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Especialistas criticam privilégios criados pela reforma tributária

Maiores benefícios foram criados para o setor de serviços e para profissionais liberais que estão fora do Simples. Projeto tramita no Senado

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Uma esmagadora maioria de especialistas considera positivos os efeitos da reforma tributária, que deve ser votada na próxima terça (7/11) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Esses especialistas afirmam, por exemplo, que as propostas simplificam o sistema, a ponto de livrar as forças produtivas do atual “manicômio” de tributos. Muitos deles, contudo, veem um grave senão nas medidas em debate: a criação de ilhas de privilégios para uns poucos setores da sociedade.

Na avaliação do economista Maílson da Nóbrega, sócio da consultoria Tendências e ex-ministro da Fazenda, entre 1988 e 1990, no governo Sarney (1985-1990), essas brechas oferecem um retrato do poder dos lobbies para obter ou ampliar privilégios no Brasil. Para ele, a lista de problemas começa com a redução do imposto sobre o valor agregado (IVA), que incide sobre o consumo de serviços.

Maílson destaca que setores como a educação e a saúde vão pagar apenas 40% da alíquota do imposto. “Isso é inaceitável do ponto de vista social”, diz. “Os serviços são consumidos, essencialmente, pelas classes mais ricas. Assim, a família que coloca o filho na melhor escola privada, usa os melhores hospitais e tira férias nos melhores lugares vai pagar menos imposto. Enquanto isso, o pobre, à exceção da cesta básica, vai ser taxado pela alíquota cheia.”

O ex-ministro observa que, se a alíquota do IVA for fixada em 25% (um valor hipotético, citado para facilitar o exemplo), os que consomem serviços de educação e saúde pagarão 10%. “A agravante é que, além de beneficiar as classes mais ricas, a redução de alíquotas tende a provocar distorções na economia”, afirma. “Isso porque as empresas buscam se enquadrar nas categorias que fixam cobranças mais baixas e, com isso, tendem a adotar tecnologias menos eficientes. E isso conspira contra o crescimento do país.”

Profissionais liberais

Para o advogado e economista Eduardo Fleury, consultor do Banco Mundial, um dos privilégios mais “inexplicáveis”, assim como “inaceitáveis”, da atual reforma é o que beneficia as profissões regulamentadas, cujos integrantes estão fora do Simples. Advogados, engenheiros, médicos e economistas pagarão 70% da alíquota do imposto sobre o consumo. “Isso não faz sentido sob nenhum aspecto”, diz. “Do ponto de vista de distribuição de renda é ruim, porque favorece os profissionais que ganham mais. Além disso, beneficia pouquíssimas pessoas.”

Argumentos “falaciosos”

Para o ex-ministro da Fazenda, “argumentos entre questionáveis e falaciosos” sustentaram a concessão de privilégios. “Alguns disseram que a reforma aumentaria o custo da educação, por isso, foi concedida uma redução da alíquota para o setor. Isso não é bem verdade. Ela vai aumentar o custo, mas para os mais ricos”, diz. “O problema é que a opinião pública comprou essa ideia.” 

Ele observa que o mesmo ocorreu em relação ao saneamento básico. “De fato, o custo vai aumentar para esse serviço. Mas a melhor saída teria sido fazer com que a alíquota do setor aumentasse gradativamente, num período de dez anos, em vez de conceder qualquer privilégio de redução do imposto.” Ele observa que outros segmentos, como é o caso da agricultura, também estão sendo beneficiados pelo projeto em discussão.

Tratamento especial

Maílson da Nóbrega pondera que alguns setores, por conta de características especiais, podem receber um tratamento diferenciado, mas isso deve ser feito por meio da criação de regimes especiais. Esses segmentos em muitos países, nota o ex-ministro, incluem o sistema financeiro, pois uma alíquota cheia poderia encarecer em demasiado os empréstimos, a construção civil e o turismo. 

Fleury considera que, no caso dos impostos sobre consumo – o alvo da atual reforma –, a melhor forma de evitar que as mudanças acentuem, ou mesmo, perpetuem a desigualdade é o mecanismo de cashback, que prevê a devolução dos tributos para as famílias mais pobres e não cria brechas para a redução das alíquotas. O atual projeto prevê o uso dessa ferramenta em casos como a conta de luz. “Esse mecanismo oferece o melhor resultado sob o ponto de vista de distribuição de renda”, afirma o advogado.

Alíquota cheia

Nóbrega acrescenta que a experiência internacional acumulada com o IVA mostra que a melhor solução é a alíquota única, sem nenhuma distinção para qualquer segmento. “Se houver uma justificativa razoável para que um setor mereça um tratamento especial, o melhor é que ele seja concedido por meio de um subsídio e não pela redução da alíquota”, afirma. “Mas, como diz o economista Marcos Lisboa, somos o país da meia-entrada.”

Para o ex-ministro da Fazenda, há um problema adicional em quaisquer privilégios: “Uma vez obtidos, eles se perpetuam”, diz. “No projeto que tramita no Senado, foi especificada uma revisão dessas concessões a cada cinco anos. Mas, uma vez obtido o benefício, duvido que alguém mude alguma coisa depois. É uma ingenuidade pensar que vai haver revisão. Se os grupos foram competentes para conseguir o privilégio, serão mais ainda para lutar pela sua renovação.”

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