Economista da Fiesp: indústria não pode pagar conta de outros setores
“Se indústria de transformação tiver as mesmas ferramentas do agro, nós também seremos ‘pop'”, afirma Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp
atualizado
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Maior entidade de classe do setor no país, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) entrou de cabeça na campanha pela reforma tributária, uma das prioridades da agenda econômica do governo federal neste primeiro ano de mandato.
Em diversas oportunidades, o presidente da instituição, Josué Gomes da Silva, se manifestou favoravelmente à proposta que tramita no Congresso Nacional, idealizada pelo atual secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy. Apesar do apoio, a Fiesp se preocupa com algumas “exceções” incluídas no texto aprovado em dois turnos pela Câmara dos Deputados, que ainda precisa ser analisado pelo Senado.
Em entrevista ao Metrópoles, o economista-chefe da Fiesp, Igor Rocha, afirma que a reforma é necessária e classifica o atual sistema tributário brasileiro como “antigo, obsoleto e caótico”. Segundo ele, no entanto, há o risco de a indústria ser penalizada por possíveis benefícios e regimes “especiais” destinados a outros segmentos da economia nacional.
“Não estamos pedindo nenhum tipo de tratamento diferenciado ao segmento A, B ou C. Trata-se apenas de a indústria ter as mesmas ferramentas que os outros setores têm. Se a indústria de transformação tiver as mesmas ferramentas do agro, nós também seremos ‘pop’ e nós também seremos ‘tech’. O que não dá é a indústria ter sempre que pagar a conta”, diz Rocha.
Na conversa com a reportagem, o economista defende uma versão para a indústria do Plano Safra – instituído em 2003 pelo Ministério da Agricultura para fomentar a produção rural brasileira. Rocha projeta uma queda de 0,5% na produção industrial do Brasil em 2023 e diz que a redução da taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual (para 13,25% ao ano) não terá efeito imediato sobre a economia, o que deve ocorrer em apenas seis meses ou até um ano.
Leia os principais trechos da entrevista concedida por Igor Rocha ao Metrópoles:
A produção industrial brasileira avançou 0,1% em junho, na comparação com o mês anterior. Mesmo assim, a indústria acumula queda de 0,3% em 2023. Por que o setor industrial do país continua “andando de lado” e não deslancha?
O primeiro fator é a questão tributária. O Brasil tem um modelo antigo, obsoleto, caótico e que penaliza a indústria, que paga a maior carga tributária. O correto seria todo mundo pagar igual e todo mundo pagar menos, mas, infelizmente, o setor industrial acaba pagando a conta de muitos setores que conseguiram um tratamento diferenciado ao longo dos anos. A indústria responde por 11% ou 12% do PIB e 35% da arrecadação. Isso significa, na prática, que tem muita gente que não paga o que deveria pagar. É como em um condomínio: quando alguns não pagam a mensalidade, outros têm de arcar com aquilo. O Brasil, ao longo da sua formação histórica, fomentou desigualdades sociais, regionais e também setoriais. Aqueles setores que sempre tiveram um tratamento diferenciado, obviamente, performam melhor. E essa performance obtida por meio de um tratamento especial só faz com que obtenham, cada vez mais, um tratamento ainda mais especial. A indústria acaba pagando a conta. Temos de pagar a “meia entrada” de outros setores da economia.
O secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, disse que a indústria será a maior beneficiada com a aprovação do projeto. O que o senhor achou da reforma aprovada na Câmara dos Deputados?
A Fiesp apoiou a reforma tributária. Nós tivemos um diálogo muito franco, transparente e produtivo com o governo e o Congresso Nacional. Nós apoiamos o projeto e, inclusive, publicamos até anúncio em diversos veículos de comunicação com a nossa posição. A reforma é bem-vinda. A indústria, diferentemente de outros setores, não pediu nenhum tipo de tratamento diferenciado. A nossa preocupação é que, diante de tantas exceções inseridas no texto, a conta venha novamente para o setor industrial pagar, na forma de tributos. A indústria não quer mais pagar a “meia-entrada” dos demais setores. A alíquota máxima do IVA (Imposto sobre Valor Agregado, que substituirá tributos federais, estaduais e municipais que incidem sobre bens e serviços), para que se mantenha a neutralidade tributária, é 25%. Então, o nosso teto é 25%.
Qual é o impacto dos juros altos sobre a indústria?
Os juros no Brasil são estruturalmente altos. E o juro alto tem um custo absurdamente maior na indústria de transformação. A nossa agenda, agora, é a agenda da isonomia. Se não for possível acabar com tantos regimes diferenciados, é preciso fazer com que determinados segmentos não paguem essa conta. Um Plano Safra para a indústria seria fundamental. Não tem como o setor industrial começar pagando uma taxa acima de 25%, enquanto outros setores pagam menos da metade disso. É uma desproporção muito grande. Se você tem de pagar a maior carga tributária e o maior juro da economia, é óbvio que a sua performance será afetada.
O que é essa “agenda da isonomia”?
Isonomia é a palavra da vez do setor industrial. Não estamos pedindo nenhum tipo de tratamento diferenciado ao segmento A, B ou C. Trata-se apenas de a indústria ter as mesmas ferramentas que os outros setores têm. Se a indústria de transformação tiver as mesmas ferramentas do agro, nós também seremos “pop” e nós também seremos “tech”. O que não dá é a indústria ter sempre que pagar a conta.
Além dos juros, quais os outros fatores que atrapalham a indústria nacional?
Outro fator complicador é a infraestrutura. Se você tem uma infraestrutura muito defasada, como é o caso do Brasil, isso afeta a competitividade. Em comparação com outros segmentos e outros países, o setor industrial brasileiro está em grande desvantagem. É preciso aportar tanto investimento público quanto investimento privado em infraestrutura. O Brasil investe 1,7% do PIB. Nós estamos há quatro décadas sem cumprir nem mesmo a depreciação dos ativos de infraestrutura. Na década de 1970, nós tínhamos um estoque de infraestrutura semelhante ao da Inglaterra, de 56% do PIB. Hoje, ele é igual ao da África do Sul, de 36% do PIB. Por fim, mas não menos importante, temos a questão da produtividade. Produtividade é capital e trabalho. É você conseguir operar com o maquinário mais moderno possível, na fronteira tecnológica. Infelizmente, parte do parque industrial brasileiro está obsoleto, são máquinas de 15 anos ou mais. Como é possível ser competitivo assim? Tecnologia é produtividade. A indústria brasileira não consegue fazer isso porque o custo do capital é muito alto, de até 25% ao ano. Que investimento vai dar um retorno acima de 25% ao ano?
Com o início do ciclo de queda dos juros, o senhor acredita que a indústria tenha condições de avançar nos próximos meses?
Os efeitos da queda da taxa de juros vão demorar para ser sentidos na economia brasileira. É o que chamamos, tecnicamente, de efeito defasado. Esse 0,5 ponto percentual de redução da taxa Selic vai demorar de seis meses a um ano para surtir efeito. É por isso que sempre dissemos que, dada a inflação no país nos últimos meses, aqueles juros de 13,75% ao ano estavam muito elevados. Assim como o Copom errou quando colocou os juros em 2% ao ano, causando um desequilíbrio com a taxa neutra de juros, também errou com a Selic em 13,75%, igualmente fora da taxa neutra por um período muito longo. Os efeitos sobre a economia brasileira foram muito danosos. Começar a reduzir os juros agora tem um efeito sobre as expectativas que é muito positivo. Mas, em termos práticos, de fato, isso demora um pouco mais para aparecer de forma mais clara.
Qual é a projeção da Fiesp para o desempenho da indústria brasileira em 2023?
Nossa projeção é uma queda de 0,5 ponto percentual. O resultado da produção industrial de junho não mudou muita coisa, não melhorou nem piorou. O setor industrial ainda está 1,4% abaixo do patamar pré-pandemia. Temos que aguardar os efeitos da queda dos juros, que ainda devem demorar, e de que forma as questões relacionadas ao desenvolvimento tecnológico e aos efeitos da reforma tributária vão se desenrolar nos próximos meses e anos.
Segundo o IBGE, em 2020, a contribuição da indústria de transformação (que reúne todo o setor manufatureiro) para o PIB era de pouco mais de 11%, o percentual mais baixo em 70 anos. O que explica a desindustrialização do país e o que fazer para revertê-la?
Enfrentamos um cenário muito desafiador. Em um mundo cada vez mais globalizado e conectado como o nosso, determinados segmentos e determinadas cadeias são praticamente tomados por empresas de outros países. A produção, hoje, é global. Quando você perde determinados elos da cadeia global de valor, aquilo é eliminado, não volta mais. Você perdeu. A demora do Brasil para tomar algumas das ações para resolver esse problema, como os exemplos que citei no caso da infraestrutura, fez com que caíssemos nessa armadilha de ser um país de renda média há 40 anos. É uma situação que tem ficado cada vez mais dramática.
Como o senhor avalia a atuação do vice-presidente Geraldo Alckmin à frente do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC)?
Temos uma ótima interlocução com o vice-presidente. Ele tem uma equipe que faz um trabalho muito diligente. Todas as vezes que nós precisamos, ele foi muito aberto e cooperativo conosco. Temos uma excelente avaliação sobre o seu trabalho no ministério. Colocar um vice-presidente à frente do MDIC foi uma importante sinalização quanto à prioridade dada pelo atual governo para o setor industrial.
Qual foi o impacto do programa de incentivo à indústria automobilística? Não seria necessário um programa mais abrangente, com efeitos permanentes sobre a indústria brasileira, em vez de algo pontual?
Não consigo fazer uma avaliação porque esse programa não foi gestado aqui. A agenda que a Fiesp vem apoiando, como eu disse, é a da isonomia, além de uma agenda da política industrial moderna. A Fiesp está apoiando a transição energética, a descarbonização da indústria automotiva e a mobilidade urbana.
Antes da escolha do economista Gabriel Galípolo para a Diretoria de Política Monetária do Banco Central, o seu nome foi um dos cotados para o posto. O senhor foi procurado para assumir o cargo?
Esse é um ponto no qual eu não gostaria de entrar. Prefiro não abordar esse assunto.