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Debate no governo sobre aplicativos não vai dar em nada, diz Pastore

Para José Pastore, regular o trabalho de motoristas e entregadores é um desafio mundial, mas há uma saída para o impasse: a Previdência

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1 de 1 imagem colorida sociologo professor fea usp jose pastore - Foto: Divulgação

Depois de quase cinco meses, o impasse ainda prevalece nas negociações do grupo criado pelo governo federal, no início de maio, para discutir a regulamentação do trabalho de motoristas e entregadores de aplicativos. Na avaliação do sociólogo José Pastore, um dos maiores especialistas do país em questões relacionadas ao trabalho, essa situação não deve mudar. “Esse debate não vai dar em nada”, diz.

Um dos motivos da aposta de Pastore no fiasco é o tema, cuja dificuldade lhe é intrínseca. “O mundo inteiro está procurando soluções para proteger os trabalhadores ligados a aplicativos, mas elas não são simples”, afirma. Ainda assim, o especialista aponta uma saída para a sinuca atual. Ela está na Previdência. Como funcionaria? É o que Pastore explica a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

O grupo criado pelo governo definiu cinco temas básicos para discutir, mas, até agora, não destravou nem sequer o primeiro, sobre a remuneração mínima dos trabalhadores. Como avançar nesse debate?

O debate nesse grupo de trabalho não vai dar em nada. O pessoal vai ficar dando voltas em torno desses temas e não vai haver acordo. Ainda assim, é preciso tentar proteger de alguma forma os trabalhadores de aplicativos. Eles envelhecem, adoecem e, hoje, não contam com segurança nenhuma. Se um deles sofre um acidente, ninguém é responsável por nada.

Por que é tão difícil encontrar soluções para esse?

A natureza desse trabalho é tão nova quanto muito especial. Ela não se encaixa nas formas de proteção convencionais, como, no caso brasileiro, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Por que não se encaixa?

O trabalhador de aplicativo varia enormemente no horário de trabalho. Em dias, a jornada dura duas horas. Em outros, 16 horas. Varia também na localização do trabalho. Na maioria dos casos, não há subordinação, eles não responde a um chefe. É uma situação totalmente diferenciada. Agora, apesar dessas características, esse tipo de trabalho tem aspectos muito positivos para muitas pessoas, por isso é importante encontrar soluções para a regulação.

Quais são esses aspectos positivos?

É fácil começar a trabalhar nessa atividade. A pessoa não precisa ter formação, nem tempo de experiência. Essa atividade também resolve o problema de renda de muita gente que não consegue um emprego formal. Muitas vezes, ela também representa um complemento da renda. As pessoas têm um emprego, mas fazem um bico no aplicativo. Agora, há problemas sérios, como saúde e segurança, excesso de jornada, renda mínima. Só que esses problemas não podem ser resolvidos dentro da CLT.

Qual é a saída?

É a Previdência. Tenho estudado casos no mundo inteiro e o que tem dado mais certo é buscar uma solução pela lei previdenciária e não pela trabalhista. No Brasil, temos diversas tipos de contribuintes do INSS. Eles podem ser facultativos, individuais ou tipo MEI (Microempreendor Individual). Essa alternativa da Previdência não oferece todas as proteções da CLT, mas contém as básicas.

Pode citar alguns exemplos?

A tabela da Previdência prevê diversos benefícios. Eles incluem a aposentadoria por idade e por doença, afastamento por doença e acidentes, seguro saúde, licença para gestantes. São cerca de 15 benefícios. O INSS cobre, portanto, o básico e se encaixa à realidade de uma pessoa que trabalha na hora e no lugar que quer. Para que essa alternativa exista, basta que a pessoa se inscreva como contribuinte individual, facultativo ou MEI.

Por que essa alternativa não vem sendo debatida?

Quando se fala em Previdência, o governo vem com uma alíquota de 27,5% de INSS. É possível cobrar uma taxa dessas para uma pessoa entregar pizza? Seriam 20% pagos pela empresa, no caso, a plataforma do aplicativo, e 7,5% pelo entregador. Não tem cabimento. Isso acaba com tudo: com os negócios e com os empregos. É que nem a decisão recente da Justiça que multou o Uber em R$ 1 bilhão. As pessoas estão viajando. Esse tipo de atividade tem de ser encarada de uma nova maneira, com novas formas de proteção.

Quais soluções têm sido adotadas em outros países?

São regulações que levam em conta essa flexibilidade do trabalho. Na Alemanha, por exemplo, existe uma plataforma que reúne e recruta artistas. Se um ator tem um contrato para uma temporada, a contribuição é dividida em três partes. Ele paga 50%, o teatro 25% e o governo outros 25%, porque prefere ter essa pessoa no sistema previdenciário do que no seguro-desemprego, que é muito mais caro. Quando termina a temporada e o trabalho acaba, a situação muda.

O que acontece nesse caso?

O ator pode continuar pagando os 100%. Se não conseguir, paga menos. Durante esse período de menor contribuição, o benefício lá na frente, como é caso da aposentadoria, diminui. Mas, se depois de um tempo a pessoa encontrar um novo emprego, ela pode voltar ao sistema anterior. Ou, se tiver condições, pode contribuir com um pouco mais para cobrir a diferença do período em que deixou de pagar ou pagou menos. É um sistema de capitalização, mas ligado à previdência local.

No caso brasileiro, seriam necessárias mudanças na Previdência para a inclusão dos trabalhadores de aplicativos no sistema que mencionou?

Teríamos de ampliar a tabela de ocupações no caso de MEIs. O valor da contribuição, nesse caso, também teria de ser ampliada. Ela é muito pequena atualmente. Isso pode criar problemas para a a Previdência mais adiante. Enfim, algumas mudanças são necessárias, mas não é nada do arco-da-velha.

As pessoas optariam ou seriam obrigadas a se inscrever no sistema?

O sistema tem de ser algo obrigatório, impositivo. A maior parte do pessoal que trabalha com aplicativo é jovem e acha que nunca vai envelhecer ou ficar doente. Mesmo se a alíquota fosse baixíssima, de 1%, muita gente não iria contribuiria. Em todos os países, a previdência tem de ser imposta.

Mas essa alternativa poderia onerar a Previdência?

Para evitar isso, como disse, é preciso fazer ajustes nas alíquotas cobradas. Mas é possível encontrar um equilíbrio atuarial para essa contribuição.

Alguns representantes de plataformas alegam que não empregam ninguém, apenas “unem pontas”: o restaurante, o entregador e o consumidor final. O senhor concorda?

Não. Alguma responsabilidade elas têm, claro. A relação não é binária como num trabalho convencional, mas existe. Aliás, o consumidor também poderia contribuir com uma parcela dos recursos recolhidos para o INSS desses trabalhadores. Basta acrescentar um pequeno percentual sobre o valor da compra realizada.

Neste mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade da contribuição assistencial a trabalhadores não sindicalizados. Como o senhor avalia essa decisão?

O Supremo arranjou um imbróglio. Ele deu uma autorização para assembleias de sindicatos fecharem acordo coletivo e instituir uma contribuição assistencial para sindicalizados ou não. A menos que o trabalhador se oponha e não pague.

Exato. E qual é o imbróglio?

A lei trabalhista atual diz que o trabalhador só pode ter um desconto em folha para sindicatos, seja por acordo ou convenção, se autorizar. Então, o Supremo inverteu essa lógica. Definiu que todo mundo é obrigado, a menos que desautorize. Mas a lei estabelece que ninguém é obrigado, a menos que autorize. Então, se a empresa fizer esse desconto, ela pode ficar com o problema na mão, porque, na prática ele é ilegal.

Como se resolve esse problema?

Agora, é preciso ter um projeto de lei para regularizar essa situação.

Essa contribuição pode ser comparada ao velho imposto sindical, que acabou na reforma trabalhista?

Na prática, estão usando outro nome. Estão chamando de contribuição assistencial. Mas, no fundo, é quase a mesma coisa. Até o Supremo diz que se trata de uma contribuição a ser imposta a sindicalizados ou não. A diferença é que o imposto sindical, como o nome dizia, era um tributo. Dizia que as pessoas eram obrigadas a recolher um dia de trabalho por ano aos sindicatos. Ponto. Não tinha nada de assembleia. E a reforma trabalhista mudou isso. Estabeleceu que o dinheiro poderia ser recolhido, desde que os trabalhadores autorizassem. O que aconteceu? Quase ninguém autorizou e o dinheiro acabou.

Como o senhor avalia esse tipo de cobrança, independentemente do nome e das diferenças?

Acho que os sindicatos precisam ter recursos para fazer as negociações, que são caras. E esses recursos têm de vir de sindicalizados ou não, porque todos se beneficiam com as negociações. Agora, não posso concordar que o trabalhador não tenha a liberdade de dizer: “Não quero pagar”. Porque, no Brasil, o sindicato é um monopólio, existe um sistema de unicidade sindical.

Como é esse sistema?

Ele é diferente do que existem em outros países, onde há diversidade. Nesses lugares, se a pessoa não está satisfeita com um sindicato, vai a outro. Aqui, o trabalhador está garroteado por um sindicato monopolista. Além do mais, o sindicato pode abusar dos valores recolhidos e o governo não pode intervir. A Constituição diz que ninguém pode intervir em sindicatos. Então, eles têm uma situação privilegiadíssima e inexplicável no mundo. Ela é monopolista e não permite intervenção. Isso é bem diferente da obrigatoriedade da contribuição da Previdência, para os trabalhadores de aplicativo, como mencionei. A Previdência presta o mesmo serviço para todo mundo.

 

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