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“Berço” de Lula, setor automotivo retroagiu ao mesmo nível de 2003

20 anos após seu primeiro mandato, Lula encontrará um setor de montadoras cujas fábricas, produção e empregos só encolheram nos últimos anos

atualizado

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Muito mudou desde que Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Planalto pela primeira vez, em janeiro de 2003. Vinte anos depois, o futuro presidente encontrará um país distinto do que recebeu em seu primeiro mandato. Mas uma parte da economia e da história brasileira parece ter entrado na máquina do tempo e praticamente retornado para duas décadas atrás.

Trata-se do setor automotivo, intimamente ligado à história de Lula e um dos segmentos industriais mais privilegiados por políticas públicas durante os governos petistas. Desde que alcançou um pico em 2013, as montadoras só encolheram em produção, faturamento e número de empregos criados.

Dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que representa as maiores marcas de veículos no Brasil, mostram um retrocesso de quase duas décadas. Em 2022, o Brasil deve produzir entre 2,2 e 2,3 milhões de veículos. A produção de carros segue 25% abaixo do volume registrado antes da pandemia.

Em 2003, o país produzia cerca de 1,8 milhão de veículos por ano. Embora atualmente as fábricas entreguem mais carros, caminhões e utilitários do que vinte anos atrás, a indústria automotiva está bem distante do recorde de 3,6 milhões de veículos produzidos em 2013.

O número de trabalhadores em montadoras é de 102 mil, ainda de acordo com a Anfavea. Em 2003, eram 92 mil empregados em 50 fábricas. No final do ano passado, o Brasil tinha 57 unidades de produção de veículos – esse é o dado mais recente divulgado pela Anfavea. O dado do final de 2022 deverá mostrar um número mais magro de fábricas.

Ao longo dos últimos meses, as montadoras Toyota e Caoa Chery anunciaram que fecharão suas unidades em São Paulo. No caso da Toyota, a fábrica em São Bernardo do Campo foi a primeira a ser erguida fora do Japão, em 1962. Já a Caoa Chery disse que fechará a unidade de Jacareí até 2025, quando a fábrica será reaberta para produzir somente veículos elétricos. Até lá, os modelos da marca que eram produzidos em solo paulista serão importados da China.

A região do ABC Paulista já tinha sofrido o golpe do fechamento da fábrica da Ford, em 2020. Ao encerrar todas as suas unidades de produção no Brasil, a montadora colocou um ponto final em uma história de quase 100 anos de montagem de veículos em solo nacional.

Produção ociosa

A fábrica da Ford no ABC foi apenas uma das 14 unidades de produção brasileiras que ou reduziram suas linhas de montagem ou fecharam as portas em definitivo na última década. Com uma capacidade de produção de quase 5 milhões de veículos e com uma demanda interna e externa que não suporta nem metade disso, as empresas estão mais do que colocando o pé no freio.

A tempestade perfeita que tomou conta do horizonte das montadoras no Brasil foi formada por uma combinação de três fatores: a piora na economia local, o corte drástico em incentivos fiscais e financeiros concedidos pelo governo, e a crise de fornecimento de peças causada pela pandemia do coronavírus.

Depois de atingir um recorde histórico em 2013, a venda de veículos zero-quilômetro sofreu um baque por causa do tombo na atividade econômica.

A crise de 2015 e 2016, que deu sequência aos tempos de ouro do setor, foi a mais profunda já registrada. Por um lado, a queda na renda das famílias, o aumento dos juros e do desemprego desestimularam a venda de veículos novos. Por outro, a disparada do dólar encareceu a produção das fábricas, e ali a indústria automotiva viveu o primeiro golpe. Em 2016, a produção de veículos mergulhou para 2,2 milhões de unidades.

No meio-tempo, a torneira de incentivos que estimulou os investimentos das empresas secou. As isenções de Imposto sobre Produtos Industrializado (IPI), distribuídas fartamente entre 2012 e 2014, foram encerradas. O InovarAuto, programa criado em 2012 e que durou até 2017, estimulou a produção local e criou obstáculos para a importação de veículos. Custeadas por recursos públicos, tais políticas foram descontinuadas quando a crise fiscal gestada no governo de Dilma Rousseff estourou.

Depois, quando o setor parecia estar se recuperando da crise e do fim das políticas de incentivos, a pandemia de coronavírus desorganizou a cadeia de produção. O fechamento de fábricas no mundo todo, mas principalmente na China, causou a falta de peças e componentes. Ainda hoje, no final de 2022, as montadoras lidam com a escassez pontual de chips e outros eletrônicos.

O efeito foi um encarecimento dos veículos, o que piorou a vida de quem pretendia comprar um carro novo. O que sustentou a demanda do setor nos últimos meses foi a venda de modelos para locadoras. O cliente pessoa física não está mais tão disposto a comprar, como observa o especialista em setor automotivo Rafael Galante.

“Em boa parte das montadoras já existe excesso de produção e sobra de carros nos pátios. E carro muito tempo parado é prejuízo”, diz Galante.

Para 2023, a projeção é de melhora no problema de fornecimento, uma vez que a cadeia de insumos parece estar finalmente se reorganizando, com o fim da política de covid zero na China. Por outro lado, com as taxas de juros elevadas no Brasil, o financiamento de veículos deixará de ser um importante motor de vendas.

Lula subirá a rampa novamente, mas o setor automotivo dificilmente fará o mesmo.

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