“Antirreforma” da Previdência tiraria R$ 250 bi do Orçamento em 4 anos
Segundo Pedro Nery, professor do IDP, retroceder na reforma da Previdência significaria retirar recursos do Bolsa Família e de investimentos
atualizado
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Crítico da reforma da Previdência aprovada em 2019, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está diante de “uma escolha de Sofia”. Se decidir embarcar no tom eleitoreiro e desfazer parte das mudanças aprovadas quase quatro anos atrás, o novo chefe do Executivo estará abrindo mão de recursos que poderiam reforçar outras promessas de campanha.
O tema é controverso até dentro do governo. Na última terça-feira (3/1), o novo ministro da Previdência, Carlos Lupi, fez críticas contundentes à reforma no sistema de aposentadorias. Em seu discurso de posse, Lupi prometeu constituir uma comissão “antirreforma”, para revisitar pontos alterados pela PEC de 2019.
“A Previdência não é deficitária. Vou provar com números, dados e informações”, disse o novo ministro, ignorando os dados divulgados pelo próprio governo federal, que projetam um déficit de R$ 350 bilhões com o pagamento aos diversos aposentados.
A fala aumentou o grau de ceticismo de economistas e investidores em relação à responsabilidade fiscal do novo governo. Coube ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, tentar apagar o incêndio.
“Não há nenhuma proposta sendo analisada ou pensada neste momento para revisão de reforma, seja previdenciária ou outra. Neste momento, não tem nada sendo elaborado”, declarou Costa, ontem (4/1).
Renúncia bilionária
A “antirreforma” sugerida pelo ministro da Previdência pegou mal não só porque piora a imagem de descompromisso fiscal da governo. Se mexer na reforma das aposentadorias e pensões, Lula vai abrir mão de recursos preciosos em seu mandato.
Segundo as contas do economista Pedro Fernando Nery, ex-consultor legislativo do Senado e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), desfazer a reforma da Previdência custaria em torno de R$ 250 bilhões nos próximos 4 anos. Quantia mais do que suficiente para custear um ano completo do Bolsa Família – o orçamento do programa, em 2023, é de R$ 176 bilhões.
É um dinheiro que já está dado como poupado e que voltaria a ser empenhado, caso houvesse um retrocesso na reforma.
“O governo perderia espaço para o Bolsa Família e para outros investimentos públicos. Por isso, não deve acontecer”, diz Nery.
Ele afirma que a reforma desacelerou o crescimento dos gastos do governo com aposentadorias e pensões e que os maiores efeitos serão sentidos nos próximos anos. Isso evitará que se fale em outra reforma no curto e médio prazos, mas a situação delicada das contas públicas, que contemplam um déficit de R$ 230 bilhões em 2023, não abre espaço para aventuras.
“Devorando” o Orçamento
A dificuldade do governo de impor limites para o crescimento de despesas previdenciárias e equalizar essa rubrica orçamentária não é nova.
Segundo cálculo feito por Raul Velloso, especialista em contas públicas, o pagamento de aposentadorias de trabalhadores privados e servidores públicos abocanhava 19% do Orçamento federal em 1987. Em 2021, esse percentual saltou para 52%.
Entre 2006 e 2021, as despesas com previdência subiram bem acima da inflação e do próprio crescimento da economia. O aumento médio real (descontados os índices de preços) foi de 5,1% ao ano, no caso do INSS, e de 3,1% ao ano, no caso dos servidores públicos federais. Nos estados e municípios, a disparada foi ainda mais explosiva – de 5,9% e 12% ao ano, respectivamente.
“Defender a antirreforma é um desserviço para o país. Esse é o drama do governo Lula: foi formada uma aliança de pessoas que não necessariamente são as mais preparadas para defender determinados assuntos importantes”, critica o economista.