Economistas criticam discursos de Lula e Haddad
Principais temores recaem sobre a defesa de um Estado interventor, além de dúvidas a respeito do papel das estatais e da questão fiscal
atualizado
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Economistas receberam com, no mínimo, apreensão os discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feitos no domingo (1º/1), tanto no Congresso Nacional como no parlatório do Palácio do Planalto, assim como as manifestações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta manhã (2/1).
Lula, por exemplo, definiu o teto de gastos como uma “estupidez”, reafirmou a visão do papel do Estado como indutor do crescimento, criticou a reforma trabalhista assim como a postura de acionistas de estatais como a Petrobras. Por fim, indicou que o avanço da economia deve ter o consumo como pilar.
Haddad, por sua vez, prometeu uma nova âncora fiscal até meados do ano, mas não especificou como ela será. O mercado interpretou ainda a decisão do governo de desonerar os combustíveis por 60 dias como uma derrota do novo ministro da Fazenda. Nos últimos dias, ele havia se posicionado contra a medida. Foi por isso que a bolsa e o dólar se movimentaram negativamente na manhã de hoje.
Márcio Holland, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP), onde coordena a pós-graduação em Finanças e Economia, considera que, além das falas, é preciso observar as ações concretas que serão tomadas a partir de agora pelo governo.
De qualquer forma, contestou os pontos mencionados pelo presidente em seu discurso inaugural. “Há um grande equívoco em criticar a regra de teto de gastos” disse. “O país precisa de uma restrição orçamentária até para evitar um aumento ainda maior da carga tributária para financiar mais despesas. O Brasil necessita de disciplina fiscal de modo consistente, inclusive se desejarmos conviver com baixas taxas de juros.”
Sobre a atuação do setor público como fonte de tração para o avanço da economia, ele disse: “O Estado brasileiro tem muitas deficiências para induzir o crescimento. Também há um grande engano em acreditar no papel das estatais para tal. Isso é algo bastante arcaico.”
A respeito do papel das estatais, Holland observou que, na prática, elas estão “a serviço de um poder controlador e indicações político-partidárias”. “O fato é que elas não têm uma função social relevante”, afirmou. “É um equívoco acreditar que vão ajudar no crescimento econômico.”
Para o economista da FGV, atrelar a evolução da economia ao consumo é outro erro. “O crescimento tem de ter como base o investimento em pesquisa, inovação, além do aumento da produtividade e a distribuição de renda”, opina. “A partir daí, o consumo vem a rebolque. Não o contrário.”
Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, considerou que os discursos de Lula foram “como o esperado”, baseados no “uso do Estado como fonte para estimular o crescimento”. “Não seria diferente e nesse sentido não houve novidade”, avalia. “Mas reforça a ideia de um governo que vai tentar ter um papel mais ativo do que seria o ideal. Por exemplo, mexer na reforma trabalhista seria um erro.”
Vale considera ainda que “chamar a regra do teto de estupidez passa a impressão de que o regime fiscal que vem pela frente pode ser frágil”. “Continua a visão, chancelada pelo Haddad, de que a arrecadação será o foco de atenção para o ajuste fiscal possível”, nota. “Com isso, tanto o discurso do Lula quanto o de Haddad sinalizam que vai haver aumento da carga tributária nos próximos anos para fazer o ajuste fiscal. E ele não vai acontecer por meio do corte de gastos.”
André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton, ressalta que, para além do discurso, tanto Lula como Haddad precisam se posicionar de “forma concreta” sobre os temas que abordam. “É claro que eles estão falando coisas que desagradam ao mercado, mas o que querem dizer exatamente?”, questiona. “Sobre a Petrobras, por exemplo, vai haver controle de preços ao arrepio da margem de lucro da empresa? Ou ainda, como vai ser resolvida a questão fiscal?” Para Perfeito, esses pontos têm se ser esclarecidos com urgência. “O governo precisa dizer o que de fato quer”, conclui. “Até agora, só disse o que não quer.”