Como o Congresso pode aprimorar o arcabouço, na visão de especialistas
Medidas sugeridas por técnicos visam garantir, ou mesmo, acentuar o controle de gastos do governo, principal pilar das novas regras fiscais
atualizado
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O projeto de lei complementar do arcabouço fiscal está prestes a ser apresentando pelo governo ao Congresso Nacional. A estrutura da proposta já havia sido anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em 30 de março. Com base nessas informações, especialistas ouvidos pelo Metrópoles indicam quais pontos da medida podem ser aprimorados pelos parlamentares.
O arcabouço, como se sabe, substitui o teto de gastos, criado em 2016. Na prática, ele é o novo teto. Tem como objetivo fixar regras que equilibrem a relação entre os gastos e as receitas da União. Isso para não colocar em risco a trajetória da dívida pública. Em geral, as sugestões feitas pelos especialistas aos parlamentares focam em ações que garantam – ou acentuem – a contenção de despesas.
A medida
Pela proposta apresentada por Haddad, o governo compromete-se a colocar as contas no azul em dois anos. Isso significa zerar o déficit público, em 2024, e obter superávits de 0,5% do PIB, em 2025, e de 1% do PIB, em 2026 (com uma banda de flutuação de 0,25%).
O arcabouço define que, para alcançar tais números, os gastos do governo não poderão ultrapassar 70% do crescimento das receitas no ano anterior. Além do mais, o avanço real (acima da inflação) da despesa não será inferior a 0,6% nem superior a 2,5% do PIB ao ano. Esses são os limites.
Limite de gastos
A primeira questão, levantada pelo economista Márcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), de São Paulo, é definir o que vai entrar na conta desses 70% do teto de despesas. Ele observa que, em alguns anos, há grande profusão de receitas extraordinárias – no jargão, atípicas –, que não se repetem no ano seguinte.
Em 2002, por exemplo, elas somaram R$ 135 bilhões. No ano anterior, não ultrapassaram R$ 58 bilhões. “Se essas receitas forem incluídas na conta de um ano, o limite de despesas para o ano seguinte vai ficar muito inchado”, diz Holland. “Com isso, o governo vai gastar mais do que deveria.” Ele defende que as receitas atípicas não sejam excluídas do cálculo de despesas.
O economista Fabio Giambiagi, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre FGV), defende restrições ainda maiores em relação ao limite de gastos. “Teoricamente, o Congresso poderia diminuir esses 70% para 60%, ou mesmo, 50%”, afirma. “Mas não creio que o faça.”
Punição para assustar
Na avaliação de Daniel Rezende, assessor de investimentos da corretora Messem, os parlamentares deveriam criar mecanismos de punição para o governo – qualquer governo –, caso o limite de gasto seja superado, ou mesmo, as metas de superávit não sejam atingidas.
O ideal, observa o analista, seria adotar um mecanismo similar ao “shutdown” (fechamento), utilizado nos Estados Unidos. No caso americano, ele congela os gastos públicos, sempre que o orçamento do governo federal não é aprovado. “Essa seria uma forma de assustar quem quer que esteja no governo”, diz Rezende. “E seria uma adaptação útil.”
Investimentos
Holland, da FGV, adverte ainda que, na versão atual, o arcabouço reverte todo o excesso de superávit (ganhos além dos esperados) em investimentos. “Essa, à primeira vista, sempre parece uma medida positiva, mas tem um viés populista”, afirma. “O correto seria utilizar esses recursos adicionais para abater a dívida, melhorando a sua dinâmica.”
Para o professor, essa medida poderia acelerar uma eventual volta do Brasil ao grau de investimento (investment grade), perdido em 2015. Essa é uma classificação dada a países considerados bom pagadores. Eles formam uma espécie de primeira divisão no mundo de créditos e atratividade de recursos. “Com isso, teríamos condições de crescer mais, atraindo um maior volume de aportes internacionais”, afirma Holland.
Novas oscilações
Para os especialistas, as discussões do arcabouço no Congresso também podem representar uma fonte fértil para novas oscilações no mercado. Isso, notadamente, caso eventuais alterações tornem as regras menos efetivas em relação ao controle de gastos.
Para Rezende, da Messem Investimentos, em março, o arcabouço foi razoavelmente bem-recebido pelos agentes financeiros por ter tirado os investidores da incerteza. Já os economistas foram mais críticos em relação à proposta do ministro Haddad.
Para o analista, a recepção foi diferente por uma questão de pragmatismo. “Não esperávamos nada grandioso, mas queríamos poder fazer contas”, diz Rezende. “O mercado não quer estar certo, quer ganhar dinheiro. Já os economistas querem estar certos.” Por isso, no momento em que as contas não fecharem, novas ondas de volatilidade tendem a se formar.