A Americanas conseguirá pagar uma dívida de R$ 40 bilhões?
Especialistas dizem que geração de caixa da Americanas é insuficiente para pagar a dívida, mas acreditam em salvação por sócios bilionários
atualizado
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Ao assumir que sua dívida é de R$ 40 bilhões, e não mais de R$ 20 bilhões, a Americanas fez os atores do mercado financeiro coçarem a cabeça.
Para se ter ideia do tamanho da encrenca, basta olhar para a lista de empresas mais endividadas da Bolsa de Valores brasileira. A dívida de R$ 40 bilhões coloca a Americanas na 11ª posição dessa lista, perto de empresas como a Raízen, gigante do setor sucroalcooleiro que tem uma dívida de R$ 45 bilhões.
A diferença é que a Raízen vale R$ 35 bilhões na Bolsa e a Americanas vale menos de R$ 2 bilhões. Colocando em outra perspectiva: enquanto a Raízen tem um Ebitda ajustado (indicador que mede a geração de caixa) trimestral de cerca de R$ 3 bilhões, a Americanas tem gerado em torno de R$ 600 milhões a R$ 800 milhões por trimestre.
Tal indicador, aliás, é o principal motivo para o mercado coçar a cabeça. A geração de caixa é a linha no balanço que mostra quanto resta do faturamento da empresa após o pagamento de tributos, impostos e distribuição de lucros. É, grosso modo, o que sobra depois que todas as obrigações operacionais e não-bancárias foram pagas.
Esses recursos podem ser investidos na própria empresa, se o endividamento for baixo, ou podem ser usados para pagar e amortizar débitos.
Dito isso, o drama da situação atual é que a geração de caixa da Americanas não parece ser suficiente para fazer frente a uma dívida tão grande quanto a de R$ 40 bilhões.
“Cálculo básico: o Brasil tem juros básicos na casa dos 14%, então uma dívida de R$ 40 bilhões gera um custo financeiro de mais de R$ 4 bilhões ao ano. A Americanas não gera nem R$ 2 bilhões de caixa anualmente. É uma conta que não fecha”, explica um analista do mercado financeiro que pediu anonimato.
Os números parecem dizer que, sim, a Americanas deve entrar em recuperação judicial logo e, sim, é possível que nem as facilidades de negociação providas por um processo de recuperação judicial sejam suficientes para a empresa alongar e pagar suas dívidas.
Too big to fail?
Se na semana passada, quando a empresa admitiu que tem uma diferença contábil de R$ 20 bilhões em seu balanço (daí a raiz de todos os problemas e da multiplicação da dívida), parecia muito improvável que um negócio do tamanho da Americanas viesse a falir.
Agora os investidores, gestores e analistas já não acreditam mais na tese de “too big to fail” (ou, traduzindo a expressão em inglês, grande demais para falir).
É esperado que, com uma dívida desse tamanho, a Americanas seja obrigada a vender parte de seus negócios. Entre os prováveis candidatos a negociação estão o Hortifruti Natural da Terra, adquirido pela varejista em 2021, e uma rede de conveniência de postos de combustíveis.
A questão é que, se vender esses negócios, a Americanas terá menos fontes de receita e a geração de caixa tende a ser menor ainda. Com menos caixa, menor a chance de pagar as dívidas. É um círculo vicioso.
Não bastasse isso, a empresa terá o desafio extra de tentar recuperar, da maneira que for possível, a sua credibilidade. Se ficar comprovado que o problema partiu de uma fraude e que o fato era conhecido pela alta cúpula da Americanas, ficará difícil convencer os bancos a dar um refresco na renegociação de dívidas.
O próprio BTG Pactual, banco que é dono de R$ 1,9 bilhão em dívidas bancárias com a Americanas e aproximadamente mais R$ 1 bilhão em títulos de crédito (como debêntures), partiu para cima dos executivos e até dos sócios da varejista.
Por sócios entende-se: os bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, donos da gestora 3G e detentores de 31% das ações da Americanas. Além da participação na varejista, o trio é sócio de empresas como Ambev e Kraft Heinz.
O banco protocolou um pedido de liminar para anular uma decisão da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro que protegeu a Americanas da execução de dívidas. Na semana passada, a varejista conseguiu na Justiça o congelamento de pagamentos e a garantia de que os bancos credores não poderão fazer confiscos nos próximos 30 dias.
Para tentar convencer o juiz, a ação do BTG diz, entre outras coisas, que o caso é “a maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país”, e dá a entender que os acionistas de referência (o trio do 3G) estavam cientes da manipulação no balanço.
“O caso em questão é a triste epítome de um país. Os três homens mais ricos do Brasil, ungidos como uma espécie de semideuses do capitalismo mundial ‘do bem’, são pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio”, diz um trecho do pedido de liminar do BTG.
O documento deverá ser avaliado pela Justiça ainda nesta semana.
Socorro dos sócios
Parte dos analistas e gestores acredita que as acusações feitas pelo BTG fazem parte de um teatro para desgastar a imagem de Lemann, Sicupira e Telles. Pressionado, o trio poderia topar colocar dinheiro na Americanas para remediar o endividamento e estancar rapidamente a crise.
“O 3G é a única tábua de salvação da Americanas. Para reduzir o endividamento e manter a empresa funcionando, espera-se que eles tirem do bolso algo como R$ 10 bilhões”, diz um gestor do mercado que acompanha a situação.
Para renegociar as dívidas de R$ 40 bilhões, os bancos teriam exigido que os donos do 3G colocassem entre R$ 10 e R$ 12 bilhões na empresa, por meio de uma nova compra de ações. A contraproposta do trio de bilionários teria sido de R$ 6 bilhões, valor visto como insuficiente para resolver o imbróglio. Nos próximos dias, cada lado seguirá esticando a corda até se chegar a um entendimento.