Arcabouço fiscal deixa pontos importantes a serem definidos a cada ano
Parâmetros do arcabouço fiscal serão definidos pelo próprio governo anualmente na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o que flexibiliza a regra
atualizado
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Além de sofrer críticas por deixar mais de 10 rubricas fora do limite de despesas, o novo arcabouço fiscal tem parâmetros que tornam mais flexível o seu cumprimento.
Apresentadas na forma de projeto de Lei Complementar, as novas regras orçamentárias poderão ser “calibradas” a cada ano ou a cada mandato.
Segundo o texto apresentado para o Congresso na tarde de ontem (18/4), alguns alicerces importantes do novo desenho fiscal serão definidos em forma de anexo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A LDO nada mais é do que a previsão de despesas e gastos do governo para o ano seguinte.
Por isso, boa parte do novo arcabouço fiscal poderá ser calibrado a cada mandato presidencial ou a cada ano, o que abre espaço para que cada governo estabeleça um nível de rigidez para o cumprimento das regras fiscais.
Foco na LDO
O texto prevê, por exemplo, que as metas de resultado primário (diferença entre receitas e despesas federais, antes do pagamento dos juros da dívida) do exercício vigente e dos três anos seguintes sejam definidos na LDO. O PL do arcabouço não deixa claro se o governo poderá alterar a meta anualmente, ao enviar ao Congresso cada novo anexo da LDO.
Outro ponto que poderá ser alterado periodicamente é o percentual de expansão das despesas. Na apresentação inicial do Ministério da Fazenda sobre o arcabouço, foi proposto que os gastos federais poderão crescer a um ritmo de 70% do avanço das despesas.
Ou seja: para cada R$ 100 que o governo arrecadar a mais, ele poderá empenhar R$ 70 em novas despesas. Ou, em outro exemplo: caso a arrecadação suba 1%, o governo poderá ampliar a despesa em 0,7%, em termos reais (já descontada a inflação).
Caso a meta do resultado primário seja descumprida, o percentual cairá para 50%. Ou, em outras palavras, a cada R$ 100 que arrecadar a mais, o governo poderá empenhar apenas R$ 50. A metade restante deverá ser utilizada para a amortização da dívida pública federal.
A questão é que esses percentuais não constam no Projeto de Lei do arcabouço. Caberá ao próprio governo definir o limite de expansão de receitas e despesas anualmente, também no texto que acompanhará a LDO.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, lembra que o governo Lula já tem um caminho definido para o cumprimento do arcabouço até o final do mandato.
“Para 2024 a 2027, está previsto o percentual de 70% e o percentual de 50% (a punição para o descumprimento da meta do resultado primário). Para os anos seguintes é que ficará para ser definido nos primeiros anos de cada mandato”, diz o economista.
Tais parâmetros foram definidos na LDO enviada ao Congresso pela equipe de Lula no final da semana passada. A previsão orçamentária elaborada pela equipe de Haddad prevê que as despesas deverão crescer entre 0,6% e 2,5% além da inflação durante o mandato. Mas esse parâmetro (de “piso” e “teto”) também será definido a cada novo mandato.
Histórico ruim
A experiência do Brasil com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e com a PEC de Teto de Gastos mostra que, quanto mais flexíveis as regras orçamentárias, maiores as chances de o governo criar condições mais “frouxas” para cumprir a lei de uma forma tortuosa.
Basta olhar para o descumprimento do Teto ano após ano, desde 2019. O governo de Jair Bolsonaro encontrou formas de aprovar mais de R$ 700 bilhões em despesas fora do limite imposto pela PEC durante todos os anos de mandato, ainda que o esqueleto do projeto fosse simples.
Além da flexibilidade excessiva, o novo arcabouço tem um desequilíbrio fundamental no seu desenho. Para Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do banco Goldman Sachs, a dinâmica de atrelar despesas a receitas pode ser conflituosa.
“O governo está tentando reforçar o resultado primário não por meio de variáveis que ele controla (os gastos), mas sim por meio de variáveis que ele tem pouco controle ou tem apenas controle indireto (as receitas). Há um incentivo implícito de gastar tanto quanto a regra permite e não há incentivo para gastar menos. Isso faz com que a base de despesas seja maior para o ano seguinte”, alertou Ramos.