Entenda por que a sinalização de juros altos afeta a Bolsa de Valores
Posição do Banco Central de manter os juros em 13,75% ao ano por um prazo maior fez com que a Bolsa atingisse o pior nível desde 2022
atualizado
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O clima de fervura no mercado aumentou. Com a queda de 2% de hoje, a Bolsa de Valores voltou para o mesmo patamar de julho de 2022, quando o cenário no Brasil era completamente diferente.
Naquela época, as eleições presidenciais brasileiras seguiam indefinidas. Embora as pesquisas eleitorais mostrassem Lula à frente de Bolsonaro, os investidores ainda não tinham clareza sobre quem seria o futuro mandatário do país, o que representava um freio para a Bolsa.
No exterior, a guerra na Ucrânia estava escalando. As sanções dos europeus à Rússia eram lenha para a fogueira da inflação, que seguia com chamas altas. Tudo já estava pavimentado para o caminho do aperto monetário, alta dos juros e para uma desaceleração na economia.
Oito meses depois, parte dos riscos se dissipou, mas a Bolsa retroagiu. A frustração dos investidores se deve à turbulência política causada pela decisão sobre os juros do Banco Central.
Ontem, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano. Embora a decisão fosse esperada, o mercado tinha uma centelha de esperança de que os diretores do BC poderiam sinalizar uma queda dos juros no início do segundo semestre. Entre as razões para isso, está um fato novo: a crise dos bancos nos Estados Unidos, originada justamente pelo aperto monetário conduzido pelo Federal Reserve, o Banco Central americano.
O nosso BC até reconheceu esse fator como algo que pode levar a Selic para a queda, mas enfatizou que o cenário fiscal brasileiro segue incerto. O novo arcabouço de regras orçamentárias, prometido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está em “banho-maria”. O projeto depende do aval de Lula, que já disse não ter pressa em discutir o tema.
“O que o BC parece dizer é: melhorando o cenário fiscal e deixando a trajetória da dívida pública mais clara, pode ser que haja uma abertura de cortar juros mais cedo do que o esperado. Mas isso não é um cenário concreto ainda”, avalia Raphael Vieira, chefe de investimentos da Arton Advisors.
Bolsa x juros
O aspecto fiscal apontado pelo Copom tem sido a principal razão para os investidores enxergarem uma inflação mais alta no médio prazo. Com o governo sinalizando gastos maiores e uma disciplina fiscal mais frouxa, a hipótese de um repique nos índices de preços não é desprezível.
Mas isso não tem servido de freio para as críticas do presidente Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Hoje (23/3), Lula disse que “não há explicação” para os juros seguirem como estão e afirmou que “quem tem de cuidar do Campos Neto é o Senado, que o indicou”. Pela lei de autonomia do Banco Central, aprovada no ano passado, o chefe da autoridade monetária só pode ser retirado do cargo com aprovação dos senadores.
“Os atores que pressionam o Campos Neto a reduzir os juros na marra, agora, serão os mesmos que criticarão os efeitos perversos de uma inflação mais alta para os trabalhadores e empresas lá na frente”, lamenta um experiente gestor de mercado, na condição de anonimato.
Ele lembra que a queda da Bolsa frente ao recado mais duro do Banco Central já era esperado, pois a perspectiva de Selic mais alta penaliza as empresas de consumo, que dependem do crédito acessível para vender e crescer. Um exemplo disso é o Magazine Luiza, que recuou 13% na sessão desta quinta-feira.
Por outro lado, se o Banco Central demonstrar fragilidade frente às pressões que tem sofrido, o mercado pode embutir no preço da Bolsa e do dólar uma deterioração na política de combate à inflação. Isso tende a piorar, caso o arcabouço fiscal apresentado por Haddad não seja considerado firme o suficiente para conter a trajetória explosiva de gastos.
“Se o comunicado (do BC) tivesse sido mais suave, o mercado hoje estaria com um clima completamente diferente e a bola estaria no colo da Fazenda, para ele apresentar um arcabouço fiscal crível. Mas do jeito que está agora dificilmente o mercado irá ‘comprar’ o ajuste, de qualquer forma”, finaliza, em análise, o economista André Perfeito.