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Brasil já precisa de uma nova reforma da Previdência, diz Giambiagi

Para economista, a regra de reajuste do salário mínimo em vigor neste ano antecipou necessidade de mudanças da lei aprovada em 2019

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1 de 1 iamgem colorida economista fabio giambiagi fgv ibre - Foto: Divulgação

A reforma da Previdência foi aprovada há menos de cinco anos, em novembro de 2019. Isso depois de meses de debates no Congresso e décadas de discussões na sociedade. O problema é que, embora ainda fresquinhas, o prazo de validade das mudanças venceu. 

Ao menos essa é a opinião do economista Fábio Giambiagi, um dos maiores especialistas do Brasil sobre o tema, que lançou recentemente o livro “A Reforma Inacabada – O Futuro da Previdência Social no Brasil” (Alta Books), em parceria com o economista Paulo Tafner. 

Giambiagi, que é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), não desmerece as alterações feitas há quase cinco anos. Mesmo assim, observa que “todos sabiam” que elas não eram definitivas e novas modificações teriam de ser feitas no sistema até 2030.

Ocorre que, na visão do pesquisador, a necessidade de uma nova reforma foi antecipada com a aprovação no ano passado da nova regra de reajuste do salário mínimo. Com isso, diz economista, as despesas previdenciárias tendem a explodir no curto prazo, limitando ainda mais a capacidade de investimento do Estado. Como desativar essa nova bomba? É o que Giambiagi explica, a seguir, em entrevista ao Metrópoles

O senhor diz que alguns pontos que ficaram fora da reforma de 2019, cedo ou tarde, teriam de ser revistos. Por quê?

É preciso deixar claro que não estou fazendo uma crítica à reforma de 2019. Desde quando comecei a abordar o assunto [ele publicou o primeiro artigo sobre o tema em 1992], sempre defendi um conjunto de oito a 12 mudanças na Previdência. Mas, se fosse presidente da República, e dadas todas as dificuldades de lidar com a questão, teria de escolher três ou quatro questões fundamentais. Ou seja, é preciso apostar naquilo que é mais importante. Dito isso, no processo de negociação, ficaram de fora da reforma temas importantes, mas política e socialmente mais controversos.

Quais são esses temas?  

São basicamente cinco. O primeiro deles é o parâmetro para os homens que se aposentam por idade, que é de 65 anos, e isso naturalmente não foi mexido. 

E a mera menção a esse ponto já é bastante polêmica.

Objetivamente, a tendência do cidadão comum quando esse assunto ressurge, é dizer “vão mexer outra vez como os velhinhos”. Mas o fato é que a aposentadoria por idade aos 65 anos não foi afetada por nenhuma reforma das que ocorreram até agora.

Desde quando essa regra vale?

A idade é a mesma desde 1988, embora a expectativa de vida de quem chega aos 65 anos tenha aumentado quatro anos de lá para cá. Mas reafirmo que fizemos uma reforma importante, porque as nossas regras até então eram absurdas. Mas, se nessa época tivéssemos regras parecidas com o resto do mundo, a reforma de 2019 não teria existido e estaríamos tratando de temas que outros países tratam ou já trataram. Ou seja, estaríamos discutindo como esticar e ir além dos 65 anos.

E o que seria razoável nesse caso?

Imagino que seria razoável passar, tão rápido quanto seja politicamente viável, para 66 anos e acenar para algum tempo depois – talvez, entre cinco e dez anos –, para 67 anos. Isso, repito, para quem se aposenta por idade. Para quem se aposenta por tempo de contribuição, vale a reforma de 2019. 

Qual o segundo ponto que teria de ser alterado?

É o tempo de contribuição de quem se aposenta por idade. Ele é de 15 anos. Muito curto. Se o correto deveriam ser 20 ou 25 anos, isso é matéria controversa. Mas 15 anos é pouco. Isso também teria de ser aumentado gradualmente. Claro que não se pode dizer para uma pessoa que tem 14 anos e 11 meses de contribuição, a um mês de se aposentar, que as regras vão mudar e ela vai ter de trabalhar mais tempo. Mas podemos, por exemplo, fazer uma transição de 10 anos, passando ao final desse período de 15 anos para 20 anos de contribuição.

Qual é o terceiro ponto?

Ele foi alterado em 2019, mas é necessário ir além. Trata-se da questão do diferencial de gênero (o momento da aposentadoria para homens e mulheres). Ele foi reduzido de cinco para três anos (65 para homens e 62 para mulheres), mas continua pouco consistente em relação às tendências demográficas. Acho muito difícil chegar a uma equalização plena, mas é possível continuar reduzindo essa diferença para um ano ou coisa assim.

Esse é outro ponto delicado, uma vez que a regra está associada à dupla jornada de trabalho das mulheres, no emprego e em casa.

É óbvio que a sociedade ainda não resolveu a contento a questão da participação feminina no mercado de trabalho. Não resta dúvida que, no passado, a mulher arcava com ônus maior, com a dupla jornada. Assim, assumindo que haja uma dívida a pagar – e é razoável que haja –, por que essa dívida tem de ser paga quando a mãe já é avó? 

Ou seja, por que ela tem de ser paga quando a mulher se aposenta? 

Sim. A ideia, aqui, é compensar o ônus da maternidade quando ele é devido. E não 30 anos depois. Em segundo lugar, por que isso vai ser feito com todas as mulheres, independentemente de terem sido mães ou não? Alguém poderia dizer, mas as mulheres que não tem filhos também cumprem uma dupla jornada de trabalho. Mas isso é um problema particular. Se o cara, o marido, não ajuda em casa, o Estado não tem nada a ver com isso.

Como resolver o problema?

A gente propõe que essa compensação seja feita no salário maternidade. Ela vai estar associada ao que se quer compensar e no momento oportuno. E não vai atingir todo mundo e posteriormente. Nesse caso, o salário maternidade poderia ter um valor maior ou se estender por mais tempo. 

Qual o quarto ponto da reforma de 2019 que teria de ser revisto?

É a regra para aposentadorias rurais. E todo mundo sabe que, no campo político, esse é um tema dificílimo, porque encontra grande resistência principalmente nas bancadas de parlamentares do Norte e Nordeste. Isso é compreensível, mas, em algum momento, terá de ser alterado. A pessoa se aposentar com 55 anos como ocorre com as mulheres no meio rural é simplesmente absurdo. Não faz sentido no mundo de hoje. 

Há ainda um quinto ponto.

O quinto aspecto é a distinção entre a regra para o benefício assistencial e o benefício previdenciário. Hoje, para quem ganha um salário mínimo, não tem diferença. Contribuindo ou não para o sistema, na mesma idade, a pessoa vai receber o mesmo valor, que é de um salário mínimo. Aí entra a pergunta: se o valor é o mesmo para quem contribui ou não, para que contribuir? O benefício assistencial é justíssimo, mas não faz sentido que seja concedido na mesma idade de quem contribuiu com o sistema durante 15 ou 20 anos. É outra questão difícil, mas terá de ser encarada em algum momento.

O senhor defende que é preciso antecipar a discussão sobre pontos como esses. Por quê?

A reforma de 2019 não diminuiu a despesa previdenciária. Todo mundo sabia que esses gastos continuariam aumentando por razões demográficas. O que ela fez foi reduzir a velocidade desse aumento. Na prática, o ritmo passou a ser menor do que seria na ausência da reforma.

E qual o efeito da nova regra de reajuste do salário mínimo nessa dinâmica?

Imagine a projeção de algo que vai aumentando gradualmente. Esse era o quadro que tínhamos até agora. A nova regra do salário mínimo, aprovada no ano passado, jogou essa curva para cima. Em vez dessa linha ter uma inclinação “x”, ela passou a ser muito maior.

Qual a consequência desse novo ritmo de gastos? 

Uma delas é agravar o achatamento das despesas discricionárias (as que não são obrigatórias e, por isso, o governo pode decidir onde alocá-las) por causa do crescimento dos gastos previdenciários. 

Qual é o peso das despesas previdenciárias atualmente?

A projeção oficial de gastos para este é de R$ 2,2 trilhões. Desse valor, a despesa da Previdência é de R$ 918 bilhões e todo mundo considera que esse número está subestimado. Ele vai ser maior. Vai ficar entre R$ 925 bilhões e R$ 930 bilhões.

O senhor cita como agravante desse quadro de despesas crescentes a questão demográfica. 

Nesse caso, os números são os seguintes: em 2024, existem 43,7 milhões de brasileiros com idade entre zero e 14 anos. Em 2050, eles serão 35,9 milhões. Em contrapartida, a população com 60 anos ou mais soma 24,8 milhões em 2024 e, em 2050, alcançará 66 milhões. 

O Brasil terá menos jovens para arcar com o financiamento do sistema. É isso?

Sim. E note que, em 2024, as despesas previdenciárias representam 8,2% do PIB. Se nada for feito, elas vão chegar a 9,7% em 2050. Com uma nova reforma, podem ficar em 8,5% também em 2050. É uma diferença muito grande.

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