Disputa entre parceiros de Justus e alvo de CPI vira caso de polícia
Briga entre parceiros de Roberto Justus e o advogado Marcos Tolentino, acusado no escândalo da vacina Covaxin, vira inquérito policial em SP
atualizado
Compartilhar notícia
Uma briga entre parceiros do publicitário Roberto Justus e o advogado Marcos Tolentino, que foi alvo da CPI da Covid e acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) no escândalo da vacina indiana Covaxin no governo de Jair Bolsonaro (PL), virou caso de polícia.
A disputa, que estava apenas em ações de cobrança entre os envolvidos, virou inquérito policial após uma empresa representada por Tolentino denunciar a Marpa Gestão Tributária (MGT), ligada a Justus, à polícia.
Tolentino, que responde a uma ação penal por falsidade no caso da vacina, é tido pela Polícia Civil de São Paulo como vítima até o momento. A história, no entanto, é enrolada, e a empresa parceira de Justus se diz a verdadeira vítima de um golpe aplicado por seu denunciante.
Justus e a briga
A MGT é especializada na consultoria e venda de soluções para problemas de empresas com o Fisco. Nos últimos anos, foi uma das agraciadas com investimentos de Roberto Justus, que deixou o dia a dia de executivo e passou a se dedicar a investir e ajudar empresas com potencial de crescimento e retorno.
A empresa cresceu, conseguiu contatos — e contratos — por meio do empresário, que não virou formalmente sócio, mas recebeu parte dos lucros como retorno. Os seus sócios, os gaúchos Eduardo Bitello e Michel Soares, exibiram o parceiro nas redes sociais, no site da empresa e apareceram com Justus em entrevistas.
Apesar do crescimento, a MGT enfrenta desgastes em razão da guerra judicial que se arrasta há anos com Tolentino e tem causado problemas com clientes. O problema já existia quando Justus apostou na MGT, no ano passado.
O negócio com Tolentino
Em 2017, muito antes da pandemia e da fama de Tolentino em razão do caso Covaxin, a MGT contratou a Benetti Invest, ligada ao advogado, para ajudá-la a encontrar investimentos em precatórios. A compra desses ativos é usada por empresas para abater dívidas com a Receita Federal e é uma das soluções oferecidas pela MGT a clientes.
Passado um tempo, os clientes da MGT que fizeram aportes intermediados pela Benetti começaram a perceber que os títulos oferecidos pela empresa ligada a Tolentino nem sequer poderiam ser comprados.
Em virtude dessa operação, a Benetti já foi condenada em outras ações movidas por empresas para as quais vendeu esse mesmo tipo de precatório. Em uma delas, a Justiça determinou a devolução de R$ 27 milhões a um investidor. Na sentença, o juiz afirma que a Benetti cedeu “créditos que nem ainda existiam”.
A MGT foi processada pelos próprios clientes por intermediar o negócio com a Benetti, que só teria trazido prejuízos. Ela mesma rescindiu o contrato com a parceira e também move ações de cobrança contra Tolentino e sua empresa.
Já o advogado e a Benetti foram à Polícia Civil de São Paulo e acusaram a MGT de estelionato por não pagar o que considera lhe ser devido após a rescisão do contrato.
O sócio oculto
Tolentino não é bem sócio da Benetti, mas sw apresentou como seu principal rosto ao firmar negócios com a MGT e outros clientes.
Esse filme não é novo. Ele também não é sócio formal do Fib Bank, responsável pelas garantias da empresa que prometeu ao governo Bolsonaro trazer a vacina Covaxin durante a pandemia de Covid-19, em um negócio de R$ 1,6 bilhão que acabou suspenso em razão da suspeita de fraudes. Para o MPF, no entanto, Tolentino é sócio oculto do Fib Bank e as garantias eram falsas.
O histórico não impediu que Polícia Civil abrisse inquérito com base na denúncia de Tolentino, na qual ele é considerado vítima dos parceiros de Roberto Justus, que passaram a ser investigados.
A investigação
A investigação ainda está em fase inicial e a MGT pede à Justiça para que o inquérito seja arquivado em razão de sua fragilidade. A empresa alega que os papéis de vítima e denunciado estão invertidos e que os fatos investigados não passam de uma controvérsia a ser resolvida na esfera cível.
“Se há algum crime a ser apurado por Vossa Excelência, é a da fraude da venda de um precatório inidôneo para adquirentes de boa-fé”, afirma a defesa da MGT ao delegado responsável pelo caso.
A Justiça tem rejeitado os pedidos, com base em manifestações da Polícia Civil e do Ministério Público. Em manifestação no processo, o delegado João Eduardo da Silva afirma que há indícios da “atuação ilegítima” da MGT para “obstruir os pagamentos em benefício próprio, lesando a Benetti Invest”.
Enquanto o inquérito é mantido, a MGT amarga também processos de clientes. Uma empresa que investiu R$ 1,1 milhão no negócio diz à Justiça que a MGT tinha conhecimento prévio de que o precatório oferecido pela Benetti era frio. Ou seja, jamais poderia ser vendido, nem pode ser usado pelos investidores.
Os sócios da MGT afirmam ao Metrópoles que são vítimas de um golpe e que Tolentino, à época do negócio, “não tinha contra si o histórico midiático de hoje”.
“Os créditos oferecidos pelo Sr. Marcos Tolentino, na época do negócio, se fizeram acompanhar de documentação que os justificavam e que passaram também pelo crivo dos departamentos jurídico e fiscal dos clientes”, diz a MGT.
Questionados pela reportagem sobre a insegurança jurídica do acordo com a Benetti, eles afirmam que “Marcos Tolentino apresentou garantias ao comprador que, aparentemente, davam segurança ao negócio”.
“A MGT tem convicção de que, já na fase policial, a questão será esclarecida, com o arquivamento do feito em relação aos seus sócios e a comprovação das suas inocências, sendo que, como intermediadores do negócio, protegeram os compradores a partir da ciência dos fatos apontados”, afirmam.
Roberto Justus afirmou ao Metrópoles que os sócios da MGT “foram vítimas nesse processo” e ressaltou que tudo “se iniciou muitos anos antes” da parceria.
“O nosso contrato está vencido e não será renovado. Não por esse motivo, mas porque já usei o network e não tenho mais tempo disponível para me dedicar a esse negócio”, afirma Justus.
A reportagem não localizou Marcos Tolentino e a Benetti Invest.
A Polícia Civil de São Paulo afirmou que o inquérito policial no 16° DP (Vila Clementino) “apura o crime de estelionato envolvendo as partes – sem relação a qualquer processo cível”.
“O trabalho investigativo da autoridade policial constatou indícios de autoria do crime e diligências prosseguem para a conclusão do caso. Vale ressaltar que qualquer nova informação apresentada pelas partes investigadas pode ser anexada aos autos do inquérito para, posteriormente, ser relatado para a Justiça”.
Tolentino se diz vítima de estelionato
Após a publicação da reportagem, o advogado Marcos Tolentino procurou o Metrópoles e afirmou que é vítima de estelionato. Ele afirma que foi procurado pelos sócios da Marpa vender seus precatórios aos clientes da empresa, em 2017. E, que, após a MGT e sua cliente aferirem a higidez do precatório, adquiriram, por escritura pública, R$ 90 milhões em precatórios federais, assumindo uma dívida de R$ 40 milhões a serem pagos em 60 meses.
Ele diz que após 32 cheques pagos à Benetti, com a pandemia, a empresa para a qual a MGT intermediou o precatório alegou dificuldades de caixa em razão da Covid-19. Ele diz que este contato era inteiramente intermediado pela MGT. E, que ele próprio foi acometido pela Covid e, durante este período, a MGT continuou apresentando desculpas para a outra empresa não pagá-lo.
Ele diz que passou a notificar diretamente o presidente da empresa que comprou o precatório, e que o empresário afirmou ter sido surpreendido porque continuou fazendo os pagamentos à MGT. Em seguida, passou a receber pagamentos diretos da empresa. “E assim foram criminosamente desviados pelos representantes da MARPA a quantia
aproximada de R$ 17 milhões”, afirma.
“Importante frisar, como já se informou nos autos cíveis, que os sres Michel e Eduardo [sócios da MGT], tanto na presença do presidente da Facta [cliente da MGT] quanto quando ouvidos por autoridade policial, na presença de seus advogados, confessaram o desvio que praticaram”, disse.
Ele ainda afirma ter tentado alertar Roberto Justus em uma reunião em seu escritório, mas o empresário teria lhe dito que confiava nos sócios da MGT.
“Assim, pelo supra narrado, fica absolutamente claro que eu e a empresa que represento somos vítimas do engodo fraudulento e estelionatário praticado pela empresa Marpa [MGT], através dos seus sócios Michel, Eduardo e demais
representantes legais, posteriormente associados com o Sr Roberto Justus, conforme por estes admitido e fartamente divulgado nas redes sociais”, afirma.
Ele ainda diz que, com a finalidade de que a reportagem tenha acesso aos documentos que comprovam sua versão, “pedirá nos autos do apontado inquérito requerendo o imediato levantamento do sigilo anteriormente imposto,
haja vista a eclosão da reportagem demandar efetivo interesse público na ciência dos fatos lá apurados”.