Caso Larissa Manoela: como evitar briga na família com fortuna em jogo
Segundo especialistas, planejamento patrimonial, diálogo e transparência são fundamentais para impedir conflitos como o da atriz com os pais
atualizado
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A entrevista da atriz e cantora Larissa Manoela à TV Globo, exibida no domingo (13/8), na qual ela afirma jamais ter tido controle sobre o dinheiro que recebia, trouxe à tona um debate sobre quais medidas podem evitar conflitos familiares quando o que está em jogo é uma fortuna.
Segundo Larissa, hoje com 22 anos, a gestão do seu patrimônio sempre esteve a cargo dos pais, Gilberto e Silvana. Em uma das empresas das quais a atriz era sócia, a sua participação era ínfima, de apenas 2%, ante 98% dos pais (49% para Gilberto e 49% para Silvana).
Na entrevista à Globo, a atriz revelou, ainda, que decidiu abrir mão de tudo o que ganhou ao longo dos últimos 18 anos, deixando cerca de R$ 18 milhões para os pais, para dar o “conforto necessário” a eles. Gilberto e Silvana ainda não assinaram o distrato da sociedade na empresa com a filha e já foram notificados extrajudicialmente.
Planejamento patrimonial e governança
Segundo especialistas ouvidos pelo Metrópoles, é imprescindível que a família faça um bom planejamento financeiro com antecedência, além de manter um diálogo franco entre todos os integrantes, para que ninguém seja pego de surpresa mais adiante. Tudo o que parece não ter acontecido no caso de Larissa.
“Normalmente, trabalhamos com planejamento patrimonial e planejamento sucessório. Trata-se de um conjunto de ações e atos jurídicos para prevenir esse tipo de conflito familiar, seja durante a vida ou após a morte, no caso de uma herança”, diz Mario Luiz Delgado, sócio-fundador do escritório MLD Advogados e presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Uma holding familiar, por exemplo, é uma estrutura jurídica interessante, que tem como objetivo gerir os bens de uma família e separar o patrimônio pessoal do empresarial. Outras alternativas buscadas para impedir o litígio em questões financeiras envolvendo familiares são a elaboração de um testamento, a adesão a um plano de previdência privada ou mesmo um inventário em vida.
Também é possível recorrer aos chamados “family offices”, serviços privados de consultoria e gerenciamento de patrimônio para grupos de clientes com grandes fortunas. Em geral, essas assessorias oferecem serviços como planejamento financeiro de longo prazo, governança e consultoria em assuntos tributários. Os clientes são CEOs, empresários, empreendedores, fundadores de empresas, além de herdeiros.
“Os conflitos familiares normalmente estão ligados à falta de regras. Afinal, a família não é uma empresa. Raramente, famílias têm regras escritas e uma governança pré-estabelecida”, afirma Eduardo Setti, diretor comercial da Jera Capital, family office com investimentos no Brasil e no exterior, que atende cerca de 40 famílias com patrimônios acima R$ 20 milhões.
“A construção desse arcabouço de regras facilita muito porque, na hora de uma decisão espinhosa, são essas regras que ajudam as famílias a ter um norte e evitar conflitos. Os family offices bem estruturados podem ajudar as famílias na construção dessa governança e também servir como um fiel da balança para que decisões ou orientações não sejam personalizadas. Muitas vezes, é melhor ter um terceiro elemento, de fora, apresentando uma ideia, em vez de um membro da própria família, que está diretamente interessado e envolvido na situação.”
Caso Larissa é “atípico”
Dinovan Dumas, sócio do escritório MFBD Advogados, afirma que as holdings familiares são entidades constituídas “como quaisquer outras empresas”. “Não há grandes diferenças estruturais. Geralmente, em casos como esse da Larissa, coloca-se um percentual maior do capital social para os filhos e uma menor parte para os pais, na condição de administradores e usufrutuários desse patrimônio”, diz o advogado.
“O que chama atenção nesse caso específico da atriz é o fato de que a efetiva produtora da riqueza e do patrimônio detinha só 2% do capital social. Normalmente, o que acontece é o contrário. Quem produz a riqueza tem uma participação maior no capital social e os usufrutuários têm um percentual menor, quando têm”, diz.
Mario Luiz Delgado, do MLD Advogados, também entende que o caso de Larissa Manoela revelou uma “situação atípica”, que “não era a mais apropriada”. “Quando se tem um menor de idade com patrimônio e se quer alocar esses recursos em uma pessoa jurídica, normalmente o que se faz é deixar as cotas dessa sociedade sob a titularidade do menor. Os pais ficam com a administração e o usufruto. Atingida a maioridade, esse jovem já pode assumir a gestão da sociedade”, explica.
Até os 15 anos de idade, crianças e adolescentes são considerados legalmente incapazes – ficam representados, portanto, pelos pais. A partir dos 16 anos, já podem assinar contratos, mas ainda necessitam da assistência parental. Com a maioridade, aos 18 anos, se tornam totalmente responsáveis pelos seus atos.
A empresa na qual Larissa possuía apenas 2% de participação foi criada em 2014, quando ela contava 13 anos. “Quando você tem um menor de 16 anos, ele não assina nada. Os pais são representantes legais, eles assinam pelo menor. Se essa sociedade foi constituída quando ela tinha menos de 16 anos, ela, na prática, não assinou nada”, afirma Delgado. “Se a empresa estivesse no nome dela, com administração e usufruto pelos pais, ela assumiria a partir do momento em que atingisse a maioridade. E não foi o que aconteceu.”
“A partir da maioridade, esse jogo se inverte. São os filhos, por atingirem a maioridade civil, que tomam as rédeas do negócio e atuam da forma como bem entenderem”, complementa Dinovan Dumas. “O ideal é que essas questões sejam tratadas em comum acordo por aquele que, efetivamente, produz a riqueza a partir do seu trabalho e os que são responsáveis pela administração desse patrimônio.”
Para Mario Luiz Delgado, Larissa tem elementos para questionar a divisão societária da empresa na Justiça. “Acho que ela tem argumentos para tentar desconstituir essa divisão, que não foi justa. Como a empresa só existia para receber o fruto do trabalho da Larissa, não faz sentido que ela não seja dona dessa empresa”, conclui.
Por meio de seus advogados, os pais de Larissa Manoela afirmam que a atriz “falta com a verdade” ao dizer que não tinha conhecimento de seu percentual de participação na empresa. A defesa de Gilberto e Silvana alega que Larissa se recusa a conversar com a mãe, não responde a mensagens do pai e teria optado pela “ingratidão” e “discórdia familiar”. Mesmo assim, diz o casal, ela segue sendo “amada incondicionalmente”.