Até aqui, segundo escalão da Fazenda é alinhado ao PT e pouco plural
Segundo analistas, Galípolo, Appy e Mercadante não cumprem a “pluralidade” de ideias prometida pelo futuro ministro da Fazenda
atualizado
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Os primeiros nomes escolhidos por Fernando Haddad, futuro ministro da Fazenda, não tiveram uma boa recepção entre investidores e analistas do mercado financeiro. A Bolsa de Valores, principal termômetro dos investidores, caiu 2% nesta terça-feira (13/12).
Ainda que as indicações oficiais tenham acontecido no começo da noite, após o fechamento da Bolsa, os nomes de Gabriel Galípolo e Bernard Appy foram antecipados ao longo do dia, o que permitiu que o mercado tivesse tempo para digerir as novidades. Galípolo será o número dois de Haddad, ocupando a secretaria executiva da Fazenda, e Appy comandará uma secretaria especial que cuidará da reforma tributária.
Antes disso, o próprio presidente Lula anunciou que Aloizio Mercadante será indicado para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), instituição submetida ao ministério da Fazenda e ao controle do governo federal.
“Quero compor uma equipe plural, não quero uma escola de pensamento comandando a economia. Quero pluralidade de vozes no ministério”, disse Haddad a jornalistas, antes de nomear os secretários.
A avaliação de especialistas ouvidos pelo Metrópoles é de que, até aqui, os nomes anunciados para a equipe econômica não cumprem a promessa de pluralidade feita pelo futuro ministro.
Retorno à nova matriz econômica
Galípolo foi presidente do Banco Fator e tem uma consultoria financeira. Embora seja um nome do setor privado, o executivo já foi sócio de Luiz Gonzaga Belluzzo, um conhecido conselheiro de Lula e de Dilma Rousseff na área econômica.
A proximidade de Galípolo e Belluzzo é, segundo agentes de mercado, um fator preocupante. Belluzzo é um dos defensores mais aguerridos da nova matriz econômica, uma teoria de caráter desenvolvimentista. Na prática, e em linhas gerais, seus defensores pregam a execução de gastos parrudos do governo, o uso de bancos públicos para estimular a demanda, assim como o controle de preços (combustíveis, por exemplo).
O resultado pretendido com isso tudo seria o aquecimento da atividade produtiva, mas, sob o governo Dilma, o resultado foi uma inflação de dois dígitos e a maior recessão econômica da história do Brasil.
Sendo assim, analistas julgam que por baixo do “verniz” de economista do mercado financeiro, Galípolo está na cota de nomes alinhados às políticas petistas no ministério de Haddad.
“Foi o sujeito que proclamou que quem se preocupasse com inflação em 2021 precisava de camisa de força. Até poderíamos achar alguém pior, mas teríamos que nos esforçar”, criticou Alexandre Schwartsman, consultor e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC).
O episódio citado por Schwartsman é fruto de uma entrevista concedida por Galípolo em 2020. No trecho do vídeo, que voltou a circular nas redes sociais hoje, o executivo dizia que qualquer um que acreditasse em um cenário de inflação em 2021 deveria “vestir uma camisa de força”, uma vez que a economia ainda estava combalida pelos efeitos da pandemia de coronavírus.
“Seis meses depois [da fala de Galípolo], a inflação bateu dois dígitos”, lembrou Schwartsman.
Mercadante e o desequilíbrio da balança
Já Bernard Appy seria visto como um nome mais moderado. Embora já tenha trabalhado em governos petistas anteriormente (ele foi secretário-executivo e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda nos dois primeiros mandatos de Lula), Appy foi executivo da Bolsa de Valores de São Paulo e foi sócio de uma consultoria financeira.
O economista é autor de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe mudanças no sistema de impostos. O texto, que está parado na Câmara, deve ser encampado pela equipe de Lula como projeto oficial de reforma tributária do próximo governo.
A questão é que o terceiro nome anunciado hoje desequilibra a equação. Em evento de agradecimento aos grupos de trabalho da equipe de transição, Lula confirmou que indicará Aloizio Mercadante para o comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Formado em economia, Mercadante tem falado publicamente da intenção do novo governo de fortalecer o BNDES. O objetivo é resgatar o papel do banco público como um dos financiadores de empresas e de projetos de infraestrutura, assim como ocorreu nos governos petistas.
“A nomeação de Mercante para o BNDES me parece mais desafiadora, para dizer o mínimo, e há pelo menos dois motivos para isso. Que o governo Lula não iria privatizar [estatais], isso já era sabido. Este não é o problema. O problema é saber qual será a política do BNDES nos próximos anos se haverá alterações na lei das estatais”, analisa o economista André Perfeito.
A Lei das Estatais, aprovada em 2016, proíbe a indicação de políticos para cargos executivos em empresas públicas. Além de ser diretor do PT, Mercadante atuou na coordenação da campanha de Lula, e por isso poderia ter sua candidatura à presidência do BNDES vetada pelo comitê técnico do banco, responsável por avaliar os nomes de diretores e executivos antes da própria apreciação pelos membros do conselho de administração.
Para resolver o problema, Lula poderia enviar uma Medida Provisória para o Congresso alterando a Lei das Estatais. Se a “canetada” ocorrer, o ceticismo dos economistas e investidores deve aumentar.