Bolsa mostra resiliência em ano volátil e foca política fiscal em 2023
Inflação global, guerra na Ucrânia e eleição no Brasil afetaram o mercado financeiro; política fiscal, EUA e China seguem no radar para 2023
atualizado
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Principal indicador do desempenho das ações cotadas na Bolsa de Valores brasileira (B3), o Ibovespa teve um ano desafiador, marcado por enorme volatilidade e fatores internos e externos que influenciaram diretamente o mercado financeiro – como as eleições presidenciais no Brasil e a guerra entre Rússia e Ucrânia.
Segundo analistas ouvidos pela reportagem pela Metrópoles, o índice terminou o ano abaixo das expectativas, mas demonstrou resiliência em um cenário muitas vezes adverso, se descolando do mercado global e se consolidando como uma alternativa para os investidores, diante de um cenário macroeconômico delicado.
A Bolsa brasileira chegou a receber a alcunha de “TINA” (sigla em inglês para “There Is No Alternative” ou “não há outra alternativa”) dos mercados emergentes. O país se tornou um dos destinos preferenciais de investidores estrangeiros que buscavam ativos baratos que os protegessem da inflação, mais perene do que se esperava inicialmente.
Com o resultado do último pregão do ano, na quinta-feira (30/12), o Ibovespa fechou 2022 registrando uma alta acumulada de 4,68%, no patamar dos 109 mil pontos, mas abaixo tanto do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 5,9% até novembro, quanto da poupança (7,9%).
Em dezembro, o índice fechou em queda de 2,44%, o segundo recuo mensal consecutivo. Na mínima do ano, em julho, o Ibovespa baixou para os 95 mil pontos. Na máxima, em abril, chegou a ultrapassar os 121 mil pontos.
“O Ibovespa teve uma volatilidade acima da média neste ano. Entre a máxima e a mínima do ano, vimos uma queda de 20%. Depois tivemos uma queda bem forte entre 21 de outubro, um pouco antes do segundo turno das eleições, até meados de dezembro. No primeiro semestre, principalmente, o balanço parecia ser bem positivo. No começo do quarto trimestre, parecia que seria um ano negativo. Ao final, pode-se dizer que ficou no zero a zero em relação às projeções”, afirma Jader Lazarini, analista CNPI do TradeMap.
Para Hugo Queiroz, estrategista-chefe e diretor do TC, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, que deve ser de 3% em 2022, virá acima das estimativas do início do ano, mas isso não foi o bastante para impulsionar o mercado, ainda muito temeroso em relação à política fiscal.
“Efetivamente, em termos de crescimento, veio melhor do que o esperado, mas não foi suficiente para afastar o risco, que foi muito alto, puxado pela inflação e pela política monetária mais contracionista do Banco Central. O mercado colocou muito mais peso nesse efeito risco do que propriamente no crescimento”, analisa Queiroz.
“Para o investidor de renda variável, o ano foi de performance aquém do desejado. O Ibovespa teve uma leve alta, abaixo da Selic, muito perto do patamar do início do ano”, completa o diretor do TC.
Inflação, guerra e China
Além das preocupações com a expansão fiscal levada a cabo pelo governo brasileiro no ano eleitoral – e que pode ser intensificada na futura gestão, segundo os investidores –, o cenário externo também esteve no centro das atenções do mercado em 2022.
A inflação assustou o Brasil e o mundo, atingindo seu maior nível em décadas nas principais economias da Europa e nos Estados Unidos. A invasão russa na Ucrânia, em fevereiro, fez disparar os preços das commodities, que já vinham em ascensão com a reabertura econômica após o auge da pandemia de Covid-19.
O choque foi global. No Brasil, a inflação registrou as maiores altas desde 2015. Na Alemanha, a variação de preços alcançou o maior patamar em 30 anos. No Reino Unido e nos Estados Unidos, o avanço inflacionário foi o mais expressivo em 40 anos.
Os Bancos Centrais, inclusive o brasileiro, começaram, então, a apertar sua política monetária para tentar conter a escalada nos preços. No Brasil, o BC elevou a taxa básica de juros da economia (Selic) de 2%, mínima histórica em 2021, para 13,75%, maior nível desde 2017. Estados Unidos e Europa repetiram o movimento.
O aumento dos juros nos EUA, por exemplo, incentiva a aplicação em papéis do Tesouro americano, mais seguros e com baixo risco de perdas. A aplicação em países de economia emergente, como o Brasil, é considerada de maior risco por causa da instabilidade desses mercados. Em linhas gerais, quando os juros sobem, os títulos emitidos pelo Tesouro dos EUA se tornam ainda mais vantajosos, o que gera um fluxo de investimento maior em sua direção.
O câmbio também é diretamente atingido pela alta dos juros americanos. O maior volume de investimento nos EUA leva à valorização do dólar em relação a outras moedas, especialmente as dos países emergentes.
A partir do segundo semestre, com os primeiros sinais de esfriamento da economia, a recessão começou a aparecer no horizonte e afetou o mercado, com as commodities cedendo.
A China, segunda maior economia do planeta, adotou uma política radical de confinamento da população – e sua atividade econômica desacelerou. No fim do ano, Pequim flexibilizou as duras restrições, o que levou a uma explosão do número de infecções e hospitalizações no país, lançando dúvidas sobre uma eventual retomada.
“Algumas empresas dependem mais do exterior do que propriamente do Brasil, como a Vale, que depende muito da China. Vale a pena pensarmos o que pode acontecer com a China, que terá um crescimento mais acelerado do que neste ano, embora abaixo de 5%, a meta praticamente perpétua deles”, diz Lazarini.
Dólar
Apesar de fechar em alta na última sessão do ano, o dólar terminou 2022 acumulando uma queda de 5,32% em relação ao real, a R$ 5,28. A volatilidade também foi uma das marcas do desempenho da moeda americana neste ano.
Em janeiro, o dólar chegou aos R$ 5,50, no dia 24, antes de engatar uma trajetória de queda. Em abril, a moeda atingiu seu menor valor em dois anos, aos R$ 4,66. Em julho, voltou a subir forte e registrou a maior alta em seis meses, negociada a R$ 5,46.
Segundo os analistas, a inflação elevada afeta também o câmbio, pois pode indicar uma possível deterioração da situação econômica do país, o que aumenta a aversão ao risco por parte dos investidores.
Além disso, neste ano, outros países sentiram os efeitos da força da moeda americana. Em julho, dólar e euro passaram a valer o mesmo, pela primeira vez em 20 anos. A libra esterlina caiu para uma baixa histórica em relação à moeda americana, quase atingindo a paridade.
Como o dólar é considerado uma moeda de valor, ele é procurado pelos investidores em momentos de crise e maior percepção de risco – que abundaram ao longo do ano. Trata-se, ainda, da principal moeda utilizada nos contratos comerciais internacionais, o que gera maior liquidez do que outras moedas, levando a uma maior valorização.
De acordo com o último relatório Focus, divulgado pelo BC, o dólar deve ficar em R$ 5,27 em 2023. Estimativas do economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, por sua vez, apontam para uma cotação de R$ 5,40.
O que esperar de 2023
Para o ano que vem, no cenário externo, o mercado trabalha com a possibilidade de recessão econômica em algumas das principais economias da Europa e da Ásia, provavelmente já no primeiro semestre. Na segunda metade do ano, deve ser a vez dos Estados Unidos. “O que está claro é que 2023 será marcado pela desaceleração global”, afirma Padovani.
Já no cenário interno, as perspectivas do mercado brasileiro para 2023 estão diretamente ligadas à postura adotada pelo governo eleito na economia. “O que podemos esperar tem muito a ver com as sinalizações do governo em relação à política econômica e à política fiscal, que estava afetando bastante a percepção de risco do Brasil. Tivemos algumas sinalizações importantes do futuro ministro Fernando Haddad, falando que terá de cortar gastos para ter superávit. E a reforma tributária provavelmente vai sair, o que é positivo”, afirma Jader Lazarini.
“Por outro lado, grandes empresas estatais correm algum risco. Existe um componente de risco maior em relação à Lei das Estatais, e essas empresas pesam muito sobre a Bolsa. Para o ano que vem, o cenário ainda é complicado e desafiador do ponto de vista de destravamento de valor para as estatais”, completa o analista da TradeMap.
Para Hugo Queiroz, o ano que vem começa com os investidores reeditando as mesmas preocupações do início de 2022. “Para 2023, o cenário começa muito parecido com o deste ano em termos de discussão macroeconômica: PIB, inflação, juros, questão fiscal, tudo isso continua na mesa. Acredito que possamos ter algumas surpresas positivas no macro. Como não temos eleição neste ano, talvez vejamos o mercado descomprimindo essa mola do risco, que pesou muito em 2022”, diz.
“Temos uma perspectiva de um ano de 2023 de uma performance forte e positiva para o investidor em renda variável. Dá para imaginar um cenário de valorização das ações e dos índices acima da taxa Selic”, prossegue Queiroz.
O diretor do TC destaca o papel de governadores eleitos como Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Eduardo Leite (RS) e Ratinho Júnior (PR) para fomentar a iniciativa privada e dinamizar a economia, o que agrada ao mercado e pode alavancar ações de empresas na B3.
“Teremos um ano puxado pelos governadores postulantes a 2026. Eles vão continuar privatizando e incentivando investimentos e a economia privada. Com estados como São Paulo, Paraná, Minas e Rio Grande do Sul cumprindo esse papel, em conjunto com o agro do Centro-Oeste, é difícil imaginar que tenhamos um ano de atividade fraca”, projeta.