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Declínio da economia alemã acende alerta na Europa (e no mundo)

Maior economia da Europa e 4ª do mundo, Alemanha sofre com inflação elevada, fuga de capital e falta de mão de obra. PIB deve recuar em 2023

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1 de 1 Imagem colorida de notas de euro e, ao fundo, a bandeira da Alemanha - Metrópoles - Foto: Getty Imagens

A principal economia da Europa deve encolher em 2023. É o que projeta o próprio governo da Alemanha, de acordo com estimativas anunciadas nesta semana pelo Ministério da Economia. Um relatório divulgado na quarta-feira (11/10) indica que o Produto Interno Bruto (PIB) do país deve cair 0,4% neste ano, o que coloca sobre a mesa a hipótese de uma recessão em 2024.

Recentemente, a Alemanha passou por uma recessão técnica, caracterizada por dois trimestres consecutivos de retração do PIB, entre o fim de 2022 e o início de 2023. Há apenas seis meses, em abril, a projeção do governo alemão era a de que a economia avançasse 0,4% neste ano, mas as expectativas se deterioraram desde então.

Um outro levantamento, elaborado por cinco dos principais institutos econômicos do país, estima que o PIB recue ainda mais, um tombo de 0,6% ao final de 2023. A Alemanha só começaria a esboçar uma recuperação no fim de 2024, crescendo pouco mais de 1%, até chegar a uma alta de 1,5% em 2025.

Embora tenha desacelerado forte em setembro, a inflação continua em um patamar historicamente alto para o país, de 4,5% na base de comparação anual – em agosto, o índice ultrapassou 6%. Altamente dependente de petróleo e gás da Rússia, a Alemanha foi severamente atingida pela crise energética na Europa, agravada pelas sanções do Ocidente contra o governo russo por causa da invasão da Ucrânia, e sofreu com a disparada nos preços de energia.

“O fator mais importante que leva a esse quadro econômico delicado é a questão dos custos da energia, que subiram muito. Apesar de ter cedido um pouco em setembro, a inflação continua em um patamar muito elevado”, afirma Paulo Ferracioli, professor de Políticas de Comércio Exterior e de Economia no FGV Management, da Fundação Getulio Vargas.

“No período do governo da ex-chanceler Angela Merkel (2005-2021), a Alemanha se saiu bem, mas o país ficou viciado no gás mais barato da Rússia, sem imaginar que isso pudesse gerar tantas dificuldades como as que apareceram depois. Naquele momento, havia um consenso de que aproveitar o preço barato da Rússia era positivo”, observa Ferracioli.

O economista Glerton Reis Júnior, especialista em Relações Internacionais e sócio-fundador da A&G Assessoria Empresarial e Tributária, tem a mesma avaliação. “A Alemanha ainda tem uma dependência significativa da matriz energética da Rússia, seja no petróleo ou no gás. Com a guerra na Ucrânia, houve um cerceamento no fornecimento de energia por parte dos russos. Tivemos uma queda forte da produção industrial da Alemanha, tanto por causa desse cerceamento quanto pelo aumento nos preços de energia”, afirma.

Fuga de capital e falta de mão de obra

Com a economia baseada na exportação, a Alemanha vem amargando resultados ruins no comércio internacional, e voltou a conviver com o fantasma de uma possível desindustrialização. Segundo dados do Instituto Econômico Alemão, o país teve a maior saída de capital de sua história em 2022, com perda recorde de US$ 132 bilhões em investimentos diretos – ninguém perdeu mais entre todas as grandes potências mundiais.

“A Alemanha, hoje, está perdendo terreno, principalmente, para o bloco dos tigres asiáticos. É natural que o capital comece a migrar para países que têm uma produção mais barata”, afirma Reis Júnior. “A Alemanha é uma nação velha, com grande longevidade da população e natalidade em queda. O custo de produção na Europa é muito elevado e há uma massa crítica populacional de mão de obra pequena e decrescente. Isso foi mascarado nas últimas décadas pelo grande avanço tecnológico do país. Mas chegou um momento em que, por mais tecnologia que se tenha, não há mão de obra suficiente para dar conta desse custo de produção.”

Segundo o economista, o cenário é “muito preocupante” não só para a Alemanha, mas para a Europa como um todo. “A Alemanha é a grande força motriz do bloco europeu. O que acontece no país reverbera, economicamente, em todo o continente. É uma situação de alerta para todo o bloco, que pode ser contaminado por uma eventual crise em sua maior economia.”

Em junho, o Parlamento alemão aprovou mudanças nas regras de imigração para cidadãos de fora da União Europeia, com o objetivo de facilitar a entrada de estrangeiros qualificados para atuar no mercado de trabalho local.

Setores cruciais da economia alemã, como saúde, turismo, tecnologia e meio ambiente, têm dificuldades para preencher postos de trabalho. Apenas no ano passado, cerca de 2 milhões de vagas não foram ocupadas nesses segmentos.

A nova legislação contou com o apoio de parlamentares dos partidos que compõem a base do governo do primeiro-ministro Olaf Scholz (social-democratas, liberais e Partido Verde), mas foi rejeitada por legendas conservadoras (CSU e CDU) e de extrema direita (AfD).

Há uma semana, no domingo (8/10), foram justamente os partidos de direita os maiores vencedores das eleições regionais no país. CSU e CDU venceram nos estados da Baviera (o mais rico) e de Hesse (onde fica a metrópole financeira Frankfurt), enquanto a AfD obteve seu melhor resultado eleitoral.

“Eficiência” alemã em xeque

Além da queda da atividade econômica, de uma inflação que ainda preocupa, e da perda de recursos para outros países, a Alemanha passou a enfrentar, nos últimos anos, sérios problemas de infraestrutura.

Em 2006, o país era o terceiro colocado no Ranking de Competitividade Global para a Infraestrutura de Transporte, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial. Dez anos depois, em 2016, ocupava o 11º lugar.

No fim da década passada, o Ministério Federal dos Transportes e Infraestrutura Digital lançou um programa que prevê investimentos de 270 bilhões de euros, até 2030, na modernização da infraestrutura do país, com foco em manutenção e reformas.

O mito da “eficiência alemã”, propagado mundo afora por décadas, não se conecta mais com a realidade. Em 2022, de acordo com a operadora ferroviária Deutsche Bahn, houve atrasos em cerca de 25% dos serviços intermunicipais de alta velocidade – um trem de cada quatro não chegou ao seu destino no horário previsto. No ano anterior, esse percentual foi de 18%.

“A premissa alemã da qualidade, da disciplina e da pontualidade vem sendo afetada”, diz Reis Júnior. “Essas carências começaram a se espalhar por vários segmentos, como as indústrias automobilística, farmacêutica e química. Grandes conglomerados alemães, que sempre foram sustentáculos da economia, vêm enfrentando sérios problemas. É uma realidade que não dá mais para esconder e vem prejudicando o dia a dia das pessoas.”

A Alemanha é a quarta maior economia do mundo, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 2022, o PIB alemão somou US$ 3,4 trilhões. O país só foi superado por Estados Unidos (US$ 18,6 trilhões), China (US$ 11,2 trilhões) e Japão (US$ 4,9 trilhões).

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