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Auditores e bancos reagem à versão da Americanas sobre fraude

Para especialista em auditorias, faltou contexto aos documentos apresentados por CEO da varejista à CPI da Câmara

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Leonardo Coelho Pereira durante Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura fraude contábil nas Americanas - Metrópoles
1 de 1 Leonardo Coelho Pereira durante Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura fraude contábil nas Americanas - Metrópoles - Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

Nos corredores de um grande banco brasileiro, o que se diz é que os executivos ali, simplesmente, “não conseguem engolir” o relato sobre a fraude na Americanas feito pelo CEO da varejista, Leonardo Coelho Pereira (foto em destaque), nesta semana, aos integrantes da CPI que investiga o episódio, na Câmara dos Deputados. O mesmo mal-estar, pode-se acrescentar, estende-se a algumas das grandes firmas de auditoria do país.

E qual é o motivo dessa reação? Na CPI, Pereira apresentou mensagens nas quais, supostamente, integrantes das auditorias KPMG e PwC combinavam a redação de textos com executivos da empresa, cujo conteúdo atenuaria a exposição de fragilidades contábeis no balanço da Americanas. Isso como forma de acobertar falcatruas em curso. O mesmo tipo de expediente, indicou Pereira, teria sido adotado com representantes do Itaú Unibanco.

As auditorias e o banco já se manifestaram publicamente a respeito do assunto. Mas a repercussão não ficou por aí. “Na CPI, foi apresentada uma meia dúzia de documentos e não sabemos o que eles representam e qual o seu viés”, afirma Rogerio Mota, diretor técnico do Instituto de Auditoria Independente do Brasil (Ibracon). “Não quero defender nem acusar ninguém, mas entendo que ainda é muito cedo para se chegar a qualquer conclusão com base no que foi mostrado ali.”

Contexto

Tecnicamente, diz Mota, o que preocupa na exposição do CEO da Americanas é, no mínimo, a ausência de contexto. “No processo de auditoria, é normal que se discuta a redação de documentos e relatórios”, afirma o auditor. “Nesses casos, estamos lidando com informações sensíveis de companhias listadas em Bolsa. Assim, é importante que a administração revise os textos e faça seus comentários. O auditor tem toda a autonomia para julgar se essas considerações são razoáveis. Mas, da forma que foi colocado na CPI, parece que houve conluio.”

Conselho

De acordo com o CEO da Americanas, as “suavizações” nos relatórios tinham como objetivo esconder a real buraco nas finanças, estimado em cerca de R$ 25,3 bilhões, do conselho de administração da empresa. Para Mota, contudo, esse é outro ponto que, como diz, “soa estranho”.

O diretor do Ibracon observa que, no geral, e não no caso Americanas, especificamente, é muito difícil que os conselheiros não tenham acesso ao relatório dos auditores. Mesmo porque esses profissionais emitem dois documentos principais. Um deles é público e traz a opinião da auditoria sobre a demonstração financeira da companhia. O outro é de uso interno da empresa, feito para que a administração promova eventuais melhorias nos controles internos.

Numa firma de grande porte, acrescenta o técnico, os conselhos de administração contam ainda com a assessoria de um comitê de auditoria. O que se espera é que esse comitê, que interage com o auditor, também receba os relatórios. “Quem não é da área, ouvindo a forma como a história foi apresentada, pode ficar com a impressão que tentaram esconder a situação dos conselheiros, mas isso é muito difícil”, afirma Mota. “Além disso, quem contrata o auditor não é a administração, mas, sim, o conselho. Isso está na lei.”

Bancos

No caso das instituições financeiras, documentos apresentados por Pereira à CPI mostram supostas tentativas de ocultar dos extratos da Americanas as operações de risco sacado. E o que é isso? Em geral, os fornecedores entregam à vista as mercadorias aos varejistas, mas recebem a prazo. Esse pagamento pode ser antecipado por um banco. A quitação da dívida é assumida pela empresa de varejo. Isso é o risco sacado.

No caso da Americanas, dizem fontes a par do assunto, os prazos negociados com os fornecedores eram muito longos. Mas o dinheiro da venda das mercadorias entrava na veia do caixa, inflando-o de forma artificial. Paralelamente, as dívidas com os bancos não apareciam nas demonstrações contábeis.

Caixa gordo

Quem olhava de fora, portanto, via uma empresa com um caixa gordo e pendurada em poucos débitos. Tal prática, que não constitui uma fraude necessariamente, afirmam as mesmas fontes, agravou-se depois da pandemia. A tese de alguns especialistas é que a empresa “usou muito dessa cocaína e perdeu o controle”.

Carta de circularização

De acordo com os bancos, para não mostrar ao mundo – e aos auditores – a realidade de suas dívidas, a varejista alegava que o risco sacado não era feito por ela, mas, sim, pelos fornecedores. Assim, ele não deveria constar do extrato bancário da empresa, chamado de carta de circularização. As instituições financeiras teriam acatado o argumento, mas o Itaú exigiu a publicação de uma nota indicando a existência de tais operações.

O processo de negociação do apontamento durou seis meses, período ao longo do qual o crédito de risco sacado foi suspenso. Foi o trecho de uma dessas notas que apareceu num slide mostrado pelo CEO da Americanas à CPI. O que se vê, porém, é que a redação mudou muito pouco.

Redação

A advertência original dizia: “O Itaú Unibanco possui plataforma para a aquisição de recebíveis comerciais de fornecedores, sacados contra a companhia, avaliando individualmente cada operação e tomando a decisão de realizar ou não a antecipação dos recebíveis diretamente aos fornecedores”.

A versão final, comemorada pelos diretores da Americanas, ficou assim: “O Itaú Unibanco possui plataforma para a aquisição de recebíveis comerciais de fornecedores, emitidos contra a companhia, avaliando individualmente cada operação e tomando a decisão de realizar ou não a antecipação dos recebíveis diretamente aos fornecedores”.

Daí, nos bastidores, o banco alegar que, em vez da redação final, o motivo da comemoração dos diretores da Americanas não era a mudança do texto, mas o fim dos seis meses de seca do risco sacado, uma longa abistinência.

Fontes informaram ainda que, até 2017, com ano base 2016, o banco expunha essas operações, em todos os seus detalhes, nas cartas de circularização. Uma delas, a título de exemplo, tinha mais de 80 páginas, sendo que 70 delas com dados sobre risco sacado.

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