Cannabis: quanto movimenta a indústria da maconha no Brasil e no mundo
Impulsionado por uso medicinal, mercado da maconha está em crescimento no país. Para especialistas, falta de regulamentação é maior desafio
atualizado
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Para além das discussões sobre a descriminalização do porte de maconha para consumo próprio, em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), ou mesmo a legalização da cannabis no Brasil, que hoje ainda parece uma realidade distante, vem crescendo, nos últimos anos, uma indústria voltada, sobretudo, ao uso medicinal da planta, possibilitando tratamento para uma série de doenças e fomentando um mercado cada vez mais promissor.
De acordo com um estudo da consultoria Kaya Mind, especializada no mercado canábico brasileiro, apenas o segmento de medicamentos movimentou R$ 130 milhões em 2021, uma alta de 124% em relação ao ano anterior. O levantamento projeta a criação de até 328 mil empregos formais e informais no país em quatro anos, caso seja aprovada uma regulamentação que inclua o uso medicinal, industrial e recreativo da maconha. Nesse período, o setor poderia gerar cerca de R$ 26 bilhões.
Atualmente, o Brasil conta com pouco mais de 80 empresas dedicadas exclusivamente ao mercado da maconha, a maioria de pequeno porte. Há cerca de 1,9 mil produtos relacionados à cannabis que estão à disposição dos consumidores.
Na última década, entre 2011 e 2020, os investimentos de venture capital – ou capital de risco – somaram US$ 1,2 bilhão na indústria da cannabis em todo o mundo. Em geral, são investimentos feitos em empresas em estágio inicial, de pequeno ou médio porte, que precisam se financiar.
Segundo um estudo da Prohibition Partners, apenas o mercado da maconha medicinal deve alcançar US$ 62,7 bilhões até 2024. Já a indústria global da cannabis, de acordo com Fortune Business Insights, movimentará US$ 197 bilhões até 2028 – a projeção considera todos os negócios envolvendo a maconha legal, do uso recreativo ao industrial.
A indústria da maconha no Brasil
No Brasil, o uso medicinal da cannabis vem se intensificando, mas é necessário recorrer à importação – seja de forma individual ou por meio de empresas especializadas – porque o cultivo é proibido no país. Em 2015, uma resolução colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a RDC 17/2015, liberou a importação de medicamentos à base de canabidiol em caráter excepcional, a partir de prescrição médica.
Segundo dados da agência, já foram emitidas mais de 235 mil autorizações para importação de produtos medicinais derivados da cannabis desde então. No primeiro semestre de 2023, foram mais de 80 mil. Entre as doenças que vêm sendo tratadas com cannabis, estão Alzheimer, Parkinson, depressão, autismo e epilepsia. Hoje, há cerca de 30 produtos disponíveis nas farmácias do país, ainda a preços pouco convidativos, que vão de R$ 350 a R$ 2 mil.
“Até pouco tempo atrás, essa indústria era totalmente proibida no Brasil. A indústria da cannabis, como indústria de saúde, não existia antes, era um tema quase proibido. À medida que os médicos se sentem mais confiantes para prescrever e o assunto vai sendo desmistificado, o cenário vai mudando”, afirma José Bacellar, CEO e fundador da Verdemed.
“Estamos começando. As vendas em farmácias são de R$ 100 milhões. As vendas do setor público geram mais R$ 100 milhões. São US$ 40 milhões ou US$ 50 milhões de negócio”, explica. “Ainda é um número muito pequeno de pessoas que estão sendo atendidas, pelo setor público ou privado. Acredito que, nos próximos três ou cinco anos, teremos um crescimento muito acelerado da demanda por causa da queda de preço, graças à competição entre as empresas.”
Na cadeia industrial da maconha, o agronegócio também pode exercer um papel importante. Luiz Borsato, diretor de marketing e operações da Milgrows, vê um “mercado potencial de quase R$ 10 milhões” no comércio de sementes de cannabis, apenas considerando o autocultivo. “Muito se fala sobre a cannabis medicinal, mas temos de lembrar que é necessário produzir o princípio ativo. E o princípio ativo é oriundo de uma atividade agrícola, da qual o Brasil é um dos grandes representantes no mundo”, prossegue Borsato. “Nosso país é gigante em todas as frentes agrícolas. Não será diferente com a cannabis.”
Parceira de alguns dos principais bancos de sementes do mundo, a Milgrows é um marketplace que disponibiliza, por meio de uma plataforma on-line, genéticas de cannabis para pacientes legalmente autorizados no Brasil, facilitando o acesso a tratamentos. Atualmente, cerca de 1,5 mil pessoas possuem habeas corpus preventivos que permitem o cultivo e o consumo de maconha para fins medicinais e terapêuticos.
“Além de empresário do setor, eu sou um paciente médico autorizado. Tenho salvo-conduto. Sou uma das poucas pessoas no Brasil que têm o direito do cultivo. Com isso, eu ajudo no meu tratamento de hérnia de disco. Nem os opioides seguram a dor”, relata Borsato. “A cannabis não cura, mas ela traz uma regulagem do sistema. Traz uma qualidade de vida para quem usa.”
Em 2022, segundo estimativas da Kaya Mind, o mercado da maconha pode ter movimentado R$ 362,9 milhões. A expectativa é fechar este ano em R$ 655,1 milhões (alta de 80,5%). Para 2024, a indústria brasileira da cannabis poderia ser quase bilionária, chegando a R$ 917,2 milhões (um crescimento anual de 40%).
Regulamentação e debate no STF
De acordo com os especialistas ouvidos pelo Metrópoles, a regulamentação do mercado da cannabis no Brasil é um passo fundamental para que a indústria tenha maior segurança jurídica, o que geraria investimentos ainda maiores.
“As decisões do Poder Judiciário são muito positivas. Esses avanços vão, pouco a pouco, criando um ambiente regulatório no qual o Legislativo e o Executivo se verão emparedados”, avalia José Bacellar, da Verdemed. “Como aconteceu nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa, em algum momento o Estado vai avançar nesse tema. A guerra contra as drogas foi perdida. Não dá para ficar como está, sem regulamentação nenhuma.”
Segundo Bacellar, a indústria da maconha no Brasil está praticamente restrita ao setor farmacêutico, mas poderia se expandir para outros segmentos se o mercado fosse regulado. “Enquanto não houver uma regulamentação que autorize alguma empresa a atuar nesse setor, essa situação não vai mudar. Empresário não quer ser traficante, quer ser empresário. Ninguém vai fazer nada fora da lei. Ninguém vai montar um negócio com base em liminar da Justiça”, afirma.
No fim de agosto, um julgamento no STF que tratava da criminalização do porte de maconha para consumo próprio foi interrompido após um pedido de vista do ministro André Mendonça. A Corte já tem cinco votos contra a criminalização do porte para uso pessoal (apenas um favorável). Além disso, o Supremo formou maioria para diferenciar o usuário do traficante, com base na quantidade de droga encontrada. Falta definir qual será a quantidade-limite. Até que o julgamento seja concluído, segue valendo a regra atual, segundo a qual o porte de qualquer quantidade de maconha, ainda que para uso pessoal, é crime.
Segundo a Kaya Mind, o Brasil teria o potencial de arrecadar R$ 9,5 bilhões com uma indústria da maconha plenamente regulada. Somente com impostos, o país poderia recolher entre R$ 2,8 bilhões e R$ 3,1 bilhões. O uso recreativo legalizado movimentaria cerca de R$ 11 bilhões. Somadas as produções industriais do cânhamo (planta pertencente à família da cannabis) e da cannabis medicinal, além do uso recreativo, os valores poderiam superar R$ 35 bilhões quatro anos depois da regulamentação de cada uma dessas indústrias.
“Legalização da maconha não é uma discussão para os empresários. Não é nosso papel defender uma coisa ou outra. A sociedade brasileira precisa chegar lá. As decisões do Judiciário ajudam nesse sentido”, diz José Bacellar. “É importante lembrarmos sempre que maconha é entorpecente. Só quem nunca fumou maconha não sabe disso. Não adianta esconder. Discutir a legalização da maconha é mexer com a Lei de Drogas e com convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. Não é algo simples. Queremos liberar a maconha? Tem que ter uma lei do Congresso.”
Luiz Borsato, por sua vez, acredita que a regulação é inevitável no Brasil. “Nós acompanhamos essas discussões com muita expectativa. A pergunta não é mais se vai regular, mas quando isso vai acontecer. Pode ser amanhã, depois de amanhã ou no ano que vem, mas é uma via já bem pavimentada”, diz. “Nossa expectativa, dentro da cadeia da cannabis, é desenvolver um mercado expressivo. Temos muitas possibilidades de negócio.”