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Com lei de autonomia do BC, quem pode tirar Campos Neto do cargo?

Lei da Autonomia do Banco Central reduziu a interferência do Executivo sobre decisões monetárias; Campos Neto tem mandato até o fim de 2024

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Marcelo Camargo/Agência Brasil
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fala em comissão no Senado Federal durante sua sabatina. No detalhe ele ouve a pergunta de um senador, diante de microfone - Metrópoles
1 de 1 Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fala em comissão no Senado Federal durante sua sabatina. No detalhe ele ouve a pergunta de um senador, diante de microfone - Metrópoles - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Aprovada em 2021, a lei que deu autonomia ao Banco Central criou uma situação inédita: nunca antes na história do país um Presidente da República não teve poder de mudar o presidente do BC, caso assim desejasse.

Empossado há duas semanas, Luiz Inácio Lula da Silva deverá conviver com Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro (PL) à chefia da autoridade monetária, até o final de 2024. Isso, claro, se Campos Neto não pedir demissão e nem for exonerado.

Os mandatos “descasados” do chefe da autoridade monetária brasileira e do chefe do executivo tem um propósito: evitar que o governo de ocasião manipule a política monetária com objetivos populistas ou eleitoreiros.

“A nova Lei prevê que os mandatos dos presidentes e diretores do BC sejam intercalados com os do Presidente da República para blindar os objetivos da autoridade monetária, que são meramente técnicos, de uma influência política”, reforça Maysa Verzola, sócia do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.

Em episódios recentes da política brasileira, o Banco Central foi desviado de sua missão principal: a de manter a estabilidade de preços. Ou seja, manter a inflação sob controle.

Durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, a presidente pressionou publicamente o então presidente do BC, Alexandre Tombini, para reduzir a taxa Selic, embora a inflação desse claros sinais de que não estava sob controle.

O resultado foi uma trajetória de montanha-russa na taxa Selic. Na época, os juros caíram de 12,5% para 7,25% ao ano em um intervalo de pouco mais de 12 meses. Em seguida, a inflação disparou e o BC foi obrigado a elevar novamente a Selic para os 13% logo no início do segundo mandato de Dilma.

O caso da ex-presidente não é o único. A história brasileira é repleta de episódios em que um governante, insatisfeito com as consequências negativas dos juros elevados, decide pressionar – ou simplesmente “fritar” – o presidente do Banco Central, ao invés de fazer sua parte no combate das causas inflacionárias.

A partir de 2021, o governo terá pouco poder de barganha nessa relação. O presidente do Banco Central só poderá ser substituído em três ocasiões: se ele cometer algum ato ilícito, como o de improbidade administrativa, se for considerado inapto para cumprir com os objetivos do BC ou se renunciar.

“Mesmo nas duas primeiras hipóteses, para ele perder o cargo é necessário que o Conselho Monetário Nacional envie um parecer ao Presidente da República sugerindo a exoneração. Caso o parecer seja aceito, por fim, a exoneração só acontecerá se a maioria absoluta do Senado aprovar”, explica Victor Jorge, professor da FGV e sócio do escritório Jorge Advogados.

Troca de cartas

O assunto está à mesa. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem reservado, de forma sutil, parte de seus discursos para atacar a política de juros do BC de Campos Neto. Em uma das ocasiões, o chefe da Fazenda chamou o patamar atual da Selic de “situação completamente anômala”, e disse que a taxa de juros real do Brasil “é a maior do planeta”.

“Olha o paradoxo que nós estamos vivendo. É uma situação completamente anômala. (O Brasil tem) uma inflação comparativamente baixa e uma taxa de juros real fora de propósito para uma economia que já vem desacelerando”, criticou Haddad.

Em outra fala recente, Haddad sinalizou que o anúncio de um pacote de medidas para aumentar a arrecadação e, em menor parte, reduzir despesas seria um recado para o Banco Central.

Na visão do ministro, tais medidas, cuja execução e eficácia ainda serão testadas, seriam uma garantia do governo de que os problemas orçamentários serão resolvidos. Assim, o BC poderia dar uma trégua nos juros.

“Antigamente não existia independência do Banco Central, agora existe, precisamos entender isso. Do mesmo jeito que estamos fazendo uma leitura da carta do Banco Central, o Banco Central vai fazer uma leitura da nossa carta. Isso é uma carta para o Banco Central, vamos trocando cartas até o dia em que a gente celebra um entendimento maior”, disse Haddad.

O novo ministro da Fazenda fez uma referência indireta à carta enviada por Roberto Campos Neto, na semana anterior, ao governo para explicar o descumprimento da meta de inflação pelo segundo ano consecutivo.

No documento, que faz parte de um rito ordenado por lei, o presidente do BC elencou os fatores que levaram os índices de preços a fechar 2022 perto dos 6% e disse que o futuro dos juros dependerá da capacidade do governo de reequilibrar o orçamento federal.

“O Comitê (Comitê de Política Monetária do BC) avaliou que mudanças em políticas parafiscais ou a reversão de reformas estruturais que levem a uma alocação menos eficiente de recursos podem reduzir a potência da política monetária”, alerta a carta assinada pelo presidente do BC.

O que Campos Neto reforça na carta é a preocupação com o tamanho do desafio fiscal e com discursos proferidos por membros do governo Lula que defendem a reversão de reformas, como a da Previdência. Nesse aspecto, é possível dizer que o que o chefe do BC está dizendo a Haddad é: estou fazendo minha parte, cabe ao governo fazer a dele.

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