Bom momento do agro esconde fragilidades do PIB, diz economista
Apesar de PIB forte no 1º trimestre, condições da economia seguem “desafiadoras”, diz Juliana Trece, do Ibre/FGV
atualizado
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O crescimento de 1,9% da economia brasileira no primeiro trimestre foi bom, mas mascara problemas. Sem a supersafra colhida pelo Brasil, os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) estariam muito piores neste começo de ano, afirma Juliana Trece, economista do Monitor do PIB (Ibre/FGV).
Dentre as boas notícias, Trece avalia que a maior surpresa do trimestre não foi o agro, mas a “resiliência” do setor de serviços. É dessa frente, porém, que surgem as preocupações, uma vez que o consumo tem se concentrado em bens mais baratos. “Esse bom momento do agro está escondendo um pouco de nossas fragilidades: juros elevados, famílias endividadas. São condições desafiadoras ainda”, diz.
A economista destaca que a queda no investimento em capital produtivo (que despencou mais de 3%) é um alerta para o futuro. “Se olharmos em termos de capacidade produtiva, estamos deixando a desejar”, diz.
Veja os principais trechos da entrevista.
O Monitor do PIB estava com projeção de 1,6%, uma das mais otimistas no mercado e que terminou sendo mais próxima do resultado. Por que esse crescimento foi tão acima do esperado?
Todos já sabiam que quem ditaria o ritmo seria o agro, mas a magnitude realmente surpreendeu. O que está puxando muito é a soja. Esse super resultado não deve ser observado novamente ao longo do ano, porque a maior parte da colheita já aconteceu no primeiro trimestre. Mas esse ainda é o ano do agro: milho, mandioca, fumo e outros produtos também vão colaborar. Está cedo para falar, mas é esperado crescimento no segundo trimestre novamente, e o resultado no ano como um todo deve ficar por volta de 1,5%, talvez chegar até a 2%.
Esse bom momento do agro está escondendo um pouco das nossas fragilidades: juros elevados, famílias endividadas. São condições desafiadoras ainda. O desempenho expressivo do agro é muito uma questão pontual, de safra recorde. Indústria e serviços, por sua vez, acabam tendo impacto maior dos juros elevados.
O setor de serviços vinha tendo resultados positivos em 2022 com a reabertura pós-pandemia. Esse momento acabou? Ou a alta de 0,6% no trimestre pode ser vista ainda como significativa?
Serviços ainda está resiliente. Talvez isso seja até a maior surpresa, porque o agro já se esperava. O setor de serviços cresceu mesmo tendo uma base de comparação forte.
Dito isso, é difícil pensar em um aquecimento ou aceleração dos serviços, por conta de todas essas questões. Mesmo com incentivos do governo, sabemos que o espaço está muito pequeno para a retomada. Vale notar que em serviços houve principalmente um crescimento no transporte e atividades financeiras, muito a ver também com a influência do agronegócio.
É inevitável considerar que os juros elevados têm tido seu reflexo na atividade econômica. É difícil dizer quando isso vai começar a mudar. Não está aparecendo, evidentemente, porque a agropecuária está compensando tudo isso.
Se não tivesse esse fôlego na safra, as condições seriam muito mais preocupantes. O crescimento é muito bom, mas esconde um pouco os problemas.
Nesta semana, tivemos também a divulgação de dados de desemprego, que segue abaixo de 9% mesmo com a atividade fraca em vários setores. Pelo lado da demanda, isso pode ajudar nas projeções para o resto do ano?
Esse é um ponto importante, e a situação da inflação controlada colabora, principalmente no consumo de alimentos. Ainda assim, os dados melhores são principalmente no consumo desses produtos que são essenciais e mais baratos, que não dependem da taxa de juros. Se pensarmos em consumos mais caros e que precisam de crédito, como automóveis, vemos ainda uma barreira, que acaba comprometendo vários setores.
Outra questão importante é que, apesar de um crescimento super expressivo, vemos uma redução forte em investimentos, de mais de 3%. Ou seja, se olharmos em termos de capacidade produtiva, estamos deixando a desejar.