Do teto ao marco: reformas de Temer e Bolsonaro são demolidas sob Lula
Em 5 meses, Lula faz ofensiva contra medidas como teto de gastos, marco do saneamento, PPI, reforma trabalhista e privatização da Eletrobras
atualizado
Compartilhar notícia
Em apenas cinco meses de governo, completados nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não vem deixando qualquer margem para dúvidas: seu terceiro mandato à frente do Palácio do Planalto pretende apagar os rastros de algumas das principais medidas e reformas econômicas levadas a cabo pelos antecessores Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022).
Entre os alvos da gestão petista, estão o teto de gastos públicos, a reforma trabalhista e a paridade de preços dos combustíveis da Petrobras com o mercado internacional (todos implementados durante o governo Temer), além do marco legal do saneamento básico e da privatização da Eletrobras (chancelados no mandato de Bolsonaro).
Teto de gastos
Instituído em 2016, implementado pelo então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o teto de gastos públicos é uma regra que limita o crescimento das despesas à inflação registrada no ano anterior. Com vigência inicial estipulada em 20 anos, o teto foi o primeiro legado do governo Temer que começou a ruir sob Lula 3. Na quarta-feira (24/5), a Câmara dos Deputados concluiu a votação do projeto do novo marco fiscal, que agora será analisado pelo Senado.
A proposta para substituir o teto de gastos é mais flexível e vincula o aumento das despesas ao crescimento das receitas, em um malabarismo da equipe econômica para conciliar a intenção do governo de fazer investimentos e a responsabilidade fiscal. Em linhas gerais, apesar de ter sido bem recebido pelo mercado, o marco fiscal foi alvo de críticas de especialistas, que veem uma flexibilidade excessiva em relação ao teto.
“Quando respeitado, sem emendas constitucionais que permitissem algumas alterações, o teto estava levando a uma diminuição da relação dívida/PIB e, consequentemente, a uma redução das despesas primárias em relação ao PIB”, afirmou Henrique Meirelles, em entrevista ao Metrópoles publicada no início de maio. “O arcabouço é procíclico, ou seja, teremos um gasto maior quando houver uma expansão maior da arrecadação. Isso já causa um certo desequilíbrio. As contas, de fato, não fecham, a não ser que haja um aumento de receitas de pelo menos R$ 150 bilhões por ano.”
Paridade de preços da Petrobras
A escolha do ex-senador petista Jean Paul Prates (RN) para a presidência da Petrobras foi um recado inequívoco de Lula de que a política de preços para os combustíveis estipulada pela estatal estava com os dias contados. Adotado em 2016, sob Temer, o chamado Preço de Paridade de Importação (PPI) vinculava as tarifas à flutuação do valor praticado no mercado internacional. O modelo foi criticado diversas vezes por Lula e pelo próprio presidente da Petrobras, que o classificou como “dogma” e “abstração”.
No dia 16 de maio, a Petrobras anunciou nova política de preços para os combustíveis, acabando com o PPI. Segundo a companhia, “os reajustes continuarão sendo feitos sem periodicidade definida, evitando o repasse para os preços internos da volatilidade conjuntural das cotações internacionais e da taxa de câmbio”. A medida foi criticada por especialistas e pelo ex-presidente da estatal Roberto Castello Branco.
Reforma trabalhista
Aprovada pelo Congresso Nacional em 2017, a reforma trabalhista talvez seja o maior legado do governo Temer na economia. A flexibilização da legislação levou a uma queda de mais de 40% do número de ações trabalhistas, o que ajudou a desafogar os tribunais. Com a reforma, empregadores e empregados passaram a ter a possibilidade de fazer acordos sem a intermediação de sindicatos.
Desde o início do governo Lula, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, tem se dedicado a criticar a reforma, que considera “um retrocesso” e “uma tragédia para a formalização do trabalho”. Em abril, Marinho descartou eventual derrubada da lei, mas admitiu que o Executivo pretende revisar “pontos cruciais” aprovados em 2017.
Na mira do PT, entre outros itens, está a regulamentação do trabalho de motoristas e entregadores de aplicativos. O governo quer que esses profissionais sejam contratados pelo regime CLT, com acesso aos direitos trabalhistas – mas 75% deles preferem manter o modelo atual, que lhes dá maior flexibilidade e autonomia. O governo também já deixou claro que o imposto sindical obrigatório, uma tungada no trabalhador, deverá voltar sob outro nome. O STF já deu sinal verde, aliás, ao julgar uma ação.
Marco do saneamento
A primeira grande derrota do governo Lula no Parlamento em 2023 foi a derrubada, pela Câmara, de dispositivos do marco do saneamento modificados pelo presidente da República. A lei, aprovada pelo Congresso e sancionada em 2020, definiu metas de atendimento de 99% da população brasileira com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto até 2033.
Uma das principais alterações que haviam sido feitas pelo governo foi a permissão para que as companhias estaduais prestassem serviços, sem necessidade de licitação, em microrregiões, regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas. O prazo para a regionalização do serviço de saneamento determinado pelo marco legal foi prorrogado para 2025. Com a derrubada das mudanças pelos deputados, o projeto agora tem de ser analisado pelo Senado.
“Isso pode trazer uma insegurança jurídica em relação a novos investimentos”, diz a presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, entrevistada pelo Metrópoles em abril. “A partir do momento em que uma empresa decide entrar no setor de saneamento básico, ela quer regras claras e objetivas que precisam ser seguidas. Quando essas regras mudam no decorrer do caminho, isso gera instabilidade e muitas vezes até um pé no freio dos investimentos.”
Privatização da Eletrobras
Concluída em 2021, sob o governo Bolsonaro, a privatização da Eletrobras se tornou um dos alvos preferenciais de Lula nas últimas semanas. Em discurso em Salvador, no dia 11, o presidente falou em “sacanagem” ao criticar as regras que limitam a participação da União e demais acionistas a 10% do direito de voto na companhia.
Por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que a Corte declare parcialmente inconstitucionais alguns dispositivos da Lei de Desestatização da Eletrobras. O caso, sob análise do ministro Nunes Marques, deve ser encaminhado ao plenário.
Apesar da escalada retórica contra a privatização, analistas ouvidos pelo Metrópoles entendem que as chances de uma possível reestatização da empresa são quase nulas. No entanto, o imbróglio vem derrubando as ações da Eletrobras e prejudicando centenas de milhares de brasileiros que compraram ações da companhia usando parte do FGTS.
“Seria criada uma insegurança jurídica que inviabilizaria investimentos importantíssimos para o PIB. Investimentos na cadeia de infraestrutura, de longo prazo, deixariam de ser feitos no Brasil. Isso condenaria uma geração inteira por uma decisão sem pé nem cabeça”, afirma Hugo Queiroz, diretor de Corporate Advisory da L4 Capital.