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Advogado explica como governo pode arrecadar mais sem aumentar imposto

Em entrevista ao Metrópoles, Ricardo Tosto diz que uma das soluções seria a revisão de valores defasados na declaração do Imposto de Renda

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Imagem do advogado Ricardo Tosto, sócio-fundador do Leite, Tosto e Barros Advogados. Ele está de terno escuro, gravata azul clara e camisa branca. Ele é careca é usa óculos. Ao fundo, uma parede marrom - Metrópoles
1 de 1 Imagem do advogado Ricardo Tosto, sócio-fundador do Leite, Tosto e Barros Advogados. Ele está de terno escuro, gravata azul clara e camisa branca. Ele é careca é usa óculos. Ao fundo, uma parede marrom - Metrópoles - Foto: Divulgação

Em meio às discussões sobre como o governo federal aumentará a arrecadação para fechar as contas e cumprir as ambiciosas metas do novo Marco Fiscal, uma solução relativamente simples e rápida pode estar no Imposto de Renda (IR) e beneficiar, além da União, também os contribuintes.

Segundo Ricardo Tosto, sócio-fundador do Leite, Tosto e Barros Advogados e ex-conselheiro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para Assuntos Jurídicos, a revisão dos valores defasados e a regularização de bens e direitos declarados no IR seriam capazes de gerar arrecadação para o governo sem aumento da carga tributária.

Geralmente, as declarações de IR não apresentam o panorama real do patrimônio dos contribuintes, dada a defasagem entre os valores declarados à época da aquisição de determinados bens e aqueles que são praticados hoje pelo mercado.

No caso dos imóveis, em especial, não há previsão legal de atualização do valor a preço de mercado. A mudança só pode ser feita no IR se forem comprovados gastos com reformas e ampliações, o que não é um processo simples. Por causa dessas distorções, muitas vezes os contribuintes têm dificuldade de comprovar seu patrimônio para obter empréstimos, por exemplo.

A Receita exige que o contribuinte mantenha o imóvel discriminado com o valor original da aquisição para que possa tributar o ganho quando o proprietário vender aquele bem. Quem vende um imóvel paga IR sobre o ganho de capital. A tributação incide, portanto, sobre o lucro obtido — a diferença entre o valor da venda e o valor original da propriedade. As alíquotas do imposto sobre o ganho de capital variam, para pessoas físicas, de 15% a 22,5%, dependendo do valor do imóvel.

De acordo com um levantamento da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado, a atualização poderia resultar em uma arrecadação extra de R$ 1,5 bilhão em três anos, apenas considerando os imóveis de pessoas físicas.

“Essa revisão que eu defendo seria um ‘New Deal’ do IR da pessoa física ou jurídica. É preciso que sejamos criativos. Não adianta só querer cobrar imposto. Temos de considerar o mundo real. Seria uma medida muito importante para a regularização do contribuinte e também para a arrecadação”, diz Tosto, em entrevista ao Metrópoles.

Na conversa com a reportagem, o advogado defende uma “revisão tributária mais ampla” no país e afirma que “o governo é bom de cobrar e ruim de cuidar do dinheiro dos outros”.

“Se o governo continuar gastando mal do jeito que gasta, não haverá imposto suficiente para resolver a situação. O governo tem de fazer a sua parte. Só o contribuinte precisa fazer a lição de casa? Isso não é correto.”

Leis os principais trechos da entrevista de Ricardo Tosto ao Metrópoles:

Em artigo recente, o senhor trata da revisão de valores defasados do IR na declaração de rendimentos. Por que essa revisão é necessária?

Esse assunto até surge em alguns momentos, mas ninguém nunca o levou adiante. Imagine que você comprou uma casa há 25 anos por R$ 100 mil. Essa casa está até hoje no seu IR com esse valor de R$ 100 mil. Quando você vender a casa, terá de pagar o IR sobre essa diferença. Por essa proposta que eu apoio, você teria a possibilidade de indicar, na declaração, que a casa vale R$ 200 mil e a diferença de R$ 100 mil será recolhida em imposto. Isso permite que a pessoa possa declarar o imposto pelo valor correto. Para o governo, também seria importante porque ele arrecadaria mais rápido do que se ficasse esperando a eventual venda. Essa medida também evitaria o caixa 2. O cara vende o imóvel e recebe uma parte por fora. É quase uma tradição. Você acabaria com isso. O imóvel seria vendido pelo valor real. Eu penso que o governo deveria abrir essa discussão. Há alguns projetos em tramitação no Congresso que tratam do tema, como o PL 458/2021, de autoria do ex-senador Roberto Rocha (PTB-MA), e o PL 798/2021, do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

De que forma essa revisão no IR pode contribuir para aumentar a arrecadação, em um momento no qual o governo busca recursos para financiar a máquina pública?

As pessoas querem ter o seu IR com o valor real dos bens. Os contribuintes vão querer acertar o valor real. Será nesse momento que o governo vai arrecadar. Também será um benefício para o contribuinte. Se você pegar 25 anos de juros e correção monetária, é uma fortuna! Os valores das casas estão completamente defasados. Aliás, deve ter casa que, no IR, está acima do que ela vale. É muito comum que os valores de alguns imóveis decaiam com o tempo, por causa de algum problema em determinada região… Essa revisão que eu defendo seria um “New Deal” do IR da pessoa física ou jurídica (o “New Deal” foi um programa de recuperação econômica dos Estados Unidos após a quebra da Bolsa de Nova York em 1929). É preciso que sejamos criativos. Não adianta só querer cobrar imposto. Temos de considerar o mundo real. Seria uma medida muito importante para a regularização do contribuinte e também para a arrecadação.

O senhor defende o perdão de dívidas pelo descumprimento de obrigações tributárias relativas a bens como imóveis?

Não. Perdão total da dívida, não. Eu costumo citar o Refis (Programa de Recuperação Fiscal, criado em 2000 para regularizar a situação financeira de empresas e pessoas físicas junto à União ou à Receita Federal, reduzindo multas e parcelando dívidas), que era quase perfeito. Só faltou uma parte importante: mudar a lei tributária. Ele tinha de resolver o passado e lançar um novo modelo tributário. Nós não fizemos essa segunda parte, só a primeira. Perdão de dívida é uma coisa diferente. Agora, o perdão até um certo valor, não sei exatamente qual, eu considero legítimo. O Judiciário é caro. Essas execuções fiscais lotam o Judiciário, que não consegue atender as pessoas e empresas. A máquina está emperrada muito por causa da execução fiscal. É uma discussão interessante.

Segundo dados do Sindifisco, quase 17 milhões de contribuintes deixaram de ter isenção do IR por causa da não correção integral da tabela pela inflação acumulada desde 1996 (ano do último reajuste integral). Qual é o impacto disso e de que forma é possível corrigir essa distorção?

O governo é bom de cobrar e ruim de cuidar do dinheiro dos outros. O governo não ter corrigido essa tabela é absurdo e impróprio. É claro que teve inflação nesse período. Não interessa se ela foi baixa ou alta, mas teria que ser corrigido. O problema é que o governo só quer arrecadar. Ele recebe muito e gasta mal. É isso que tem de mudar. Estamos nessa situação há anos e não saímos desse problema.

Em maio de 2023, a faixa de isenção do IR subiu de R$ 1.903,98 para R$ 2.640. O que achou da medida?

É legítimo. Foi uma boa medida. A taxa de IR estava difícil para muitos brasileiros. O Brasil parece que se esquece de fazer correção monetária. Foi uma medida correta, mas volto a dizer: se o governo continuar gastando mal do jeito que gasta, não haverá imposto suficiente para resolver a situação. O governo tem de fazer a sua parte. Só o contribuinte precisa fazer a lição de casa? Isso não é correto. Na minha avaliação, caberia uma revisão tributária mais ampla.

Uma das promessas de campanha de Lula foi ampliar a faixa de isenção do IR para R$ 5 mil até 2026. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a equipe econômica ainda “não tem resposta” sobre como chegar a esse valor. É possível?

Hoje, eu acho quase impossível. Com as contas na situação em que se encontram, é muito difícil.

O Congresso está discutindo a taxação dos super-ricos, mas essa medida já foi adotada em diversos países e não deu certo na maioria deles. O que o senhor pensa a respeito?

O governo Lula está cometendo um equívoco ao usar esse termo: “super-ricos”. Daqui a pouco, eu não duvido que alguém defenda que acabemos com os super-ricos. O país não vai mais ter ricos, é isso? Só vai ter pobre? Isso não existe. O que precisam fazer é dar condições para que surjam mais super-ricos. É aumentar esse contingente, não diminuir. É evidente que o país tem uma dívida absurda com as comunidades mais desfavorecidas e temos de resolver isso. Mas sem acabar com os ricos. A maioria da população brasileira sabe dessa dívida social. É só andar na rua. Você fica com pena daquelas pessoas que dormem ao relento, nas calçadas, é algo muito triste. As pessoas não são insensíveis. Mas não é acabando com os super-ricos que vamos pagar essa dívida. Essa taxação dos super-ricos, além de não resolver o problema, cria um mal-estar, uma divisão na sociedade. O governo pode arrecadar um dinheirão com essa proposta da correção dos imóveis que eu citei anteriormente. Façam isso! Façam já.

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