Dono da Itaipava trava guerra judicial bilionária por meio de offshore
Leilão de fábricas avaliadas em R$ 1,5 bi está travado por briga entre Walter Faria, da Itaipava, e uma gestora de investimentos
atualizado
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Empresas de fachada panamenhas devassadas pela Operação Lava Jato e ligadas a Walter Faria, dono da cervejaria Itaipava, estão no centro de uma briga que emperrou um leilão bilionário de duas fábricas no Paraná. A disputa é com uma empresa constituída em outro paraíso fiscal — Luxemburgo — e envolve o ex-braço-direito do empresário, que era controlador de suas contas no exterior: Naede de Almeida.
As fábricas em questão, localizadas em Araucária e Cambé, no interior paranaense, pertencem à Imcopa, empresa que atua há mais de cinco décadas no ramo de produção de derivados de soja e que entrou em recuperação judicial em 2013, com dívidas que chegam a R$ 3,3 bilhões em valores atualizados. Atualmente, as instalações das fábricas estão avaliadas em R$ 1,5 bilhão e são vistas como a grande esperança para sanear as contas da Imcopa.
Há mais de uma década, as fábricas estão arrendadas para o dono da Itaipava. Após o início da recuperação judicial, a gestora RC2, especializada em investimentos em empresas em apuros financeiros, captou dinheiro de bancos e de Faria para comprar os créditos da Imcopa. Em troca, esses investidores poderiam comprar a Imcopa após o saneamento de suas contas ou lucrar com a eventual venda da empresa e dos seus ativos, como é o caso das fábricas.
Do Panamá para Luxemburgo
Ao todo, Faria repassou R$ 360 milhões à Crowned, empresa sediada em Luxemburgo usada pela RC2 para receber os recursos dos investidores. O dinheiro veio de suas offshores panamenhas, a Minefer e a Triana, que foram devassadas pela Operação Lava Jato. A investigação apontava que o empresário usava as suas cervejarias e as suas contas no exterior para gerar dinheiro para o departamento de propinas da Odebrecht. O caso acabou anulado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
O valor transferido por Faria se juntou na conta da Crowned com o dinheiro repassado por outros investidores. Em 2017, porém, o dono da Itaipava e os sócios da RC2 romperam relações e iniciaram uma guerra na Justiça que, consequentemente, atingiu a recuperação judicial da Imcopa.
Nesse embate nos tribunais, os rivais formais são as offshores panamenhas de Faria, de um lado, e a empresa luxemburguesa usado pela RC2, de outro.
A prisão na Lava Jato e o golpe do “ancião da igreja”
Faria se diz vítima de um golpe dos sócios da RC2. O dono da Itaipava afirma que a gestora de investimentos lhe ofereceu o que seria parte substancial da eventual venda da Imcopa por cerca de R$ 500 milhões, em 2017, valor estimado da empresa à época, nos termos da proposta apresentada a Faria. Ele diz ter descoberto, no entanto, que o valor da venda seria mais alto, cerca de R$ 1 bilhão, e que a RC2 ficaria com uma parte por fora, sem informar os investidores.
O empresário afirma ainda que, após a sua prisão na Operação Lava Jato, em 2019, os sócios da RC2 se uniram ao seu então braço direito, Naede de Almeida, para costurar um aditivo contratual segundo o qual a Imcopa seria vendida e ele receberia R$ 480 milhões. Naede era responsável por operar contas no exterior de Faria — ambos eram, inclusive, praticantes de uma mesma religião, Congregação Cristã, da qual Naede é “ancião”. Segundo Faria, Naede teria falsificado sua assinatura em uma procuração para costurar o negócio com a RC2 à sua revelia.
A RC2 diz que a denúncia não passa de uma invenção do empresário para quebrar o compromisso assumido de receber R$ 480 milhões e nada mais. Eles usam como prova um contrato assinado por Faria em Luxemburgo, onde o negócio foi fechado. E afirmam que Faria é quem tenta tomar à força o controle da Imcopa, com uma versão supostamente fantasiosa. Os documentos por ele assinados tornariam essa versão irrefutável.
Offshores duelam na Justiça
Por meio da Meinefer e a Triana, offshores no Panamá, Walter Faria tentou anular, na Justiça de Luxemburgo, o negócio de R$ 480 milhões com a RC2 — país onde o acordo inicial com a gestora foi firmado. Sem êxito, Faria investiu pesado em uma guerra que agora se trava no STJ e na Justiça Federal de Brasília. Até agora, as offshores do dono da Itaipava reforçaram seu time de advogados com três parentes de ministros do STF — corte que, eventualmente, terá de se debruçar sobre o caso.
Em agosto do ano passado, as empresas panamenhas de Faria obtiveram uma decisão do juiz federal em Brasília Itagiba Catta Preta que suspendeu os direitos da RC2 sobre os créditos da Imcopa. Em maio deste ano, o mesmo magistrado transferiu todos os créditos da Imcopa da RC2 para as offshores do dono da Itaipava. A decisão foi tomada sete horas após o pedido da defesa de Faria.
As decisões de Catta Preta têm o poder de fazer com que o saldo de eventual resultado do leilão das fábricas seja transferido da luxemburguesa Crowned, offshore pertencente à RC2, para as offshores panamenhas de Walter Faria. A liminar pode ser derrubada ou mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. Ainda não houve julgamento.
Foi nesse cenário que, no dia 19 de junho, a juíza da recuperação judicial da Imcopa, Mariana Gluszcynski, da Justiça do Paraná, decidiu suspender o leilão para buscar mais esclarecimentos junto às partes e ao juiz Catta Preta sobre sua decisão. Até lá, a venda das fábricas está suspensa diante da insegurança sobre a destinação do dinheiro após o arremate das suas instalações.
O leilão, em si, também é objeto de uma guerra. Segundo a defesa de Faria, o processo de venda das fábricas foi feito para direcionar o resultado do leilão em favor da RC2, o que a gestora de investimentos nega.
Procuradas, a RC2 e a defesa de Walter Faria não quiseram se manifestar.