Como a produção de petróleo no Brasil deve crescer até 80% em 10 anos
Ela passará dos atuais de 3 milhões para 5,4 milhões de barris por dia, em 2029. Veja quais os impactos e os desafios desse boom para o país
atualizado
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Vai jorrar petróleo no Brasil nos próximos dez anos. As estimativas apontam que a produção nacional da commodity passará de 3 milhões de barris por dia, em 2022, para 5,4 milhões de barris diários, em 2029. Trata-se de um salto de 80%. A partir daí, o nível cai um pouco até alcançar 4,9 milhões de barris por dia, em 2032 (veja quadro abaixo). Ainda assim, permanecerá nas alturas.
E esses números não resultam de especulações a respeito de descobertas de campos petrolíferos, ou mesmo do avanço sobre novas fronteiras exploratórios, caso da Margem Equatorial, que inclui a foz do Amazonas. Essa produção, afirma o professor Helder Queiroz, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já está, em grande medida, “contratada”.
Ela é o resultado do aumento da produtividade de áreas em exploração e da entrada em atividade de novas plataformas. “E todo o crescimento está fortemente concentrado no pré-sal”, diz Queiroz. Da produção nacional, pouco mais de 70% têm origem nas reservas petrolíferas em águas profundas e ultraprofundas (a camada do pré-sal, a cerca de 7 mil metros da superfície do mar).
Vedete do pré-sal
No quesito produtividade, por exemplo, uma das estrelas desse boom petrolífero é o Campo de Búzios, no pré-sal da Bacia de Santos. Trata-se do maior campo do mundo em águas profundas
No início de julho, Búzios acumulou a produção de 1 bilhão de barris de petróleo em cinco anos de atividade. Isso equivale a uma média diária de 550 mil barris por dia. Hoje, esse número diário está em torno de 700 mil. “Mas especialistas acreditam que pode chegar a 2 milhões de barris por dia nos próximos cinco anos”, diz Queiroz.
Para dar uma ideia do quão formidável é esse patamar de 2 milhões a cada 24 horas, basta dizer que a produção total do Brasil no ano passado foi de 3 milhões de barris por dia. Ou seja, em cinco anos, Búzios representará mais de 60% da atual extração nacional de petróleo. O campo tem hoje quatro plataformas em operação, mas terá 11. Quatro estão em processo de construção e os contratos para obras de outras três foram assinados pela Petrobras.
Peso econômico
E qual o impacto desse salto? Na avaliação do economista João Victor Marques Cardoso, pesquisador do Centro de Estudos de Energia da Fundação Getulio Vagas (FGV Energia), ele se espalha pelas áreas econômica, geopolítica e alcança a discussão sobre sustentabilidade.
O peso econômico do boom é inequívoco – e parrudo. O setor de óleo e gás representa 15% do Produto Interno Bruto da indústria no país, emprega cerca de 1,5 milhão de pessoas na cadeia de produção e desembolsou R$ 170 bilhões em tributos em 2021. Esses números, com a maior produção, vão inflar. Haja vista a previsão de investimentos. “Os novos aportes no setor devem somar US$ 180 bilhões até 2030”, diz Cardoso.
A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) calcula que a arrecadação com royalties e participações especiais – que têm como destino a União, além de estados e municípios nos quais há produção de petróleo – será de R$ 93 bilhões neste ano. Em 2026, o limite da projeção ANP, ela chegará a R$ 108,5 bilhões.
Geopolítica
Além disso, hoje, o Brasil é o nono maior produtor de petróleo do mundo. Até o fim desta década, deve ocupar a quinta posição nesse ranking. Para o pesquisador do FGV Energia, essa mudança de status tem um desdobramento geopolítico adicional.
“Atualmente, os principais polos de produção de óleo e gás do mundo estão cercados por um contexto muito complexo, como o Oriente Médio, a Rússia e alguns países africanos, que convivem com tensões sérias”, diz Cardoso, acrescentando que, não raro, esses problemas descambam para conflitos. “Já o Brasil terá um volume relevante de produção e será uma fonte mais confiável de fornecimento do produto sob esse ponto de vista.”
Sustentabilidade
Em relação à sustentabilidade, destaca Cardoso, há aspectos que também favorecem o país. Um deles é o fato de a intensidade de carbono resultante da produção de petróleo no Brasil ficar abaixo da média mundial. Em campos como os de Tupi e o já mencionado Búzios, os principais do país, ela é inferior a 10 quilos de CO2 por barril de petróleo equivalente. No Canadá, supera os 40 quilos.
Transição energética
Cardoso nota que parece contraditório falar em ampliar a exploração de petróleo em um mundo que precisa fazer a transição energética, na qual os hidrocarbonetos serão aposentados em benefício de fontes mais limpas de energia. Mas o pesquisador ressalta, contudo, que essa passagem não é tão simples assim – e muito menos tão imediata.
As projeções indicam que a demanda por petróleo vai cair, sim, mas isso pode levar décadas. A estimativa mais expansiva, feita pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), prevê que o pico do consumo do óleo – o pico e não o fim, note-se – ocorrerá nos anos 2040, com 109 milhões de barris diários. Hoje, o consumo está em cerca de 100 milhões a cada 24 horas.
2050 e além
Isso sob o ponto de vista dos produtores, que têm interesse evidente em manter o negócio em alta. Mas outras previsões feitas por órgãos como a Agência Internacional de Energia, com sede em Paris e ligada à OCDE, e por consultorias independentes não apontam horizontes muito mais próximos. Essas estimativas colocam o pico de consumo na década de 2030, mas com previsão de uma demanda ainda intensa até 2050.
Além do mais, destaca o pesquisador do FGV Energia, o petróleo não move apenas veículos poluentes, cuja substituição está em curso em todo o mundo. Ele é crucial para setores que ainda não têm alternativa de matéria-prima, como o têxtil e o farmacêutico (alguns analgésicos e homeopáticos contêm benzeno, por exemplo, um derivado do petróleo). É por isso que muitos pesquisadores acreditam que os hidrocarbonetos não vão se despedir da indústria tão cedo, mas terão um uso mais nobre no futuro.
Margem no centro do debate
O boom do petróleo, porém, tem limites (como mostram o gráfico acima) e embute desafios. Mesmo porque a produção cresce de forma robusta até 2029. Depois, cai. A questão é o que acontece quando ela começar a descer a ladeira. Desde já, a tendência, apontam especialistas e integrantes de empresas ouvidos pelo Metrópoles, é que aumentem as pressões pela busca de novas fronteiras exploratórias.
Com isso, devem fiquem mais acaloradas, para dizer o mínimo, as discussões entre ambientalistas e integrantes da indústria sobre a exploração de óleo e gás na Margem Equatorial, entre os estados do Amapá e do Rio Grande do Norte, área que abarca a foz do Amazonas.