de redução de alíquotas para a prestação de serviços de profissionais autônomos, cabendo a uma lei complementar a definição das categorias beneficiadas.

Isenções

O texto aprovado pelos senadores na CCJ também fala em isenção de cobrança do IVA sobre diversos bens e tributos, a serem definidos por meio de lei complementar.

Entre os serviços que poderão ficar isentos, estão:

  • Serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano;
  • Dispositivos médicos;
  • Dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência;
  • Medicamentos;
  • Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
  • Produtos hortícolas, frutas e ovos;
  • Aquisição de medicamentos e dispositivos médicos pela administração pública e entidades de assistência social;
  • Automóveis de passageiros comprados por pessoas com deficiência e pessoas com transtorno do espectro autista, e por motoristas profissionais que destinem o automóvel à utilização na categoria de aluguel (táxi).

Tratamento diferenciado na cobrança do IVA

Alguns produtos e serviços também poderão receber tratamento diferenciado na cobrança do IVA, com mudanças na base de cálculo dos tributos e no valor das alíquotas, por exemplo.

Entre os setores que podem ser beneficiados, estão:

  • Combustíveis e lubrificantes;
  • Serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos (como as loterias);
  • Cooperativas;
  • Serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, bares, agências de viagens e
  • Turismo e restaurantes e aviação regional;
  • Missões diplomáticas e representações de organismos internacionais;
  • Serviços de saneamento e de concessão de rodovias;
  • Serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo;
  • Operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações;
  • Atividades esportivas desenvolvidas por Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs).

“Imposto do pecado”

A reforma tributária deve criar um “imposto seletivo”, de competência federal, sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas, armas e munições – ele ficou conhecido como “imposto do pecado”.

Esse imposto será cobrado em uma única fase da cadeia e não vai incidir sobre exportações ou operações envolvendo energia elétrica e telecomunicações. Novamente, uma lei complementar terá de estabelecer como será a cobrança.

Tributação do patrimônio

O texto aprovado na CCJ do Senado mantém a proposta da Câmara acerca da cobrança de impostos sobre renda e patrimônio.

No caso de donos de jatinhos, iates e lanchas, por exemplo, que hoje não pagam IPVA, haverá cobrança do imposto nos estados – e ele poderá ser progressivo. Aeronaves utilizadas em serviços agrícolas, no entanto, ficarão de fora dessa tributação.

O projeto também define uma cobrança progressiva sobre heranças, por meio do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação. Essa cobrança deve ser feita no domicílio da pessoa que morreu. Também será aberta a possibilidade de cobrança sobre heranças no exterior.

Templos religiosos

O texto-base da PEC da reforma tributária mantém a proibição de que governos federal, estaduais e municipais cobrem impostos sobre a atividade de templos religiosos.

A cobrança de tributos permanece proibida para:

  • Entidades religiosas;
  • Templos de qualquer culto;
  • Organizações assistenciais e beneficentes vinculadas a entidades e templos.

Saldo positivo, mas longe do ideal

Apesar do risco de a reforma tributária ser desconfigurada com uma grande quantidade de exceções incluídas no texto, Jules Queiroz avalia que o avanço da PEC no Congresso “ainda é positivo”, diante do sistema tributário caótico que vigora no Brasil.

“Quanto mais são criadas exceções e regimes especiais, mais se foge da perspectiva de uma reforma tributária ótima. Ainda assim, com todas essas ponderações, os pontos essenciais da reforma foram mantidos. Estamos saindo de um cenário em que há milhares de regimes especiais de tributação do consumo e indo em direção a algumas dezenas. Não é o ideal, mas é melhor do que como está hoje”, observa.

Sulamita Alayon, por sua vez, diz que “muita coisa ainda precisa ser aperfeiçoada”. “Já houve alguns avanços ao longo desse período de análise no Congresso. O tema está sendo debatido. O relatório trouxe algumas melhorias, mas muito ainda está por vir por meio de lei complementar. Serão alguns anos de transição, até uma adaptação total ao novo sistema. Vamos passar por um período árduo até chegar a algo mais próximo do ideal”, conclui.

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