Alta no petróleo é teste de fogo para política de preços da Petrobras
Petrobras reduziu seus preços em momento de baixa no petróleo, mas altas recentes passaram a pressionar custos na direção contrária
atualizado
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Pouco mais de dois meses após mudar sua política de preços, a Petrobras vive o momento de maior questionamento sobre o novo modelo. O cenário favorável do qual a estatal se beneficiou até aqui mudou nas últimas semanas, e a cotação mais alta do barril de petróleo tornou os preços defasados em relação ao mercado internacional.
A defasagem da gasolina em relação aos preços de importação – uma das métricas usadas para acompanhar as flutuações – varia entre pouco mais de 10% e mais de 20%, a depender da metodologia, segundo fontes consultadas pelo Metrópoles.
Sob a nova política, alterada em maio, a Petrobras cortou três vezes o preço da gasolina em suas refinarias, uma queda de mais de 20%. O preço do diesel foi cortado uma vez, em redução de quase 13%.
Esses cortes, dizem analistas, poderiam ser justificados naquele momento. As reduções foram feitas quando o barril do tipo Brent, usado como referência pela Petrobras, estava na casa dos US$ 70. Além disso, o dólar estava mais baixo em relação ao real. O problema é que o barril subiu mais de 13% neste mês e, na sexta-feira (28/7), o Brent já era cotado a mais de US$ 85.
“Quando o preço estava caindo, todos esses reajustes que a Petrobras fez seguiram o mercado internacional de alguma forma. Agora que o preço voltou a subir, estamos vendo a outra face da política”, diz Adriano Pires, fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
A Petrobras nunca divulgou a fórmula exata para seus novos preços. A precificação foi alterada em maio, para deixar de seguir automaticamente o preço dos importadores (a chamada PPI, política de paridade de importação). O modelo era usado desde o governo Michel Temer, em 2016, como parâmetro para não fugir das flutuações do preço internacional.
A mudança era uma promessa de campanha do governo Lula, que escolheu o ex-senador petista Jean Paul Prates para a presidência da estatal.
A Petrobras diz que sua nova precificação segue acompanhando os preços internacionais, mas que evita repassar imediatamente a volatilidade externa. A estatal também tem dito que leva em conta outros fatores, como diferenciais competitivos, ao produzir parte dos combustíveis em refinarias locais em vez de importá-los, o que a nova gestão tem chamado de “abrasileirar” o preço.
Defasagem
No valor téorico da antiga PPI, a Abicom, associação que reúne os importadores, estima que há uma defasagem de 24% no preço da gasolina nos polos da Petrobras e de 21% no diesel.
Outra estimativa, da empresa de inteligência de mercado Argus, calcula defasagem menor, mas ainda significativa: em torno de 12% para a gasolina e, para o diesel, entre 11% (no diesel russo, mais barato) e 15%. O cálculo usa como base o preço nas negociações praticadas de fato entre agentes.
Amance Boutin, especialista em combustíveis da Argus, pontua que há uma disputa de vários lados no debate. O valor de importação inclui custos como frete, que a Petrobras alega não ter na mesma dimensão por produzir parte do combustível localmente. “A Petrobras diz que não reconhece esse preço, que vai olhar para outros fatores, maximizar o uso das refinarias. A gestão Jean Paul Prates teve um alinhamento de estrelas para fazer essa mudança sem grandes estragos. Agora, o movimento é contrário”, diz.
“Nesse momento, a impressão do mercado é que está na hora de fazer um reajuste, só esperam qual será o momento e a amplitude. Mas há várias questões. O governo ainda tem medo da inflação e pode pressionar para postergar esse aumento”, diz Boutin.
Observando o comportamento desde maio, analistas acreditam que a Petrobras tem optado por não vender combustível muito acima do custo marginal (o preço mínimo suficiente para cobrir os custos de produção), próximo à “paridade de exportação”. Mesmo por esse parâmetro, menor que a “paridade de importação”, a Petrobras estaria agora abaixo do limite inferior para a gasolina. Já o diesel está ainda dentro da margem, diz relatório do Itaú BBA, com base nos preços até a semana passada.
“A principal característica da atual política de preços da Petrobras é a incerteza. Nós não sabemos exatamente quais são os parâmetros”, diz o economista Robson Gonçalves, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Como o Brasil importa cerca de 15% de sua gasolina e 25% do diesel, nas estimativas do CBIE, parte do mercado aponta para o risco de que falte combustível por causa dos preços defasados.
A Petrobras, embora não fale publicamente sobre uma defasagem, tem se movimentado: a empresa aumentou em mais de 640% suas importações de gasolina em relação ao segundo trimestre de 2022, segundo dados divulgados nesta semana a investidores. As refinarias também têm sido usadas em capacidade quase máxima.
“Nos leva a entender que a companhia formou estoques neste segundo trimestre de 2023”, escreveram em relatório os analistas da Ativa Investimentos.
Os importadores privados afirmam que a janela de importação está paralisada há mais de dois meses – uma vez que não há sentido em importar o insumo a um preço maior do que o aplicado no mercado local – e recorreram ao Cade, órgão regulador da concorrência.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defendeu a precificação da Petrobras e disse neste mês que as importadoras tentam “impedir a competitividade interna dos combustíveis”. Procurada, a Abicom não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
Mais pressões à vista
Enquanto isso, a pressão sobre os preços não deve ceder tão cedo, colocando um elefante na sala para a Petrobras e o governo.
Fatores como risco menor de recessão nos EUA, expectativa de mais estímulos da China e os cortes na oferta pela Arábia Saudita tendem a fazer com que o preço do petróleo siga elevado. O Brent poderia alcançar a casa dos US$ 90, segundo algumas projeções.
Para Adriano Pires, que chegou a ser indicado à presidência da Petrobras no ano passado, a estratégia de preços da estatal é uma “caixa preta”. “Temos de aguardar, mas, se continuar assim, vamos seguir aquele critério do passado em que o acionista paga a conta”, diz.
Boutin, da Argus, afirma que há sempre o que o setor chama de “fantasma” do governo Dilma Rousseff, quando a Petrobras represou preços e aumentou seu endividamento, e, depois, do governo Bolsonaro, que segurou por meses os repasses de altas no período pré-eleição, mesmo sob a PPI.
No curto prazo, outro pepino para a Petrobras virá em setembro e janeiro, quando voltarão a ser cobrados parte dos tributos federais sobre o diesel. Até agora, o fim de desonerações sobre a gasolina foi acompanhado de corte nos preços pela estatal, mas o cenário, então, era de barril mais barato. “A Petrobras vem tentando casar a volta de um tributo com a derrubada de preços. O caso do diesel será mais um teste”, diz Boutin.