Como a crise na gestora SouthRock ameaça futuro da Starbucks no Brasil
Com dívida de R$ 1,8 bilhão, SouthRock é operadora no país de marcas como Subway, Eataly e Starbucks, que rescindiu o contrato com a gestora
atualizado
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O pedido de recuperação judicial apresentado à Justiça de São Paulo pela gestora SouthRock Capital, operadora de marcas como Starbucks, Subway, Eataly e Brazil Airport Restaurants, é resultado de uma crise que se arrastava desde o início da pandemia de Covid-19, em meados de 2020, e se agravou nos anos seguintes.
Como noticiado mais cedo pelo Metrópoles, a SouthRock tem dívidas estimadas em R$ 1,8 bilhão, segundo documento protocolado junto à 1ª Vara de Falências da Justiça de São Paulo. De acordo com a companhia, a medida tem o objetivo de “proteger financeiramente suas operações no Brasil, atrelado a decisões estratégicas para ajustar seu modelo de negócio à atual realidade econômica”.
A recuperação judicial é um processo que permite às organizações renegociarem suas dívidas, evitando o encerramento das atividades, demissões ou falta de pagamento aos funcionários. Por meio desse instrumento, as empresas ficam desobrigadas de pagar aos credores por algum tempo, mas têm de apresentar um plano para acertar as contas e seguir em operação. Em linhas gerais, a recuperação judicial é uma tentativa de evitar a falência.
Em seu pedido de recuperação judicial, a SouthRock informa que sofreu um tombo de 95% nas vendas em 2020, 70% em 2021 e 30% em 2022. A gestora afirma que foi vítima de inadimplência de alguns de seus parceiros comerciais. Outras dificuldades mencionadas são o acesso ao crédito para capital de giro, além do aumento de preços dos insumos para o varejo – o que acabou prejudicando a capacidade de pagamento da companhia.
O negócio da SouthRock
A SouthRock foi fundada em 2015 e atua no segmento de alimentos e bebidas, tendo se especializado em redes de restaurantes de aeroportos no Brasil. Em 2018, a gestora fechou um acordo de licenciamento com a Starbucks e se tornou a operadora exclusiva dos restaurantes da marca no país.
No ano passado, a companhia assumiu a gestão das franquias do Subway, que ficou de fora do pedido de recuperação judicial. A empresa também atua com as marcas Eataly e TGI Fridays.
Em 2017, a Brazil Airport Restaurants, outra marca gerida pela SouthRock, inaugurou suas primeiras lojas em alguns dos aeroportos mais movimentados do país – hoje, são 25 pontos localizados em São Paulo, Rio, Brasília, Florianópolis e Belo Horizonte.
Empresa não resistiu à pandemia
Segundo especialistas em recuperação judicial ouvidos pela reportagem do Metrópoles, o fator determinante para a derrocada da SouthRock foi mesmo a pandemia.
“Esse caso se enquadra dentro da expectativa que já tínhamos, desde o ano passado, de que haveria muitas recuperações judiciais por causa da crise causada pela pandemia. O isolamento social levou muitas empresas a fecharem lojas. A SouthRock teve uma queda muito acentuada das vendas de lojas físicas em 2021, que se entendeu até 2022, justamente no auge da pandemia e das restrições de circulação, inclusive nos aeroportos. Eles não conseguiram recompor o fluxo de caixa desses últimos anos”, explica a advogada Camila Crespi, da Luchesi Advogados, especialista em reestruturação empresarial.
“Eles, de fato, precisam da recuperação judicial para tentar renegociar com os credores. Se não recorrerem a esse instituto agora, a dívida tende a se tornar impagável”, afirma.
Renato Scardoa, sócio de S.DS Scardoa e Del Sole Advogados, diz que o instrumento da recuperação judicial se adequa perfeitamente ao caso da SouthRock e pode, em tese, evitar a falência da empresaa. “Em regra, a recuperação judicial serve para socorrer empresas que sejam economicamente viáveis, ou seja, que têm apelo mercadológico, mas cuja capacidade financeira não consegue mais fazer frente aos compromissos com credores ou fornecedores”, observa.
“O caso da SouthRock parece ser bem peculiar. Era uma empresa com potencial, mas baseada em uma relação onerosa com a Starbucks que só se justificava com a franca expansão. Para expandir, precisou contrair crédito. A pandemia e o pós-pandemia mudaram um pouco o perfil de consumo, contraindo a operação, e a soma desses fatores levou ao colapso financeiro”, explica o advogado.
O futuro da Starbucks
Como o Metrópoles noticiou nesta manhã, a SouthRock perdeu o direito de operar a marca Starbucks no país. A rescisão do contrato foi sacramentada na sexta-feira (27/10). A gestora tenta reverter essa rescisão na Justiça.
No dia 13 de outubro, a Starbucks Coffee International encaminhou para a SouthRock e as empresas do grupo que operam a marca no Brasil um pedido de rescisão de contrato. A alegação foi a suposta inadimplência da operadora, que teria deixado de pagar algumas obrigações referentes à licença, como royalties.
À Justiça, a SouthRock afirmou que a operação da Starbucks é o seu maior ativo, com um faturamento de cerca de R$ 50 milhões por ano. Portanto, alega a empresa, trata-se de uma operação essencial para a companhia.
“Eu acredito que o juiz vá dar essa liminar para a SouthRock, suspendendo os efeitos da rescisão e instaurando uma mediação entre as partes. Afinal, a empresa explora a marca Starbucks no Brasil. A atividade empresarial deles é a exploração da marca. Se a Starbucks rescinde o contrato e eles não têm mais autorização para operar no Brasil, ela vai virar uma cafeteria comum. Não será mais a Starbucks, vai perder totalmente a configuração do negócio. Assim como o Eataly, que se tornaria um mercado comum”, afirma Camila Crespi.
“A marca explorada por eles é uma atividade essencial para a empresa. Se estão impedidos de operar a Starbucks, isso desconfigura totalmente a própria atividade empresarial da operadora”, conclui a advogada.
Renato Scardoa compartilha da mesma avaliação e entende que “o melhor caminho seria a manutenção do contrato de licença com a venda da SouthRock”. “Caso isso não ocorra, em tese, a Starbucks poderá licenciar a marca para outro player no mercado e a SouthRock deve ir à falência em razão da perda da sua razão de existir”, diz.
“A quebra da SouthRock pode gerar um efeito cascata perverso para franqueados, fornecedores, locadores e empregados”, completa Scardoa.
A americana Starbucks começou as operações no Brasil no fim de 2006, por meio de uma joint venture com investidores locais. Joint venture é um modelo de colaboração empresarial que consiste na união de duas ou mais empresas com o objetivo de executar um projeto.
Inicialmente, a empresa era controlada pela Cafés Sereia do Brasil, que detinha 51% do negócio. Em 2010, o grupo nos Estados Unidos anunciou a compra do restante da operação, ficando com 100% da Starbucks Brasil Comércio de Cafés. Atualmente, são 190 lojas espalhadas o país.
Em 2019, a Starbucks expandiu sua operação inicial, que estava focada em São Paulo e no Rio de Janeiro, e passou a também ter presença em Santa Catarina, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais.
Até a rescisão do contrato, a SouthRock respondia por todas as lojas como master licenciado, sem subfranquear as unidades. Questionada pela reportagem do Metrópoles sobre o número de lojas da Starbucks fechadas no país, a gestora não revelou números. A reportagem apurou que mais de 30 unidades fecharam as portas nos últimos meses, tanto em grandes cidades, como São Paulo e Rio, quanto em pequenos ou médios municípios.
Em nota encaminhada ao Metrópoles, a SouthRock diz que “segue operando a marca Starbucks no Brasil e comprometida em continuar trabalhando em estreita colaboração com seus parceiros comerciais para desenvolver as marcas do seu portfólio no Brasil”. “Alinhamentos sobre licenças fazem parte do processo de recuperação judicial e são realizados diretamente com esses parceiros”, afirma a empresa.