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Como dois telefonemas levaram a CVM a punir um bilionário brasileiro

Silvio Tini, um dos maiores investidores do país, foi “inabilitado” pela CVM em investigação por suposto caso de “insider trading”

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1 de 1 imagem colorida do megainvestidor Silvio Tino, da Bonsucex Holding - Metrópoles - Foto: Reprodução

Trechos de dois telefonemas que, ao todo, somam 10 minutos bastaram para que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidisse punir o bilionário Silvio Tini, da Bonsucex Holding, um dos maiores investidores do país, com fortuna estimada em R$ 3,8 bilhões pela Forbes. 

No início de julho, a CVM inabilitou Tini num processo sobre insider trading – quando alguém usa informações privilegiadas de empresas para negociar ações. Com isso, ele não pode atuar como administrador ou conselheiro de companhias listadas na Bolsa brasileira (B3) pelo prazo de cinco anos.

A análise do caso estendeu-se a dois ex-operadores da Bradesco Corretora, Caio Galli e Júlio César Rossi. Cada um deles foi multado pela CVM em R$ 200 mil.

A investigação começou em 2017 e apurou negócios realizados com ações da Alpargatas. Tini fazia parte do conselho de administração da empresa e era cliente da corretora Bradesco. As ligações telefônicas que estão na base do julgamento foram feitas justamente entre o megainvestidor e o corretor Caio Galli. 

Compra de ações

Em 29 de março de 2017, após “investigações internas”, o Bradesco identificou a realização dos dois telefonemas, por meio dos quais Tini supostamente teria indicado a Galli a compra de ações ordinárias (com direito a voto em assembleias) da Alpargatas. De acordo com o processo da CVM, o corretor e seu ex-colega Júlio César Rossi, de posse da informação, passaram a negociar papéis da empresa a partir daí.

Na sequência, em 20 de abril, a Alpargatas divulgou um fato relevante ao mercado. Nele, a empresa informava que o conselho de administração da companhia – do qual Tini fazia parte – havia autorizado a convocação de assembleias de acionistas para deliberar sobre a migração da empresa para o segmento do Novo Mercado da Bolsa de Valores – onde estão as firmas com as melhores práticas de governança.

Valorização das ações

O fato relevante citou que haveria uma conversão de troca de 1,3 ação preferencial (definidas pela sigla PN, sem direito a voto em assembleias) para cada ordinária (que usam a sigla ON). 

Logo após a divulgação do documento, em 20 de abril, cita o processo, as ações ordinárias da empresa tiveram “expressiva valorização, não acompanhada de imediato pelas preferenciais”. As ON passaram de R$ 10,74, no dia 19, antes do fato relevante, para R$ 13,90, em 25 de abril, cinco dias depois. As preferenciais também subiram no mesmo período, mas menos. Avançaram de R$ 12,00 para R$ 12,53.

Tese acusatória

De acordo com a tese acusatória, aponta a CVM, “havia sérios indícios de que as compras de ações ordinárias da Alpargatas (com a sigla ALPA3) por parte de Caio Galli, no dia 10 de abril de 2017 (2,6 mil ações), e de Júlio César Rossi, nos dias 29, 30 e 31 de março, além de 5 de abril de 2017 (totalizando 5,3 mil ações), teriam sido realizadas com utilização de informação relevante ainda não divulgada, sobre o projeto de migração da empresa para o Novo Mercado”.

O dado sobre a mudança teria sido repassado por Tini por telefone. Seguem abaixo os trechos das conversas captadas pela corretora do Bradesco que foram incluídos no processo:

Primeiro telefonema dura 7 minutos (entre 10h42 e 10h49)

Silvio Tini: É…essas coisa aí, Caio. A ALPA ON tá muito distorcida…Você não quer comprar um pouquinho pra você, hein, Caio?

Caio Galli: Posso. 

Silvio: Isto…pra você. 

Caio: Tá…E a PN [ações preferenciais da Alpargatas], Silvio, acabou a venda, hein? Voltou… 

Silvio: ‘Cê” entendeu, Caio? 

Caio: Entendi, entendi…Voltou um caminhão de compra da PN aqui, hein? Você me dá só um minutinho, Silvio, pra…? 

Silvio: Tá. 

Caio: Um caminhão de venda, hein? Um caminhão de compra na PN. 

Silvio: É…eu, eu acho que vai melhorar. Essa ON [ALPA ON] está mais barata, viu, Caio? 

Caio: É…Agora fechou a 10,40, as vendas estão ali a 10,34. Se eu tomar um “cenzinho” lá, o papel vai parecer com queda. 

Silvio: Ô Caio? “Cê” entendeu o que eu falei?  

Caio: Lá, né? 

Silvio: É…manda o…manda o…o…manda lá o Júlio César comprar pra você. 

Caio: Tá bom. 

Silvio: Tá bom? No limite do seu fôlego. 

Caio: Pode deixar. 

Silvio: Tá?

Caio: Pode deixar. 

Silvio: Nós não vamos falar mais. 

Caio: Tá bom. 

Silvio: Tá bom?

O segundo telefonema dura 3 minutos (entre 11h01 e 11h04)

Caio: Silvio? 

Silvio: Muito cuidado com isso que eu falei, viu, Caio?  

Caio: Tá joia. Pode ficar tranquilo. 

Silvio: Tá. E é só pra você… 

Caio: Pode ficar tranquilo. 

Silvio: …e mais ninguém…ir com muita sede ao pote, tá? Senão…  

Caio: E a PN…tem…tem gente mostrando compra aqui, viu Silvio? Tem um monte de gente olhando aí. 

Silvio: É, mas não…não se mete nessa, não… 

Caio: Não…não tô nem olhando… 

Silvio: Ah não. Vai no outro que lá que eu falei… né? 

Caio: Não tá nem no radar. 

Silvio: Tá…Nós não vamos falar mais, tá?

“Elefante no morangal”

Em um dos três votos sobre o caso, João Accioly, diretor da CVM, destaca os trechos em que Silvio Tini diz que a ação ordinária da Alpargatas “tá muito distorcida” e sugere a Caio: “Você não quer comprar um pouquinho pra você, hein?’”. Depois, Accioly acrescenta que Tini estava “consciente que o conteúdo da ligação era sensível” ao dizer “muito cuidado com isso que eu falei” para Caio, “pra não me complicar”. 

Para Accioly, Tini “conseguiu a proeza” de produzir um “caso de insider trading com prova concreta (ao menos no que se refere à sua atuação específica), pois sabia que a ligação com a corretora estaria sendo gravada”. Quanto aos pedidos de reserva sobre o assunto, o diretor da CVM os comparou à tentativa de pintar de “vermelho as unhas do elefante para escondê-lo no morangal”.

Pontos da acusação

A CVM apontou diversos pontos que fizeram prevalecer a tese de acusação no julgamento. Entre eles, estão:

  • a relação entre Silvio Tini, Caio Galli e Júlio César (sendo este também operador da Bradesco Corretora que atendia Tini antes de Galli);
  • a participação de Tini nas tratativas relacionadas ao projeto de migração da Alpargatas para o Novo Mercado;
  • os dois telefonemas;
  • e o horário das compras de ações em nome de Rossi, em 29 de março de 2017, às 11h13, cerca de 9 minutos após o encerramento do segundo telefonema entre Tini e Galli, concluído às 11h04. 

Pontos da defesa

No processo, também foram listados argumentos apresentados pelas defesas, como: 

  • o fato de que na conversa entre Tini e Galli não houve menção à alteração de governança da Alpargatas;
  • os comentários interpretados como ilícitos foram feitos no contexto de uma conversa rotineira, na qual foram analisadas diversas companhias;
  • Tini não obteve qualquer benefício pessoal com o episódio;
  • Galli e Rossi operavam ações da Alpargatas desde 2014, e os volumes negociados seriam inferiores às quantidades normalmente negociadas por eles.

Sem acordo

Durante o processo, a CVM recusou propostas para firmar Termos de Compromisso com Tini, Galli e Rossi, recurso por meio do qual os acusados pagam uma quantia para encerrar o processo. Numa primeira iniciativa, Tini propôs pagar à CVM R$ 42.597,00. Galli e Rossi se comprometeram a desembolsar, respectivamente, R$ 14.337,00 e R$ 28.260,00. 

A CVM, uma autarquia ligada ao Ministério da Fazenda, considerou os valores baixos e sugeriu elevá-los. No caso de Tini, ele passaria para pouco mais de R$ 1,2 milhão. Em relação aos dois ex-operadores da corretora Bradesco, a quantia subiria para R$ 200 mil para cada um. Não houve acordo, porém.

Ida e volta do processo

Antes do julgamento final, o processo havia sido arquivado por duas vezes na CVM. Em novembro de 2017, a Gerência de Acompanhamento de Mercado 1 (“GMA-1”) da CVM apontou a “ausência de elementos” que justificassem o “aprofundamento das investigações sobre o suposto uso de informação privilegiada pelo operador da Bradesco Corretora”. 

Na sequência, a Superintendência de Relações com o Mercado de Intermediários ratificou o entendimento da GMA-1. A Superintendência de Relações com Empresas, no entanto, discordou das avaliações anteriores e aprofundou as investigações. “A reabertura de investigações após o conhecimento de fatos novos é prerrogativa do órgão fiscalizador e não se confunde com o exercício de autolimitação pela administração pública”, afirmou o presidente da CVM, João Pedro Nascimento, em seu voto sobre o caso.

Manifestação das defesas

Consultada pelo Metrópoles, a defesa de Caio Galli e Júlio César Rossi afirmou que vai recorrer da decisão. Os representantes legais consideram que aspectos importantes por eles levantados merecem um exame mais aprofundado, porque demonstram a improcedência da acusação.

A defesa de Silvio Tini enviou nota, na qual afirma que também irá recorrer da decisão.

“Com relação ao inquérito administrativo instaurado pela CVM, a defesa esclarece que ainda não foi intimada formalmente da decisão proferida pelo colegiado e que irá apresentar oportunamente seu recurso administrativo com as razões pelas quais discorda do posicionamento preliminar adotado pela autarquia. A defesa acredita que os fatos mencionados pela CVM em sua decisão serão integralmente esclarecidos e a decisão reformada pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.”
O Bradesco, que gravou as duas conversas, não quis se manifestar sobre o caso. O espaço segue aberto.

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