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“Arcabouço requer aumento de carga tributária”, diz “pai” do teto

Para o economista Marcos Mendes, nas novas regras, as despesas já estão garantidas. Agora, o governo vai ter de correr atrás das receitas

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O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, em São Paulo, é conhecido como o “pai” do teto de gastos – ou “padrasto”, para aqueles mais à esquerda no espectro político. Na verdade, ele foi um dos formuladores da regra que estabeleceu limites para o crescimento das despesas públicas, em 2016, depois que elas haviam crescido em velocidade estonteante durante a crise econômica, iniciada em 2014, no governo de Dilma Rousseff.

Pai ou padrasto, o fato é que ele é um dos maiores especialistas do país em economia do setor público. Por isso, desde o lançamento do novo arcabouço fiscal, na quinta-feira (30/3), jornalistas, analistas, acadêmicos e, principalmente, colegas economistas, pedem uma análise de Mendes sobre o tema.

O diagnóstico do especialista, porém, não é animador. Para ele, as regras, que deveriam ser moldadas para estabelecer uma relação equilibrada entre gastos e despesas do governo, têm parcas chances de prosperar. Por quê? Em suma, exigem um forte crescimento da receita e, ainda assim, não garantem o controle da dívida pública – em tese, seu principal objetivo. A seguir, trechos da entrevista concedida por Marcos Mendes ao Metrópoles.

Como o senhor avalia as regras do novo arcabouço fiscal?

Para entender as regras, é bom voltar um pouco no tempo. Antes mesmo de o governo tomar posse, já aprovou mais de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), como a da “Transição” e a da “Enfermagem”, que garantiu recursos para o aumento do piso da categoria. Isso aumentou as despesas públicas de forma expressiva. Assim, entramos em 2023 com um déficit muito alto, de cerca de 2% do PIB (Produto Interno Bruto), o equivalente a R$ 220 bilhões.

Daí a necessidade do arcabouço, para equilibrar a relação entre receitas e despesas.

Em tese. Mas, na prática, a PEC da Transição tinha um dispositivo por meio do qual obrigava a criação de nova regra fiscal. Caso contrário, o teto de gastos voltaria a valer. Ou seja, o governo se viu na condição de ter que definir um novo conjunto de normas. E o problema é que a maioria das pessoas do governo não acredita muito em regra fiscal. Elas têm uma pré-disposição para ampliar gastos. Acreditam que isso estimula o crescimento econômico, resolve uma série de problemas da sociedade, mesmo sem olhar para os custos que essa prática pode, eventualmente, produzir.

Nesse sentido, o senhor acredita que daí veio a moldura, por assim dizer, do arcabouço?

Sim. O governo fez um esforço para enquadrar essa decisão de ampliar o gasto público, ou ainda, de não controlar as despesas, para preparar o novo marco fiscal. Com isso, cumpriu com o que a legislação exige, não precisou voltar ao teto de gastos e ainda garantiu espaço para gastar. E a única forma que encontrou para fazer isso foi por meio de um aumento da receita.

E qual sua avaliação das regras em si?

Ainda não conhecemos todos os dados. Mas as metas de resultado primário (o saldo positivo das contas públicas, sem contar o pagamento de juros) estão muito ambiciosas para uma regra que permite um aumento de gasto muito grande (crescimento mínimo de 0,6% e máximo de 2,5% ao ano). Por isso, a conta só fecha elevando muito a receita. Assim, pelo que se pode inferir com base na apresentação, o ajuste fiscal requer um aumento da carga tributária. O ministro da Fazenda (Fernando Haddad) mencionou no lançamento do arcabouço que vai ampliar a arrecadação em cerca de R$ 150 bilhões. Disse que vai buscar soluções para isso a partir da próxima semana. Na prática, vai tentar encontrar formas para elevar a receita. Com isso, quer continuar aumentando as despesas.

Mas a equipe econômica do governo afirmou que não vai haver aumento de impostos.

Sim, mas o que o ministro disse que existe uma série de distorções na legislação, com benefícios fiscais que podem ser revogados para o governo aumentar a arrecadação. Mas isso é muito difícil.

Por quê?

Se você olha os dados sobre esses benefícios, vê que os maiores são da Zona Franca de Manaus, do Simples Nacional (sistema de tributação simplificado) ou voltados para microempreendedores individuais. Coisas que não vão ser mexidas. No total, todos somam cerca de R$ 400 bilhões por ano, mas o que talvez dê para mexer, e ainda assim com uma resistência muito grande, representa muito pouco desse bolo, fica na casa dos R$ 50 bilhões.

Por que é difícil mexer nesses benefícios?

Existe, por exemplo, um incentivo desse tipo que foi concedido à indústria química. Tentaram acabar com ele quatro vezes. Sempre que a proposta chega ao Congresso, ela é rejeitada. As desonerações de folhas de pagamento também são sempre renovadas. Nesta semana, o governo concedeu um benefício novo para a indústria de coleta de energia solar, microprocessadores, etc.

O senhor fez várias simulações para analisar a eficiência do novo arcabouço em equilibrar receitas e despesas, para garantir uma trajetória estável da dívida pública. Quais as conclusões desses exercícios?

No geral, a conclusão é que é muito difícil conseguir puxar a receita para cima na intensidade necessária para equilibrar as contas e, além disso, atingir o resultado primário que o governo quer. Isso mesmo na hipótese de aumento de impostos.

Por quê?

Mesmo que isso acontecesse, haveria um problema adicional, porque, em muitos casos o governo teria de dividir – em geral, meio a meio – esse aumento de arrecadação com estados. Ou seja, teria de aumentar dois para ficar com um de receita líquida. Isso aconteceria, por exemplo, com o Imposto de Renda. Nesse sentido, seria melhor elevar contribuições sociais como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Mas ela está no âmbito da reforma tributária. Ninguém vai mexer nisso agora. Assim, as margens de escolha são muito restritas.

O senhor já definiu o arcabouço como inconsistente. Por quê?

Na verdade, a inconsistência é da meta do resultado primário (com salto positivo de 0,5% do PIB, em 2025, e de 1%, em 2026). Ela exige um ajuste muito forte. Para isso o governo teria de controlar a despesa e elevar muito os impostos. Além do mais, a dívida tende a continuar subindo. Hoje, para estancá-la precisaríamos de um superávit primário da ordem de 1,5% do PIB por ano.

Mas o arcabouço tem chance de dar certo?

Só se o esforço de aumentar a receita for muito bem-sucedido. O que não será fácil.

A nova regra é expansionista? Ela promove o aumento de gastos para estimular a economia?

Não vai ser expansionista se vier a uma tributação que cubra o aumento de gastos. Vai ter ainda que reduzir o déficit e caminhar na direção de um superávit. Temos de conferi, asr se isso vai acontecer. O fato é que o lado da despesa está garantido. A regra está dada. Agora, o governo vai ter de correr atrás da arrecadação. Ela não está garantida. Esse é o ponto.

Algo mais o preocupa na nova regra?

Não conhecemos o texto da lei que será enviada ao Congresso. Só vimos a apresentação de um Power Point. Mas quero saber se o governo vai limitar as despesas do Judiciário e o Legislativo, os poderes autônomos. No teto de gastos, cada um deles tinha um limite. Sem isso, eles vão poder subir gastos, basicamente salários, além da inflação. E quando eles promovem esses aumentos a pressão vem forte sobre todo o governo, sobre o Executivo. Isso pressiona a despesa também.

Como comparar o teto de gastos e o novo arcabouço fiscal em termos do rigor de despesas sobre o poder público?

São coisas que mal pode ser comparadas. O teto, simplesmente, não previa um aumento real de despesas. Elas eram corrigidas apenas pela reposição da inflação do ano anterior. Com o arcabouço, as despesas vão crescer, no mínimo, 0,6% ao ano. Mas podem chegar a 2,5% ao ano. E isso em termos reais. Ou seja, além da inflação. É muita coisa.

 

 

 

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