“Wikipedia” da Rússia monitora mercenários que lutam pela Ucrânia
Criado por dois blogueiros de guerra, site divulga dados e informações pessoais de mercenários que lutam ao lado dos ucranianos
atualizado
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Em meio à guerra de informação que cerca o conflito na Ucrânia desde o início, o governo da Rússia conta com uma espécie de “Wikipedia” que monitora e divulga dados de mercenários que viajaram até o Leste Europeu para se juntar às tropas ucranianas.
O Foreign Combatants foi idealizado por dois blogueiros de guerra russos, que também administram grupos no Telegram com milhares de seguidores, nos primeiros meses do conflito. Segundo a apresentação da página, o site é “sobre pessoas que, sem conhecer a história do conflito e sem compreender o seu significado, decidiram ir lutar pela Ucrânia contra a Rússia”.
“O nosso objetivo: sob condições de severas restrições ao acesso da comunidade mundial à verdade, mostrar a verdadeira face daquelas pessoas que, consciente e voluntariamente, se tornaram mercenários, seus patrocinadores e participantes na guerra contra a Rússia e a civilização russa. Essas pessoas vieram para a Ucrânia pelo desejo de assassinato, dinheiro, vaidade e espetáculo sangrento”, diz um texto na página inicial do site.
Dividido por tópicos, o Foreign Combatants fornece toda informação coletada sobre mercenários na Ucrânia – em um tom muitas vezes debochado – pela equipe que trabalha no projeto, classificando os combatentes por nome, país e militares procurados por autoridades da Rússia.
“Ele não tem experiência em combate, mas Alarcón acredita que sua experiência em campos de tiro e paintball é suficiente”, diz um trecho da biografia de um brasileiro.
Como uma espécie de ficha militar, dados como nome, data de nascimento, país de origem, serviços militares prestados e participação em conflitos armados estão presentes no perfil de cada mercenário. As redes sociais disponíveis e uma breve biografia também estão presentes.
Em uma outra área, os combatentes são divididos por unidades ou grupo de combate, mortos, e mercenários que ainda estão na zona de conflito ou que já deixaram a guerra.
A página ainda traz uma seção denominada “cúmplices”, em que estão listados organizações, patrocinadores, recrutadores e instrutores que prestam serviços a favor do governo de Volodymyr Zelensky.
Segundo levantamento do Metrópoles, 340 combatentes pró-Kiev estão listados no site, vindos de 61 países. Mercenários mortos ou que já deixaram a Ucrânia não fazem parte da contagem.
Ao todo, o site reúne dados de 35 brasileiros que foram para a Ucrânia, entre combatentes que já morreram em conflito, que ainda estão em território ucraniano e outros com o paradeiro incerto.
Ligação com o Kremlin
Apesar de não ter ligação oficial com o governo de Vladimir Putin, a história dos criadores do Foreign Combatants está intimamente ligada ao Kremlin.
Em 8 de junho de 2022, o Ministério da Defesa da Rússia fez uma publicação no X, antigo Twitter, divulgando a iniciativa liderada por Zvinchuk e Pegov.
⚡️ https://t.co/EaiFUiscxz — is a joint database of foreign mercenaries and volunteers, participating in the hostilities on the Ukrainian side collected by Telegram-channels ‘Rybar’ and ‘Vatfor’.
More details 👉 https://t.co/ea8wb05vGB pic.twitter.com/IkVMsGjW8L
— MFA Russia 🇷🇺 (@mfa_russia) June 8, 2022
Mikhail Sergeevich Zvinchuk é fundador do canal Rybar, no Telegram, em 2018. O jovem, de 32 anos, nasceu em Vladivostok, na antiga União Soviética, e estudou parte da vida em instituições militares.
Ele ganhou medalha de honra ao mérito em 2023, e foi nomeado para um grupo de trabalho por iniciativa de Putin.
Formado em tradutor especializado em árabe e inglês, Zvinchuck serviu como tradutor da Rússia no Iraque e Síria, antes de ingressar no serviço de imprensa do Ministério da Defesa.
Já Semyon Vladimirovich Pegov é um jornalista de 38 anos, com vasta experiência na cobertura de conflitos. Durante sua trajetória, o atual propagandista russo chegou a trabalhar no canal LifeNews, que possui ligações com o Kremlin.
Apesar de negar qualquer ligação com o Kremlin, os idealizadores da “Wikipedia” de mercenários afirmaram em entrevista de 2022 que cerca de 40 funcionários trabalhavam na página, que é financiada por doações, segundo eles.
Trabalhando com os “grandes”
Tamanha influência fez com que Zvinchuk fosse convidado para um “grupo de trabalho”, com a ordem de Vladimir Putin, cerca de dez meses após o início da guerra na Ucrânia.
A lista dos convidados para o grupo, com cerca de 30 pessoas, tinha nomes ligados ao poder legislativo russo, além de funcionários do Ministério da Defesa e da Agência Espacial da Rússia.
Além disso, o blogueiro de 32 anos foi condecorado com uma medalha da ordem “Pelo Mérito da Pátria”, em novembro passado. De acordo com o Kremlin, a honraria é concedida a pessoas por “sua grande contribuição para a defesa da Pátria, ou por “méritos e distinções” em diversas áreas da sociedade.
Em junho de 2023, Zvinchuk já havia sido premiado com uma outra medalha, a ordem “Pela Fidelidade ao Dever”, dessa vez por seu trabalho na Crimeia.
Mercenários na guerra
Após os primeiros bombardeios na Ucrânia, a diferença entre as tropas de Moscou e Kiev foi um dos assuntos mais comentados por analistas.
Dados do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo mostram que a Rússia investiu mais de US$ 65 bilhões na área militar em 2021, enquanto a Ucrânia gastou cerca de US$ 5 bilhões. A estimativa, segundo a empresa de análise militar Janes, foi de que as tropas russas tinham 500 mil militares a mais do que o lado ucraniano no início do conflito.
A desvantagem foi contornada por Volodymyr Zelensky, que pouco dias após a invasão anunciou a implementação da Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia.
Os dados sobre combatentes estrangeiros lutando pela Ucrânia são obscuros e pouco confiáveis. Contudo, um relatório recente do Ministério da Defesa da Rússia aponta que cerca de 13,5 mil mercenários chegaram ao campo de batalha no último ano.
Kiev ou a Legião Internacional não disponibilizam os dados publicamente.
Já a Rússia ficou conhecida por contar com os mercenários do Grupo Wagner, liderados por Yevgeny Prigozhin.