Caso Enron: relembre uma das maiores fraudes corporativas da história
Em 2000, pouco antes da eclosão do escândalo que a levou à falência, faturamento da companhia americana Enron superou os US$ 100 bilhões
atualizado
Compartilhar notícia
A derrocada da Americanas, que teve aprovado pela Justiça, nesta quinta-feira (19/1), um pedido de recuperação judicial, afundada em dívidas de R$ 43 bilhões com mais de 16 mil credores, trouxe à baila a memória de um escândalo financeiro marcante envolvendo outra grande companhia, mas nos Estados Unidos.
O caso Enron, como ficou conhecido, entrou para a história como uma das maiores fraudes corporativas de todos os tempos. Nos últimos dias, à medida que eram conhecidos os detalhes sobre a descoberta de um rombo bilionário na Americanas, que será investigado pelas autoridades, a fraude envolvendo a Enron voltou à tona.
A Enron Corporation era uma companhia de energia americana sediada em Houston, no Texas. A empresa tinha cerca de 21 mil funcionários e foi uma das líderes mundiais em distribuição de energia e do setor de comunicações. Em 2000, pouco antes da eclosão do escândalo que a levou à falência, seu faturamento superou os US$ 100 bilhões.
A empresa foi fundada em 1985, a partir da fusão entre a Houston Natural Gas Company e a InterNorth Incorporated. Com a desregulamentação do gás natural nos EUA nos anos 1990, o setor enfrentou mudanças relacionadas à comercialização. Foram implementados novos sistemas de mercado para a contratação e o fornecimento de gás.
No início dos anos 1990, a Enron contratou Jeffrey Skilling para comandar as operações financeiras da empresa. Em 1992, a SEC (equivalente, nos EUA, à Comissão de Valores Mobiliários) autorizou a companhia a utilizar a chamada contabilidade com marcação a mercado.
Por meio desse método contábil, que é legal, os ativos podem ser reajustados de forma recorrente, com base nas flutuações de mercado. Com esse modelo, todo o valor estimado de um contrato de venda pode ser reconhecido como receita no dia em que o negócio for finalizado.
O problema é que a Enron desvirtuou esse instrumento para praticar fraudes. Por meio da marcação a mercado, a empresa passou a incluir em seu balanço valores futuros que ela receberia apenas em alguns anos ou décadas. A Enron manipulou as informações sobre sua rentabilidade e sua lucratividade, ludibriando investidores e acionistas.
Outra prática irregular da companhia envolveu as Special Purpose Entities (Sociedade de Propósito Específico), espécies de subsidiárias. Por meio das SPEs, a Enron captava empréstimos de bancos e fazia enormes dívidas, sem que elas aparecessem em seus balanços financeiros.
A Enron, na prática, recorria a esses malabarismos contábeis para esconder suas dívidas, que eram absorvidas pelas subsidiárias. As fraudes só seriam descobertas em 2001, em meio a uma grave crise no mercado de ações, o que levou a um escrutínio mais cuidadoso dos dados da companhia.
Na época, a revista Fortune publicou um artigo que jogava luz sobre os preços exorbitantes da Enron e lançava dúvidas a respeito da saúde financeira da empresa. Os analistas passaram a rebaixar sucessivamente a classificação das ações da Enron, que derreteram por 52 semanas consecutivas, até chegar a US$ 0,26. Era o fim.
O colapso da Enron causou enorme turbulência no mercado financeiro e quase paralisou o setor de energia nos Estados Unidos. Muitas agências de classificação de crédito, bancos de investimento e a própria SEC foram acusados de negligência.
A falência da Enron causou um verdadeiro terremoto no mercado. Mais de 21 mil pessoas perderam seus empregos, enquanto acionistas tiveram perdas de cerca de US$ 25 bilhões.
Com uma dívida acumulada de US$ 13 bilhões, a Enron foi alvo de uma enxurrada de denúncias e processos relacionados a fraudes contábeis e fiscais. Ao pedir concordata, em dezembro de 2001, o grupo arrastou também a Arthur Andersen, empresa que fazia as auditorias. Executivos da Enron e da Andersen foram investigados criminalmente.
Em 2004, o dono da companhia, Kenneth Lay, e o gerente de operações financeiras, Jeff Skilling, foram indiciados pelas fraudes. Em 2006, ambos foram considerados culpados pelo júri de um tribunal federal do Texas.
Skilling, que poderia pegar até 185 anos de prisão, foi condenado a 24 anos – com bom comportamento, cumpriu 12 anos em regime fechado e hoje está em liberdade. Lay, que poderia ficar até 45 anos na cadeia, morreu meses antes da sentença, por problemas cardíacos.
Em 2002, na esteira do escândalo que liquidou a Enron, o Congresso americano aprovou o Sarbanes-Oxley Act (SOX), alterando o Código de Ética do Conselho de Normas de Contabilidade Financeira. A nova legislação estipulou medidas de maior transparência para os acionistas de empresas, além da responsabilização criminal dos administradores em casos de fraudes financeiras, independentemente de seu país de origem.