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Consultora vê risco de “uberização” da criação de conteúdo na internet

Para Rafaela Lotto, da Youpix, criador de conteúdo deve se ver “como negócio” e diversificar fontes de receita para evitar “sucateamento”

atualizado

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O mercado de criação de conteúdo na internet, também chamado de “creator economy”, vem crescendo exponencialmente no Brasil e no mundo, ano após ano. Em todo o planeta, a estimativa é que o setor tenha movimentado US$ 16,4 bilhões (cerca de R$ 79,5 bilhões, pela cotação atual) em 2022.

Segundo uma pesquisa da Nielsen em parceria com a Youpix, principal consultoria do país para criação de estratégias e desenvolvimento de negócios na “creator economy”, o número de empresas que pretendem investir mais de R$ 1,5 milhão por ano em marketing de influência dobrou entre 2021 e 2023. O levantamento também mostrou que mais de 84% das marcas têm intenção de ampliar seus investimentos nesse mercado.

Apesar de apostar em um crescimento ainda maior da “creator economy” nos próximos anos, Rafaela Lotto, diretora de estratégia, chefe de planejamento e sócia da Youpix, alerta para o risco de “sucateamento” do trabalho dos criadores de conteúdo. “Há marcas que oferecem R$ 100 por um trabalho e o criador de conteúdo que não consegue acessar as marcas acaba topando. É como muitos motoristas de Uber. Estamos muito perto da ‘uberização’ da criação de conteúdo”, afirma, em entrevista ao Metrópoles.

“O próprio criador de conteúdo tem de pensar em como ele vai diversificar sua receita, assim como qualquer empresa. Para abrir um negócio, você tem de saber como vai ganhar dinheiro com aquilo. Em geral, há uma falta de conhecimento das pessoas sobre outros modelos que existem.”

Leia os principais trechos da entrevista concedida por Rafaela Lotto ao Metrópoles:

De que forma as empresas perceberam a importância da “creator economy”?

Teve um pouco do efeito da pandemia. No primeiro momento, foi aquela coisa de parar tudo, os influenciadores ficaram malucos, acabaram todos os contratos… Mais tarde, as empresas perceberam que não conseguiam fazer quase nada sozinhas e que os influenciadores eram a melhor ferramenta que elas tinham. A Zara, por exemplo, em vez de apostar em uma campanha publicitária convencional, pediu para as modelos começarem a se fotografar em suas casas. O trabalho do “creator” se tornou muito oportuno durante a pandemia e algumas marcas experimentaram isso com maior intensidade. Além disso, o grau de maturidade das marcas foi aumentando e elas começaram a fazer marketing de influência de um jeito mais efetivo, o que gerou melhores resultados. Há ainda um outro ponto: o trabalho de longo prazo do influenciador com a marca envolve os chamados atributos de marca, que são aquelas coisas que não se consegue perceber de imediato. Antes não havia ferramenta no mercado para provar que o trabalho do influenciador ajudava na construção do longo prazo, para além da venda do dia a dia. Quando você quer fazer algo mais maduro com o influenciador, o cachê dele também cresce. A relação muda de patamar. Não é mais só um publi pontual, aquele combo básico de um post no feed e três stories, mas uma campanha de longo prazo. Essa mistura entre maturidade e o resultado que aparece foi determinante para uma nova postura das empresas. E é só o começo.

Como a capacidade de influenciar pessoas pode ajudar a desenvolver um negócio?

Nas consultorias que fazemos para as marcas, cada vez mais estamos incluindo os executivos das empresas como figuras importantes na construção dessa imagem de marca. Muitas vezes, o presidente de uma empresa não está lá fazendo um publi do produto que ele lançou, mas é muito importante para a construção de uma marca. O que ele fala no LinkedIn, ou mesmo no Instagram e em outras plataformas, exerce uma influência fundamental. Um executivo com um bom conteúdo, com um conteúdo alinhado à estratégia da marca, ajuda demais. Se olharmos para todo o mercado, envolvendo empreendedores e profissionais liberais, isso se repete. Eu fiz uma palestra recentemente para cerca de 30 dermatologistas. Eles brincaram dizendo que nunca ninguém os ensinou a fazer marketing de influência ou a criar conteúdo para atrair pacientes. E, de fato, para quem é profissional liberal, essa é a grande ferramenta para conseguir clientes. Saber contar o que você faz é uma habilidade importante. Há algum tempo atrás, como profissional liberal, você não tinha todas essas ferramentas que estão disponíveis hoje em dia. É um recurso que muda o jogo. Não tem muito como fugir disso. Não significa que um médico agora tenha de fazer dancinha no TikTok, não é isso. Mas é uma forma de a autoridade ser construída. Não é só isso, há outras ferramentas, mas ajuda muito. Todo mundo pode ser um comunicador de si mesmo. O lado ruim é que as pessoas agora têm mais uma tarefa, digamos assim. Elas já estão sobrecarregadas, têm mil coisas para fazer e ainda precisam ter essa preocupação de criar conteúdo. Não é o único caminho, mas me parece um caminho sem volta.

Um estudo da Collabstr mostra que o mercado global de influenciadores digitais vem crescendo, em média, mais de 40% ao ano desde 2019. Até onde a “creator economy” pode chegar?

Não consigo fazer uma projeção exata sobre o crescimento desse mercado, mas posso dizer com bastante certeza que ele vai continuar crescendo. Tem dinheiro rolando, especialmente dos últimos anos para cá. Quando olhamos, por exemplo, para os Estados Unidos, que é uma referência para nós, não há apenas o “creator”, a marca e algumas ferramentas. Tem muita startup, tem investimento, tem muita solução sendo pensada para atender esse ecossistema. Como o ativo principal desse mercado é o criador de conteúdo, se ele não ganhar dinheiro, toda a cadeia também não se sustenta. Então, há muita coisa sendo estudada para monetizar o trabalho do criador de conteúdo, justamente para que ele ganhe mais e todo mundo ganhe com isso. O cara da Faria Lima que estava pensando em criar o próximo patinete agora deve estar focado em como criar um aplicativo para o “creator”.

Os cinco maiores youtubers brasileiros faturaram entre R$ 700 mil e R$ 1,4 milhão no ano passado, mas há uma grande massa de criadores de conteúdo ainda muito mal remunerados. Afinal, como monetizar esse trabalho a ponto de viver só dele?

Hoje, a gente já fala de uma classe média da “creator economy”. É gente que vai ganhar o seu dinheiro, mas nunca será um milionário. Sim, há possibilidade de muita gente ganhar dinheiro, mas há também o desafio de os próprios “creators” se entenderem como negócio e definirem seu modelo de negócio. Muitas pessoas acham que vão começar a criar conteúdo, serão descobertas por uma marca importante e vão viver de publi no Instagram. Só que não há marcas para pagar publi para todos os “creators” que existem no Brasil e no mundo. O próprio criador de conteúdo tem de pensar em como ele vai diversificar sua receita, assim como qualquer empresa. Para abrir um negócio, você tem de saber como vai ganhar dinheiro com aquilo. Em geral, há uma falta de conhecimento das pessoas sobre outros modelos que existem. Até porque, no Brasil, a criação de conteúdo é uma ferramenta de ascensão social. Vem um pouco dessa cultura da fama, das celebridades… Na verdade, tem um monte de gente que pode ganhar dinheiro, vai pagar suas contas, mas nunca vai ficar famoso. Além disso, já assistimos ao sucateamento desse trabalho. Há marcas que oferecem R$ 100 por um trabalho e o criador de conteúdo que não consegue acessar as marcas acaba topando. É como muitos motoristas de Uber. Estamos muito perto da “uberização” da criação de conteúdo. Às vezes, as marcas nem pagam nada. Só pagam se der certo, se vender alguma coisa.

Como evitar esse “sucateamento” de que você fala?

Passa por uma compreensão sobre o valor do trabalho do criador de conteúdo. Quando ele entende o valor do seu trabalho, não se sujeita a fazer um trabalho por tão pouco. Por outro lado, como você fala isso para uma pessoa que precisa pegar aquele trabalho para pagar um boleto? Aí é um problema mais abrangente, é a situação do país. Tem como evitar isso? Tem. Mas voltamos à questão do motorista do Uber ou do entregador do iFood. Muitas vezes é um sucateamento do trabalho? Sim. Ao mesmo tempo, o cara está conseguindo pagar as contas e comer com aquele dinheirinho que ele ganha. Como resolver isso? Não sei se existe uma resposta.

A Youpix, que atua nesse mercado há quase 20 anos, fez uma mudança em seu modelo de negócio em 2023, focando em projetos de consultoria para empresas e influenciadores digitais. Por que vocês decidiram mudar a rota?

A nossa história se confunde com a evolução da internet. Com 17 anos de estrada, a gente foi se moldando ou o mercado foi moldando a gente. A Youpix começou como uma revista de cultura da internet. Sempre fomos esse observatório do mercado e continuamos sendo. O que muda é a maneira como a gente devolve isso, como a gente monetiza o nosso trabalho. Quando éramos uma revistinha que falava sobre cultura da internet, nosso modelo de monetização era o anunciante. O nosso negócio foi evoluindo à medida que havia o público comprador dele. Sempre produzimos e compartilhamos informação, seja como revista, no site ou no nosso Instagram. Isso alimenta o mercado de dados, é quase como um farol. Com isso, sempre estivemos ao lado do “creator” de diversas formas, ele sempre foi o centro do nosso negócio. O que mudou neste ano é que, como respondemos a uma demanda que o mercado traz para nós, cada vez mais as marcas estão pedindo a nossa consultoria. O negócio consultoria foi tomando uma proporção cada vez maior dentro do negócio Youpix. As empresas sabem que precisam de marketing de influência, mas não sabem se estão fazendo direito. E é exatamente isso que nós entregamos, traduzindo em estratégia para as marcas. Não foi uma mudança completa, mas uma adequação ao que o mercado demanda da gente, a como o mercado nos enxerga hoje.

É mais fácil trabalhar com empresas que desejam investir em marketing de influência ou diretamente com os influenciadores?

O nível de dificuldade é o mesmo, mas, pensando na consultoria que eu posso prestar para uma marca ou para um “creator”, para a marca é relativamente mais simples porque não está envolvida toda aquela expectativa que existe no caso do criador de conteúdo. Para a marca, é preciso vender, gerar negócio. A relação é muito transacional e estratégica. Se funciona, continua; se não deu certo, muda. Agora, a relação com o “creator” é mais emocional. É intensa. Com a marca, ninguém chora no final dos projetos. Com o criador de conteúdo, estamos vendo a vida dele mudar, às vezes a vida de uma família inteira, de uma comunidade. É mais difícil atender essa expectativa, mas é muito recompensador quando você vê o resultado final. É uma catarse. Não tem preço que pague.

As crianças, hoje, já respondem “influencer” quando perguntadas sobre o que querem ser quando crescer?

Já respondem, sem dúvida nenhuma. E o mais louco disso é que elas nem precisam esperar crescer. Já podem ser influenciadoras agora. Eu sou mãe. Quando você conversa com qualquer mãe cujo filho consome muito conteúdo no YouTube, elas dizem que os filhos já têm a linguagem própria desse universo. É aquela coisa: “Oi, gente, tudo bem? Clica no sininho, assina o canal…”. E isso em uma idade na qual as crianças são muito influenciadas.

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