Disparada do petróleo é novo desafio para inflação e juros no Brasil
Preço da commodity subiu 7% nesta semana, com confronto entre Israel e Hamas. Temor é que conflito se amplie e afete produção de óleo e gás
atualizado
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Num cenário global pouco animador, com juros nas alturas e crescimento rente ao chão, a disparada dos preços internacionais de petróleo, registrada na última semana com o confronto entre Israel e Hamas, representa a mais nova e robusta ameaça à economia do planeta. No caso do Brasil, ela surge como um inimigo que pode jogar contra a queda da inflação e dos juros no país.
Na sexta-feira (13/10), o preço dos contratos com vencimento para dezembro do petróleo tipo Brent, a referência internacional, fechou em alta de 5,68%, cotado a US$ 90,89. Ao longo da semana, ele apresentou elevação de 7,29%.
Há poucos dias, o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Pierre-Olivier Gourinchas, havia dito que uma alta de 10% nos preços do petróleo seria capaz de derrubar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial em 0,15 ponto percentual, além de elevar a inflação em 0,4%. Ou seja, essa é a magnitude da encrenca que paira sobre a economia global.
Gasolina como vilã
No Brasil, esse cenário provoca preocupação imediata com a inflação. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a taxa oficial do país, divulgado na semana passada, apontou elevação de 0,26% em setembro. Ele foi comemorado pelo mercado, porque a expectativa era de crescimento de 0,34%. Ainda assim, o IPCA teve um vilão: justamente a gasolina.
O economista André Braz, coordenador de índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), observa que, toda vez que o petróleo sobe, há risco imediato de elevação dos preços dos combustíveis. “A gasolina compromete 5% do orçamento familiar no Brasil”, diz o especialista. “Para cada 1% de aumento do produto nos postos, há um impacto na inflação de 0,05 ponto percentual. Isso quer dizer que, se a gasolina avança 5%, o IPCA sobe 0,25%, e isso é muita coisa.”
Efeito residual
No último IPCA, a gasolina saltou 2,8%. A elevação foi resultado de um efeito residual do aumento dos combustíveis, promovido pela Petrobras, em agosto. Não fosse a pressão exercida pelo combustível, explica Braz, a inflação de setembro teria registrado avanço de apenas 0,10% – e não 0,26%, como de fato ocorreu.
A elevação do diesel, nota o economista, também pesa na conta. Ela encarece fretes, transporte público urbano, geração de energia pelas termelétricas e movimentação das máquinas no campo, por exemplo. “O impacto é indireto, mas chega”, afirma Braz. “E ainda tem o efeito do aumento do petróleo de uma forma geral, cujos derivados pressionam o custo de insumos como adubos e fertilizantes.”
Diesel com defasagem
Uma análise do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) indica que a trajetória dos preços dos derivados de petróleo, em setembro – antes do confronto, portanto –, já havia reforçado a expectativa de pressão inflacionária do mercado internacional sobre o nacional.
De acordo com a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), o litro da gasolina vendido no Brasil está 4% mais caro do que a média internacional (a “paridade para importação”), e o diesel da Petrobras está 12% mais barato. Isso quer dizer que o valor da gasolina tem uma folga em relação ao mercado global, mas o diesel está abaixo, o que já representaria pressão para o aumento do produto.
Especulação
Esse é o quadro. A questão é saber “se” e “como” ele pode respingar no Brasil. Na avaliação de Sérgio Araújo, presidente da Abicom, ainda falta algum espaço para que o confronto no Oriente Médio acenda a luz vermelha na economia global. “Os preços do petróleo e de seus derivados são muito sensíveis a movimentos geopolíticos e, naturalmente, tiveram aumentos com o conflito”, diz. “Mas, na minha visão, são movimentos especulativos, uma vez que o problema ainda não impacta diretamente a cadeia de suprimentos dos combustíveis.”
Para Paulo Ferracioli, professor de Negócios Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio, o cenário internacional pode se complicar caso haja um envolvimento do Irã, grande produtor mundial de petróleo, no conflito. No início dos choques, havia a suspeita de que os iranianos teriam ajudado o Hamas a planejar o ataque contra Israel. Teerã, contudo, negou tal possibilidade.
Ferracioli observa ainda que, no início da semana passada, a Chevron fechou um importante campo de produção de gás natural no Mediterrâneo oriental, a plataforma de Leviathan, a pedido de autoridades israelenses. “Essa seria mais uma fonte de instabilidade para o comércio internacional”, afirma. “Mas ainda é apenas uma hipótese.”
Inflação na meta
Para André Braz, do FGV Ibre, a guerra, porém, é mais um elemento entre inúmeros riscos econômicos, identificáveis no cenário nacional e internacional, que podem afetar negativamente a inflação brasileira e, por consequência, a queda dos juros no país.
“Temos de olhar os efeitos do El Niño, que tem influenciado o clima no Rio Grande do Sul, com chuvas torrenciais, e no Norte e Nordeste, com secas”, diz. “Isso além dos juros nos EUA e da questão da política fiscal no Brasil. Mesmo assim, ainda acredito que podemos terminar o ano com uma inflação dentro do intervalo de tolerância da meta, que é de 4,75% ao ano.”