Crise da Tok&Stok revela gargalos para setor de móveis e decoração
A saída da Etna do mercado, em 2022, e as dificuldades financeiras da Tok&Stok mostram que varejo de móveis e decoração passa por problemas
atualizado
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O passeio a uma loja para escolher a paisagem de uma casa nova ou para repaginar o lar já habitado não será mais o mesmo. Duas das grandes marcas do varejo de móveis e decoração ou saíram de vez do mercado ou estão passando por uma reestruturação.
A Etna, marca que pertencia à família Kaufman (dona da rede de lojas de joias Vivara), fechou as portas em meados do ano passado. A rede, que chegou a ter 18 lojas no auge, fez um saldo de até 90% de desconto e fechou as portas de vez das últimas unidades.
Sua principal concorrente, a Tok&Stok, passa agora por dificuldades financeiras. A empresa contratou recentemente a consultoria Alvarez & Marsal pare renegociar dívidas cujos valores não foram divulgados. O aluguel de algumas lojas já está em atraso, segundo os administradores dos imóveis.
A crise nas duas joias da coroa do setor mostra que o segmento de móveis e decoração passa por transformações profundas e coloca em dúvida o modelo de varejo que dominava o mercado, até então.
“O conceito de lojas grandes, com variedade de produtos, apresenta um custo muito elevado, não só pelo espaço, mas pelo estoque necessário. É um modelo que tem um tíquete-médio alto de venda, mas margens apertadas”, explica Ricardo Pastore, professor e coordenador do Núcleo de Varejo e Retail Lab da ESPM.
Ele lembra que, até pouco tempo atrás, o segmento era populado por dois extremos. As magazines, como Casas Bahia e Magazine Luiza, que dedicavam parte do espaço das lojas, perto dos eletrodomésticos e eletrônicos, à venda de móveis de baixo custo.
Na outra ponta estavam as lojas “independentes” de luxo, com catálogos próprios, estoque baixo e custo elevado. É o caso, por exemplo, das lojas que preenchem ruas como a Teodoro Sampaio e Gabriel Monteiro da Silva, na zona oeste de São Paulo, ou as lojas que estão no shopping D&D, na zona sul da capital paulista.
A Etna e a Tok&Stok surgiram como uma alternativa ao consumidor de classe média-baixa e classe média, que buscava móveis de melhor qualidade e de design mais refinado, mas que não podia acessar os fornecedores mais caros.
Era um modelo inspirado na Ikea, rede sueca que tem mais de 400 lojas espalhadas pelo mundo. A questão-chave era oferecer móveis e decoração produzidos em escala industrial, com design limpo e simples, em megalojas que traziam itens capazes de equipar a casa toda.
O modelo se provou duvidoso no Brasil. Primeiro porque a Etna, que abertamente foi inspirada na Ikea, fechou as portas. Segundo porque a própria Ikea tem planos para abrir lojas na América do Sul até 2025, mas não colocou o Brasil na lista de prioridades.
“Estamos falando de um modelo que foi criado e que sobrevive bem no mundo desenvolvido, que tem certa estabilidade econômica. No Brasil não temos isso. As varejistas mais suscetíveis a altos e baixos”, diz Pastore, da ESPM.
Obstáculos no caminho
Além dos problemas próprios do modelo de negócio, o mercado atual oferece dificuldades adicionais. O movimento de reforma e decoração dos ambientes internos, nascido durante a pandemia, parece ter arrefecido.
Em 2020 e 2021, quando grande parte dos brasileiros precisou adaptar o lar para poder trabalhar de casa, o varejo de móveis e decoração passou por um período de euforia. A própria Tok&Stok cogitou abrir capital na Bolsa de Valores, embalada por um faturamento bem acima da média.
Conforme a rotina fora de casa foi retomada e o trabalho remoto voltou a ser presencial (ou híbrido), o lar perdeu o protagonismo. A Tok&Stok, por exemplo, que fez investimentos durante a fase de euforia, precisou reajustar a rota. A Westwing, plataforma digital de móveis e decoração que abriu capital durante os meses de quarentena, amarga desvalorização de mais de 90% no mercado.
Até mesmo concorrentes recém-chegados e que pareciam ter o custo baixo como um diferencial enfrentam problemas. A Mobly, rede de móveis de custo e acabamento mais simples, também recua quase 90% na Bolsa desde 2021, quando passou a ter ações listadas.
Uma vez que as reformas esfriaram, restava confiar no mercado imobiliário como um motor. O problema é que, com a taxa Selic em 13,75% ao ano, o financiamento de imóveis ficou mais caro e tornou-se inalcançável para parte da classe média, principal público-alvo do setor.
A última gota do balde que transborda agora é o problema de crédito gestado pela crise da Americanas. Desde que a empresa reportou um rombo contábil de R$ 20 bilhões, os bancos fecharam as portas para o financiamento de outras varejistas.
Para negócios que dependem do refinanciamento de dívidas e de operações como a antecipação de recebíveis de fornecedores, as restrições impostas pelos credores podem ser o fim da linha.