Ex-donos do Kabum envolvem banco Itaú na disputa bilionária com Magalu
Irmãos Ramos entraram com petição na Justiça, na qual afirmam que banco é “controlador externo”, uma espécie de “dono”, da varejista
atualizado
Compartilhar notícia
Os irmãos Leandro e Thiago Ramos (foto em destaque), fundadores do Kabum, a maior plataforma de e-commerce de tecnologia e games da América Latina, voltaram à carga na Justiça na disputa judicial que movem contra o Magazine Luiza e o Itaú BBA. Agora, eles envolveram a holding Itaú Unibanco no processo, no qual alegam que houve um suposto conflito de interesse na venda do site ao Magalu, em julho de 2021, por R$ 3,5 bilhões.
Em petição com data de terça-feira (30/7), encaminhada à desembargadora Lidia Conceição, da 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), os irmãos citam o fato de o Itaú ser sócio do Magazine Luiza na financiadora LuizaCred, com participação de cerca de 50% para cada parte no negócio. Mas os Ramos vão além. Eles sustentam no documento a tese segundo à qual, na prática, o banco é um “controlador externo” – uma espécie de “dono” – da varejista. O Itaú nega tal versão (leia nota no fim da reportagem).
“O Itaú não é apenas um prestador de serviços financeiros ‘tradicional’”, dizem. “Ele é muito mais que isso.” Por “muito mais que isso”, segundo os Ramos, entenda-se que o banco “exerce poder de controle externo” sobre a varejista, pois “quem controla a LuizaCred, controla o Magazine Luiza.”
No documento, os fundadores do Kabum afirmam que o banco “fatura e lucra com o Magazine Luiza, por controlar com exclusividade as vendas a crédito e a emissão de cartões de crédito da varejista”. Com isso, eles concluem, o “Itaú tem interesses particulares que são vinculados ao faturamento do Magazine Luiza.”
Na petição, os ex-donos da plataforma de e-commerce argumentam que essa relação entre o Magazine Luiza e o Itaú é um dos elementos que dão corpo ao alegado conflito de interesses que teria ocorrido na venda do Kabum, na qual os Ramos foram assessorados um dos braços do banco, o Itaú BBA.
Argumentos
Os representantes legais de Leandro e Thiago, do escritório Warde Advogados, expõem no documento encaminhado à Justiça uma série de argumentos – que definem como “fatos novos” – para fixar a tese do “controle externo” que o banco exerce sobre a varejista e, por conseguinte, do suposto impedimento da instituição financeira em intermediar a negociação da venda do site.
Dizem, por exemplo, que o Itaú lucra quando o Magazine Luiza adquire novas empresas e passa a ter acesso a novos canais de venda, cujos crediários serão financiados com exclusividade pelo próprio banco. “O acordo de associação com LuizaCred e Itaucard foi estendido para as Lojas Maia e Lojas do Baú, quando o Magazine Luiza comprou essas empresas em 2010 e 2011, e também para o Netshoes, em 2019, e para o Kabum em 2021.”
Aumento de capital e endereço
Afirmam também que o Itaú, por meio do seu Fundo Kinea, financiou a construção, comprou e alugou para o Magazine Luiza seu maior centro de distribuição. A petição diz ainda que, em junho de 2024, o banco e a varejista aumentaram o capital social da LuizaCred em R$ 1 bilhão. “A parte do Magazine Luiza no aporte foi financiada pelo Itaú”, aponta o texto.
Além disso, acrescenta a petição, o banco é acionista de 50% da LuizaCred, localizada na sede administrativa do Magazine Luiza em São Paulo. “Mas todos os diretores da companhia são funcionários do Itaú, radicados na sede do banco”, em outro bairro de São Paulo, no Jabaquara. De acordo com a ação, atualmente, cerca de 20% das vendas do Magazine Luiza são financiadas por cartão de crédito ou pelo crediário da LuizaCred. Em 2011, essa cota era de 45%.
Tese
A tese do “controle externo”, por fim, é apresentada nos seguintes termos: “Quem controla o crediário, controla o varejista e toma para si a fatia mais suculenta do negócio. Se o Magazine Luiza depende do Itaú para financiar suas operações de vendas de dezenas de bilhões de reais, a sobrevivência do seu negócio depende do Itaú. E se, como informa o Magazine Luiza, é o Itaú quem decide a política de crédito (quanto de crédito ofertar, sob quais juros e quais condições), então é o Itaú quem tem as rédeas do principal negócio da varejista”.
Quatro fatores
A sociedade na LuizaCred, no entanto, na avaliação dos ex-donos do Kabum, é um entre quatro fatores que compõem o suposto conflito de interesses ao intermediar a venda do site para o Magalu. Nesse caso, o argumento é que o banco tinha interesse em que a plataforma fosse vendida ao Magazine Luiza, “porque aquela operação era profundamente lucrativa ao Magazine Luiza”, uma vez que permitia à varejista “adquirir um novo canal de vendas de 2 milhões de clientes (cujas vendas a crédito passariam a ser financiadas com exclusividade pelo Itaú).”
Na ação inicial do processo, em fevereiro do ano passado, os irmãos Ramos já haviam afirmado que o Itaú BBA e o seu diretor de fusões e aquisições, Ubiratan dos Santos Machado, não poderiam ter atuado na venda do Kabum ao Magalu, porque Machado e o CEO da varejista, Frederico Trajano, são cunhados.
Além disso, os irmãos alegaram que o Itaú BBA realizou uma oferta de ações do Magalu na Bolsa brasileira (B3), no dia seguinte à venda do Kabum. Na ocasião, a iniciativa levantou cerca de R$ 4 bilhões. Por fim, apontam que o CEO do Magazine Luiza, Frederico Trajano, fez parte do Conselho de Administração do Itaú Unibanco, entre 2020 e 2024.
Contestação
Consultado pelo Metrópoles, o Magazine Luiza não quis se manifestar sobre a petição dos fundadores do Kabum. O Itaú BBA contestou os pontos abordados na nova investida judicial. Leia, abaixo, a íntegra da nota divulgada pelo banco de investimentos:
“A petição em questão repete acusações absolutamente inverídicas. O Itaú BBA esclarece que a venda da empresa à varejista foi conduzida por um time e nunca por um executivo individualmente, e foi concluída após um processo competitivo, diligente e transparente, para o qual foram convidados mais de 20 players. Os acionistas do Kabum sempre estiveram à frente das negociações e tomaram todas as decisões ao longo do processo, especialmente em relação aos valores e condições da transação.
“É de igual relevância esclarecer que a oferta de ações aconteceria independentemente da operação de compra e venda. O banco recebeu remuneração similar pelas duas operações e, ressalta-se, similar também à das demais instituições financeiras que participaram do follow on [oferta de ações]. Não há, portanto, qualquer elemento que valide a tese de vínculo entre as transações.
“Finalmente, a ação se apresenta ainda mais descabida quando coloca suspeita sobre a parceria mantida há anos entre o Itaú e o Magalu e a participação do presidente da varejista no conselho de administração da instituição. Ambos são fatos públicos e notórios, de total conhecimento não apenas dos acionistas do Kabum, mas do público em geral.”