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Após anos de bonança, agronegócio vive primeira crise

Dimensão do problema veio à tona com o pedido de recuperação judicial da AgroGalaxy, uma gigante do setor de insumos agrícolas do país

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Imagem colorida de trator realizando colheita de grãos de soja - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de trator realizando colheita de grãos de soja - Metrópoles - Foto: Getty Images

Na semana passada, a AgroGalaxy, que atua no setor de insumos agrícolas, entrou com um pedido de recuperação judicial na Justiça de Goiás, indicando um passivo parrudo, estimado em R$ 4,6 bilhões. A medida, contudo, trouxe à tona questões que foram além da situação da própria companhia. Ela mostrou que, após anos de bonança, o agronegócio – o mais pujante setor da economia nacional – embicou numa crise.

Embora as dimensões do problema ainda não estejam nítidas, mas suas origens, sim, são conhecidas. Na avaliação de Enilson Nogueira, analista da consultoria Céleres, um dos principais baques do setor deu-se com a queda dos preços das commodities agrícolas, quer no mercado interno, quer no externo.

“Se compararmos o pico de preço registrado em 2022 com a média deste ano, estamos falando de uma queda de 35% a 40% para a soja e de 40% a 45% para o milho”, diz Nogueira, citando dois itens essenciais da produção agrícola nacional. “Ou seja, foram cortes de chegaram quase a metade dos valores de dois anos atrás. É muita coisa.”

E qual o motivo dessa redução? A principal causa, nota Chau Kuo Hue, outro consultor do mercado de commodities agrícolas, foi o excesso de oferta desses produtos no mercado global.

Fator conjuntural

Ele observa que os anos de 2020, 2021 e 2022 foram formidáveis para os agricultores brasileiros, com colheitas cada vez mais polpudas e áreas plantadas cada vez mais amplas (no caso da soja, essa expansão territorial foi de 24% só entre 2019 e 2024). Tudo para atender a uma demanda que parecia crescente.

Além disso, os produtores nacionais beneficiaram-se de um fator circunstancial, mas o interpretaram como estrutural. “Foram duas quebras de safra em quatro anos na Argentina e uma redução do espaço de plantio nos Estados Unidos”, diz Hue. “O problema é que, agora, ambos os países voltaram a produzir normalmente.” Foi isso que resultou no aumento da oferta e na consequente queda de preços.

Cautela e inadimplência

Nogueira, da Céleres, acrescenta que, estabelecido esse novo cenário de remuneração menor, o produtor tornou-se mais cauteloso. “E isso teve impacto em toda a cadeia do setor”, diz. “Os pedidos de insumos caíram, as compras antecipadas diminuíram e aumentou a inadimplência.”

Além disso, os pedidos de recuperação judicial (RJ) no setor aumentaram. Um levantamento da Serasa Experian mostra que o número de RJs solicitadas por proprietários rurais (pessoas físicas) chegou a 106 no primeiro trimestre de 2024. Em relação ao mesmo período do ano anterior, quando foram registrados 17 pedidos, houve um crescimento de 523%. Sobre 2022, que teve cinco requerimentos, o salto foi de 2.000%.

Problemas específicos

Esse e o contexto. Mas, para o consultor Hue, outros problemas que ocorreram com a AgroGalaxy e o segmento no qual ela atua, que envolve a comercialização de insumos, como fertilizantes e defensivos agrícolas.

Ele observa que, com o início do confronto entre Rússia e Ucrânia, em 2022, os preços de insumos dispararam no mercado internacional. Isso principalmente em relação aos fertilizantes, uma vez que os russos estão entre os grandes fornecedores mundiais desses produtos. “Com a guerra, a perspectiva era de preços crescentes e as empresas aproveitaram para fazer estoques”, diz Hue. “Ocorre que os preços não permaneceram elevados por muito tempo.”

Contrapé

Ou seja, pior impossível. Isso porque, destaca o consultor, as distribuidoras de insumos “foram pegas no contrapé”. “Elas compraram produtos quando os preços estavam no pico e tiveram de vendê-los mais baratos”, afirma.  De acordo com Nogueira, da Céleres, todos esses entraves resultaram em uma queda de faturamento desse setor no qual a AgroGalaxy atua de 25% a 30% entre 2022 e 2024.

Na avaliação dos analistas, entretanto, a crise não é generalizada. Nogueira, por exemplo, considera que o termo “ajuste” define melhor o quadro atual. “Do ponto de vista histórico, os anos de 2020 a 2022 foram fora da curva, com resultado excelentes que não erram registrados nos últimos 24 anos”, diz. “Em 2023 e 2024, o setor está voltando à normalidade, mas com o produtor com margens mais baixas e, em alguns casos, enfrentando problemas de liquidez.”

Outros perrengues

No pedido de recuperação judicial, a AgroGalaxy citou outros estorvos que a afetaram como a crise climática, além dos incêndios florestais. “Mais de 5,7 milhões de hectares foram afetados no ano pelo fogo, sendo 1,7 milhão de área de plantio”, diz a companhia. “Isso representa 2% de toda a área brasileira de cultivo.” No fim das contas, a companhia aponta que a inadimplência dos produtores teria “atingindo níveis alarmantes em 2024”, batendo em 60% do faturamento da empresa em março de 2024.

Longo rastro da crise

O rastro da crise da empresa deixou marcas que foram do campo ao mercado de capitais. A lista de credores da companhia é encabeçada pela Vert Securitizadora, responsável pelos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) da AgroGalaxy, que somam R$ 516,4 milhões. Os CRAs são títulos de renda fixa. A companhia cede seus recebíveis a uma securitizadora, que emite esses papéis. Os recursos obtidos junto aos investidores são usados para financiar projetos e atividades do agronegócio.

Além disso, 11 Fundos de Investimentos nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), com exposição aos CRAs da AgroGalaxy, poderão ter a distribuição de dividendos impactada. Na relação de grandes credores, constam, no mercado financeiro, o Banco do Brasil, Santander, Citibank, BTG Pactual, Daycoval e ABC, além de grandes fornecedores do setor agrícola, FMC Química, Albaugh Agro Brasil e Mosaic Fertilizantes.

A AgroGalaxy informa, em seu site, ter 29 mil clientes cadastrados e atua numa área de cultivo equivalente a 8 milhões de hectares. A companhia diz ainda reunir 169 pontos de venda no país e 28 silos de armazenamento, com 515 mil toneladas de capacidade instalada. Na Bolsa de Valores, as ações da distribuidora de insumos estão cotadas a R$ 0,64 e registraram desvalorização de quase 50% em um mês.

Na semana passada, a 19ª Vara Cível e Ambiental da Comarca de Goiânia concedeu uma liminar para evitar a execução de dívidas da empresa. Até a terça-feira (25/9), o mérito do pedido de recuperação judicial da companhia, contudo, estava sob análise no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO).

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