Ex-donos querem cancelar a venda do Kabum para o Magazine Luiza
Na Justiça, eles alegam que foram prejudicados pelo Itaú BBA, que intermediou as negociações de R$ 3,5 bilhões. O banco nega a acusação
atualizado
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Os irmãos Leandro e Thiago Ramos, criadores do Kabum, a maior plataforma de e-commerce da América Latina no segmento de tecnologia e games, estão contestando na Justiça a forma como a empresa foi vendida para o Magazine Luiza, em julho de 2021, por R$ 3,5 bilhões.
Em uma ação com argumentos dispostos em 73 páginas, eles alegam que foram prejudicados pelo Itaú BBA, que intermediou as negociações. O banco negou a acusação por meio de nota e em defesa apresentada à Justiça. O Magazine Luiza não quis se manifestar sobre o tema.
A disputa tramita desde janeiro na 24ª Vara Cível de São Paulo e está sendo conduzida por dois dos maiores escritórios de advocacia do Brasil. O Warde Advogados, com sede em São Paulo, representa o Kabum, e o Sergio Bermudes, do Rio, o Itaú BBA.
Na ação, à qual o Metrópoles teve acesso, os irmãos Ramos argumentam que o Itaú BBA “manobrou para que propostas ou negociações com outros interessados fossem sabotadas, minadas ou abandonadas”. Tudo isso, indicam, para que o negócio fosse fechado com o Magazine Luiza. Eles afirmam que, apesar de o valor da venda “impressionar à primeira vista”, o “contrato revelou-se profundamente mal negociado e desvantajoso”.
Na prática, eles receberam R$ 1 bilhão em dinheiro à vista. Os R$ 2,5 bilhões restantes foram pagos em ações que ficaram “travadas” por muito tempo após a conclusão da venda. Os papéis desvalorizaram 86% nos 18 meses seguintes à conclusão do negócio.
Os irmãos Ramos informam ainda que, por meio de uma investigação privada realizada pela Kroll, descobriram, “um bom tempo depois” de o negócio ter sido fechado, que o responsável pelas negociações por parte do Itaú BBA é cunhado de Frederico Trajano, diretor-presidente e membro da família controladora do Magazine Luiza. Fato que, na avaliação dos advogados, caracterizaria um conflito de interesses no negócio por parte do banco.
Na ação, os ex-donos do Kabum também apontam que o Itaú BBA, logo após a venda, realizou uma oferta de ações no mercado de capitais (um “follow on”) para captar R$ 4 bilhões em recursos financeiros para a varejista. A quantia “teria como objetivo de custear a aquisição da Kabum”. Na ocasião, o banco publicou um anúncio na mídia dizendo que havia feito “barba, cabelo e bigode” ao realizar o pacote completo de venda e o “follow on”. Isso teria beneficiado a instituição financeira e reduzido o valor unitário das ações da varejista.
Por fim, eles acusam o Itaú BBA de minguar “tratativas com outros interessados que poderiam ter adquirido o Kabum em condições mais favoráveis”, notadamente, a varejista Havan. O dono da empresa, Luciano Hang, identificando-se como o “Véio da Havan”, teria ligado para Leandro Ramos, em 2020, perguntando por que os irmãos não queriam mais conversar com ele. “Perplexo”, segundo os advogados, Leandro explicou para Hang que o negócio estava em andamento .
Defesa
Em nota, o Itaú BBA informou que a “operação em questão foi concluída após um processo competitivo transparente e que envolveu diversas companhias interessadas”. O texto acrescenta: “Os acionistas do Kabum estavam absolutamente cientes de que poderia haver flutuação de valores no mercado acionário e conduziram e tomaram todas as decisões ao longo do processo, especialmente em relação aos valores e condições da transação”. O banco afirmou que “lamenta a existência de uma ação judicial sem nenhum fundamento que tem, aparentemente, o único objetivo de causar constrangimento”.
Na defesa apresentada à Justiça, os advogados do Itaú BBA afirmam que a instituição financeira “contatou dezenas” de empresas que poderiam estar interessadas no negócio, entre elas, a Americanas/B2W, a Via Varejo, a Havan, a Whirlpool e o Magazine Luiza. E todo esse processo foi acompanhado de perto pelos irmãos Ramos.
“Agora”, apontam os advogados do banco, “insatisfeitos com os impactos negativos sofridos pelo setor varejista, cujas ações despencaram nada menos que 86% nos 18 meses seguintes à assinatura da operação, os bilionários autores (os irmãos Ramos) se valem de uma fabricada narrativa de que os requeridos (o Itaú BBA) teriam violado os seus deveres fiduciários enquanto assessores financeiros”. A seguir, conclui: “Logo eles, empresários experientes, que se declararam com bastante apetite para riscos durante o curso das negociações”.
Na defesa, o banco pondera ainda que a “possível valorização das ações do Magazine Luiza” teria sido “extremamente benéfica” para os ex-donos do Kabum. “Houve, portanto, uma deliberada assunção do risco e de maneira muito bem pensada e refletida.” O texto nega também que o “follow on” da varejista estivesse relacionado à aquisição da plataforma.
Os representantes do Itaú BBA dizem ainda que o relacionamento comercial existente entre o banco e a varejista e o vínculo familiar de um dos executivos da instituição financeira com o CEO do Magazine Luiza eram “fatos públicos e notórios”.