Com chinesas, venda de carros elétricos e híbridos dispara no Brasil
Em 5 anos, mercado cresceu 1.400%. Em 2023, avanço foi resultado da estratégia agressiva de preços e marketing das empresas GWM e BYD
atualizado
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A venda de carros elétricos e híbridos cresceu quase 1.400% nos últimos cinco anos no Brasil. O número impressiona, embora deva ser relativizado pelo fato de a base inicial do cálculo ser modesta (veja quadro abaixo). Ainda assim, os automóveis desse tipo já abocanham quase 5% das vendas do mercado brasileiro de veículos de passeio. Em setembro do ano passado, eles representavam apenas 2,4% do total.
Topo das vendas
É por isso, acrescenta Cassio Pagliarini, da Bright Consulting, também especializada na indústria automotiva, que a venda de veículos dessas chinesas vem crescendo de forma expressiva nos últimos meses. “Elas vieram com vontade para conquistar o mercado”, diz. “E os carros dessas marcas estão conquistando as primeiras posições em todas as categorias nas quais elas estão presentes.”
Dados da Bright Consulting mostram que, entre os 100% elétricos, o Dolphin, da BYD, cujas versões custam entre R$ 150 mil e 180 mil, ocupa o topo da lista dos mais vendidos no ano, embora ele tenha sido apresentado ao mercado em junho. No mês seguinte, a empresa importou 3 mil unidades do modelo. Ele se tornou, então, o elétrico mais comercializado no país. E as vendas nos dez primeiros dias de agosto foram 112% maiores do que as de julho.
No caso da GWM, o veículo Haval H6, que custa a partir de R$ 214 mil, também ocupa o alto da lista dos mais vendidos entre os híbridos plug-in (que usam dois motores, um convencional, a combustão, e outro elétrico). “Dentro do segmento de elétricos e híbridos, os preços dessas montadoras chinesas são tão competitivos que elas devem estar vendendo carros com um lucro muito pequeno, ou mesmo, sem lucro para conquistar o mercado”, diz Pagliarini.
O susto com os preços da BYD foi tamanho que ele provocou o que ficou conhecido no mercado como “efeito Dolphin”, quando o veículo começou a ser vendido pela empresa, em meados deste ano. Isso porque, para não ficar atrás da chinesa, outras montadoras tiveram de reduzir o valor de seus carros.
Apetite crescente
E tanto a GWM como a BYD vêm demonstrando apetite e estrutura crescentes para ampliar as vendas. Em 2021, a GWM, que é a maior montadora chinesa de capital 100% privado, anunciou um investimento de R$ 10 bilhões no Brasil num período de dez anos. O montante inclui os recursos que foram empregados, em agosto do mesmo ano, na compra de uma fábrica que pertencia à Mercedes-Benz, onde eram fabricados veículos de luxo da marca alemã, em Iracemápolis, no interior paulista.
A montadora diz que iniciará os testes na linha de montagem da indústria em maio de 2024. Além de manter a importação de carros, tanto o híbrido Havan H6 como o elétrico Ora 03, vendido por cerca de R$ 150 mil, a GWM afirma que produzirá no interior paulista dois outros modelos.
Um deles será uma picape média, do tipo S-10, da Chevrolet, ou Hilux, da Toyota, e o outro é um SUV (esses carrões que viraram moda no mercado). Ambos serão híbridos. A picape terá uma versão flex. Ou seja, com um motor elétrico e outro a combustão, compatível com gasolina ou álcool, que está sendo desenvolvido no Brasil.
Em parceria com o Mercado Livre, a GWM também inovou no canal de comercialização dos carros. Ela inaugurou em maio o serviço de delivery de veículos no Brasil. A empresa já vendeu 300 Haval H6 pela internet em 14 estados. A entrega mais distante foi de 711 quilômetros, entre a concessionária, em Salvador, e a casa do cliente, em Porto Seguro, na Bahia.
O “Elon Musk chinês”
A BYD chegou ao país em 2012. A atividade industrial começou em 2015. Ela mantém três fábricas no país. Duas ficam em Campinas, no interior de São Paulo. Numa delas, a companhia produz chassis de ônibus 100% elétricos e, na outra, módulos fotovoltaicos para captação de energia solar. A terceira unidade produz baterias e começou a operar em 2020, na Zona Franca de Manaus (AM).
A história da empresa, aliás, começou com a fabricação de baterias e ela está entre as três maiores desse setor no mundo. Seu fundador, Wang Chuanfu, é conhecido como o “Elon Musk chinês” (Musk, além do Twitter, é dono da Tesla, que fabrica veículos elétricos). Chuanfu, de 57 anos, um químico e ex-funcionário do governo chinês, tem uma fortuna estimada em US$ 19 bilhões e nasceu em uma família de agricultores de uma das províncias mais pobres da China. Ficou órfão na adolescência e foi criado pelos irmãos mais velhos.
Negócios na Bahia
No Brasil, a BYD concluiu a aquisição de uma antiga fábrica da Ford, em Camaçari, na Bahia, em setembro. O objetivo da empresa é investir R$ 3 bilhões na construção de um complexo industrial com três unidades. Elas vão produzir automóveis elétricos e híbridos, caminhões e ônibus elétricos, além de realizar o beneficiamento de lítio para uso em baterias.
Hoje, a BYD importa seis veículos elétricos (Tan, Han, D1, Yuan Plus, Dolphin e Seal) e um híbrido plug-in (Song Plus DM-i). O plano é produzir o Dolphin, Yuan Plus e o Song Plus na futura fábrica de Camaçari a partir do fim de 2024 ou no início de 2025.
Disputa generalizada
GWM e BYD não são as únicas montadoras que lutam para crescer no mercado nacional de elétricos e híbridos. Pagliarini, da Bright Consulting, observa que todas as marcas estão de olho nesse segmento. E os modelos incluem desde os “populares” Renault Kwid E-Tech, Jac E-JS1 e Caoa Chery iCar, que custam a partir de cerca de R$ 140 mil, a Mercedes e Porches, cujos preços estão na casa do R$ 1 milhão.
Em relação à perspectiva de mercado desses modelos, os especialistas consideram que os híbridos devem continuar crescendo em ritmo mais rápido nos próximos anos. Os elétricos, embora também avancem, ainda têm barreiras a serem superadas como preço e infraestrutura. “Um Renault Kwid convencional custa cerca de R$ 70 mil no Brasil”, diz Pagliarini, da Bright Consulting. “A versão elétrica sai por R$ 145 mil. Isso porque a bateria ainda é muito cara.”
Infraestrutura mirrada
Para Milad Kalume Neto, da Jato Brasil, os carros 100% elétricos ainda são mais recomendados para motoristas que circulam em grandes centros urbanos, onde estão concentrados os pontos de abastecimento desses modelos, chamados de eletropostos. “Longe das grandes cidades, eles ainda não são uma realidade para o Brasil”, diz. Isso porque, argumenta o especialista, a infraestrutura para abastecimento desses modelos ainda é muito acanhada.
Um estudo da Jato mostra que a oferta de eletropostos no Brasil está 15 vezes defasada em relação ao pior país europeu, que é a Estônia. A análise foi feita traçando uma relação entre o número de postos de abastecimento disponíveis e a área do país. Mesmo eliminando regiões brasileiras pouco habitadas, como Norte e Centro-Oeste, essa defasagem seria de 5,5 vezes.
O fato é que Brasil tem cerca de 3,8 mil eletropostos. Precisaria ter 23 milhões para se igualar à Holanda, o país da Europa mais bem-nutrido nesse quesito. Para emparelhar com a Estônia, o pior colocado entre os europeus, seria necessário ter 60 mil desses pontos de abastecimento.
Impostos decisivos
Para Kalume Neto, outro fator que vai ditar o ritmo de avanço dos elétricos e híbridos no Brasil é a tributação. Hoje, eles não pagam o imposto de importação. Para carros com motor a combustão, ele é de 35% sobre o valor do automóvel. “Se essa taxação permanecer como está, ou seja, se ficar no zero, teremos um crescimento exponencial dos eletrificados e eles deverão representar 15% do mercado em 2030”, diz o consultor. “Com uma tributação intermediária, esse número vai cair para 10% e, com impostos elevados, não deve sair dos 7,5% até o fim da década.” É simples assim.