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“A Faria Lima só faz biquinho, é ridículo”, diz Mendonça de Barros

Para o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, elite do mercado financeiro não entendeu recentes mudanças na política-econômica nacional

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1 de 1 Imagem colorida do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros - Foto: Divulgação

O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, de 81 anos, tem um desses currículos cuja leitura exige fôlego – mesmo de um breve resumo. Engenheiro de formação, na iniciativa privada, foi analista, corretor da Bolsa (um dos primeiros no Brasil), editor, produtor cultural e banqueiro. No governo, presidiu o BNDES e comandou o Ministério das Comunicações com FHC. Pela academia? Também passou por lá como professor da Unicamp.

Tamanha versatilidade dá a Mendonção, como é conhecido no mercado, uma capacidade ímpar de análise, que ele exerce com frequência como um observador tão arguto quanto contundente do cenário político-econômico. Agora, ele resolveu sentar a lenha na Faria Lima, o símbolo nacional do mercado financeiro.

Mendonça de Barros acredita que os representantes desse grupo, os “Faria Limers”, exageram nas críticas ao governo, porque, entre outros motivos, não entenderam o atual cenário econômico e uma mudança política em curso no país. É justamente sobre essa alteração que ele trata a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

A agência Moody’s melhorou a nota de crédito do Brasil e a Faria Lima veio abaixo. As críticas foram justas?

Não foram. Isso aconteceu porque há na Faria Lima a dominância de uma doutrina econômica “liberal-extremada”.

E o senhor não é nenhum esquerdista para fazer esse tipo de comentário.

Não, não sou. Mas a Faria Lima adotou uma visão radical da economia que, na prática, defende a total racionalidade dos agentes econômicos. Esse tipo de concepção se fortaleceu na virada do século XIX para o XX e, mais tarde, recrudesceu depois da Segunda Guerra.

Essa é a visão liberal-extremada à qual o senhor se referiu?

Sim, a Faria Lima adora essa visão da racionalidade dos agentes até para ter mais segurança e conforto, inclusive para especular. Para as pessoas que pensam assim, nós vivemos num momento em que tudo depende do equilíbrio fiscal. Se você não tem superávit (saldo positivo entre despesas e receitas do governo), um controle de dívida sobre o PIB muito rígido, nada dá certo. Isso é a Faria Lima de hoje.

Daí à reação ao anúncio da Moody’s?

Quando a Moody’s veio e disse que o Brasil está bem, isso chocou o pessoal mais radical do mercado financeiro. Mas não é bem assim. Os salários estão aumentando, o emprego está alto, o investimento está melhorando e há crescimento econômico. Além disso, temos um Banco Central (BC) que fiscaliza, não deixa a inflação degringolar e virar farra. Por isso, não dá para fazer biquinho só porque a Moody’s aumentou a nota de crédito do Brasil e ninguém esperava. E a Faria Lima só faz biquinho. Aí é uma coisa ridícula.

Mas a situação fiscal não preocupa? 

O Brasil de fato está com um déficit fiscal, mas ele não é tão grande. Não existe um sinal de desequilíbrio como ocorreu no governo Dilma. A relação dívida pública/PIB está crescendo, mas numa velocidade relativamente moderada, se considerado o nosso histórico. Além do mais, a dívida dos países avança no mundo todo. Então, o diagnóstico é que não estamos à beira de um precipício, embora tenhamos problemas. E há uma questão política que não está no radar dessa turma liberal-extremada.

Qual?

Hoje, a esquerda é minoritária no país e os vários tons da direita são majoritários. Em 2026, a probabilidade de a direita, seja qual for o seu tom, ganhar a eleição presidencial é muito grande. E isso vai resultar em um controle fiscal maior do que o exercido pelo Lula. Mas pouquíssimos estão olhando isso na Faria Lima. Eles só enxergam a conta fiscal deste ano e a do ano seguinte.

O que mais deveriam enxergar?

A economia como um todo, com o menor desemprego da história, uma mudança no mercado de trabalho muito grande, um mercado em geral mais moderno. Além disso, essa ideia de mudança política, e acho que a Moody’s viu isso, indica que não vai dar tempo para o Lula fazer grandes besteiras. O mais provável é que tenhamos a volta de um Paulo Guedes (ministro da Economia no governo Bolsonaro) para comandar a economia. Nessa situação, teremos um superávit primário (saldo positivo da conta do governo, antes do pagamento de juros) de 1% do PIB para estabilizar a dívida. E chegar a um resultado desse tipo numa economia que cresce 2,5% a 3% é simples, basta ter um mínimo de controle sobre as despesas.

Mas, para esses grupos, o crescimento é um fator preocupante, porque pode se traduzir em inflação.

O que é renda não especulativa, que está fazendo a economia crescer, a Faria Lima olha e diz: “Está crescendo demais, a inflação vai subir, a dívida vai aumentar”. Mas esse tipo de pensamento é limitadíssimo, não tem sofisticação nenhuma. É crença. E faz três anos que esses analistas estão errando, porque não perceberam que a economia ganhou uma tração efetiva, de qualidade. E é impossível exigir de Lula um superávit primário de 1,5% do PIB. Não dá. Isso não faz parte do pensamento do PT.

O senhor disse que o próximo ciclo político eleitoral do Brasil será de direita. Por quê?

O PSDB sumiu, desapareceu. O PT vai sumir também. O Lula não consegue pensar de forma diferente da que ele pensava anos e anos atrás, mas o mundo mudou, o mercado de trabalho mudou. Vi recentemente uma entrevista do ACM Neto (Antonio Carlos Magalhães Neto, do União Brasil) dizendo que o Lula perdeu capital político e é possível enfrentá-lo em 2026. Acho que ele está certo.

Por que, como o senhor disse, o PSDB sumiu?

Sumiu porque o Brasil no qual ele surgiu e se desenvolveu também sumiu. E o PT vai ter o mesmo fim. Sem o Lula, o que será do PT?

Qual Brasil sumiu?

Havia uma classe política que viveu um pedaço da história, em que houve a queda do João Goulart, a ditadura militar, além de um processo de reconstrução democrática muito intenso. Ocorre que a sociedade mudou e continuou mudando. Mas o PSDB ficou falando, “ah, o Plano Real…” Ora, o Plano Real já era. E o PT segue a mesma rota. A classe operária que o PT conheceu não existe mais. Ele vai virar um partido de 15% do eleitorado.

Nas capitais, o tombo do PSDB foi maior no primeiro turno das eleições municipais.

A classe política que comanda o PSDB hoje é o refugo do refugo do refugo. E teve uma última burrice com o candidato em São Paulo (o apresentador José Luiz Datena, que recebeu 1,84% dos votos). Mas o PSDB acabou, como disse, porque o Brasil mudou. O PT teve uma vida útil maior porque enfrentou a direita radical numa frente única no segundo turno das eleições presidenciais. E é tudo isso que a Faria Lima não consegue enxergar. Boa parte da rentabilidade dos fundos de investimento da Faria Lima está negativa há três anos. Eles não conseguiram aceitar que a economia iria crescer.

Como ficaria uma economia administrada pela direita no Brasil? Os benefícios sociais seriam cortados?

Não. Quem vai mexer no Bolsa Família? Não se trata disso, mas esses benefícios vão ficar do tamanho da arrecadação. Agora, se o próximo governo for de direita ou centro-direita e tiver um bom ministro na área econômica, ele vai trocar os juros altos que temos hoje por um superávit primário de 1% ou 1,5% do PIB.

Por falar em juros, como o senhor vê a chegada de Gabriel Galípolo ao comando do BC em 2025?

Não muda nada. Vamos ficar com um juro real (a taxa básica, Selic, menos a inflação) de cerca de 6%, o que não vai deixar a economia crescer muito.

Ainda sobre a questão fiscal, o ministro Fernando Haddad não para de falar que o arcabouço será cumprido.

É a forma de segurar um pouco a situação e não fazer a Faria Lima apostar contra o Lula.

Apostar contra com o dólar, por exemplo?

É isso aí.

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