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Vítimas do apartheid sul-africano ainda lutam por reparação

Trinta anos depois do fim do regime separatista que subjugou negros na África do Sul, milhares clamam por justiça

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1 de 1 Imagem colorida mostra Nelson Mandela e Desmond Tutu - Metrópoles - Foto: Jerry Holt/Star Tribune via Getty Images

O coro das vozes das vítimas do apartheid ecoa acima do centro de Joanesburgo, em Constitution Hill. Apesar da idade avançada, elas esperam, há cinco meses, no antigo local de uma antiga prisão e fortaleza militar dos tempos do apartheid e de onde hoje, com os mesmos tijolos, ergue-se o edifício do moderno Tribunal Constitucional da África do Sul.

Esse local simbólico tem sido dormitório e palco de protestos de um grupo de negros em sua luta por justiça: vítimas da violência do regime separatista, eles não estão entre os beneficiados pela Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul, criada em 1995.

Membros do Khulumani Support Group, iniciativa que reúne vítimas e sobreviventes daquele período, e da Galela, organização aliada, buscam reconhecimento pelos danos sofridos. Para eles, não houve reconciliação.

“Sensação é de abandono”

Thabo Shabangu conta à DW que foi baleado pelas costas por policiais numa manifestação contra a opressão da maioria negra pelo regime branco em 1990: “Estou desapontado. Nós somos os revolucionários daquela época, nós formamos este governo e lutamos por isso”.

Shabangu – que, como cerca de um terço dos sul-africanos, está desempregado e sem meios para manter a família – acusa o governo sul-africano de não estar ao lado do povo. Ele se sente abandonado e exige compensação financeira, além de apoio médico e social, pelo sofrimento que passou na luta contra o regime separatista – medidas recomendadas pela Comissão da Verdade no caso de vítimas reconhecidas.

“Pensávamos que a comissão nos traria justiça”, reclama.

Ministro da Justiça, Ronald Lamola afirma não ver motivo para os manifestantes permanecerem no Constitution Hill. “Eles deveriam voltar para casa. O Parlamento tem a lista, ela está fechada. E seria uma irregularidade se abríssemos a lista novamente.”

“Sem reparações, nada de voto”

Para os manifestantes em Constitution Hill, passados 30 anos de democracia na nova África do Sul, o passado cruel ainda é uma ferida aberta. “Sem reparações, nada de voto”, diz Shabangu. É assim que a maioria do grupo pretende agir quando for às urnas eleger um novo presidente, em 29 de maio.

As audiências da Comissão da Verdade e Reconciliação começaram em abril de 1996 e terminaram em outubro de 1998, sob a batuta do arcebispo Desmond Tutu, nomeado ao cargo pelo então presidente à época, Nelson Mandela.

O objetivo era promover, em vez de retaliação, a reconciliação e o perdão entre agressores e vítimas do apartheid. Indivíduos envolvidos foram encorajados a vir a público testemunhar. Durante esse período, a comissão focou na análise de evidências de assassinato, sequestro e tortura, bem como de abusos graves. Foram colhidos 2,5 mil depoimentos, naquilo que se pretendia ser um primeiro passo rumo à reconciliação de uma nação.

Anistia para agressores

Aqueles que forneceram um depoimento completo foram anistiados – um acordo doloroso para as vítimas, mas que trouxe à luz a verdade sobre o destino de muitos desaparecidos.

Nos centros comunitários e igrejas em todo o país, vítimas e agressores muitas vezes se encaravam. As audiências da comissão foram transmitidas ao vivo, algo até então inédito, trazendo as atrocidades do passado à tona para toda a opinião pública.

Tudo isso, dois anos depois da chegada ao poder do Congresso Nacional Africano (CNA), partido político de Mandela e antigo movimento antiapartheid, na primeira eleição multirracial e com voto universal no país desde 1948.

As maiores vítimas da violência estatal foram principalmente sul-africanos negros, mas também brancos perderam parentes em atentados de guerrilheiros antirracistas.

Quando a comissão concluiu seus trabalhos em 2002, recomendou o pagamento de indenizações mensais a mais de 21 mil vítimas, a serem custeadas via um fundo especial, o “President’s Fund”. Mas o presidente à época, Thabo Mbeki, ordenou um pagamento único a cerca de 17 mil vítimas, no valor de 30 mil randes – equivalente, na época, a cerca de R$ 19,9 mil.

Segundo o relatório anual do fundo, em 2023 ainda havia quase 2 bilhões de rands (R$ 550,8 milhões) disponíveis em caixa. O governo diz que usará os recursos para moradia, educação e saúde dos 22 mil cidadãos que estão na lista atual.

Para críticos, as recomendações da Comissão da Verdade e Reconciliação estão sendo implementadas com lentidão excessiva.

Contingente de quem tem direito à indenização pode ser muito maior

Mais de 82 mil sul-africanos se juntaram ao Khulumani desde sua fundação em 1995, mas até agora não tiveram sucesso em suas reivindicações.

Segundo a diretora da organização, Marjorie Dobson, na época da comissão as autoridades não divulgaram adequadamente como as vítimas poderiam prestar depoimento, e muitas não tinham como financiar os deslocamentos necessários.

“Documentamos tudo para o Ministério da Justiça. É totalmente injustificado fechar as portas quando os erros realmente partiram do Estado”, diz Dobson à DW.

A coordenadora do Khulumani, Nomarussia Bonase, explica que o entusiasmo no início da comissão logo deu lugar à decepção frente à recusa do governo em ampliar o número de indenizados. “Naquela época, tínhamos esperança, porque era sobre o processo de reconstrução do país, de consolidação da paz. Queríamos ser parte da mudança. Agora, o governo nos tornou vítimas novamente.”

Danisile Mabanga, cuja família foi expulsa de casa à força durante o apartheid, é outra que espera por uma indenização. “Soubemos da comissão, mas não conseguimos ir até lá. Os tempos eram difíceis, e tínhamos medo”, explica. Para ela, o gesto de Mandela foi importante, mas os agressores se deram bem. Essa visão é partilhada por muitos sul-africanos.

Punição de agressores não avançou na Justiça

Do total de 7 mil agressores que solicitaram anistia, 1,5 mil foram aprovados pela comissão – a maioria soldados rasos das forças de segurança, ou gente que já estava na prisão. Políticos de alto escalão do governo separatista não solicitaram anistia.

A punição judicial dos agressores não avançou na época. Hoje, alguns dos principais suspeitos já morreram. “Em muitos desses casos, o tempo está contra nós; em alguns, ainda há uma chance de processá-los criminalmente”, aponta Zaid Kimmie, diretor da ONG Foundation for Human Rights.

Ele insiste que as famílias das vítimas têm o direito de receber respostas: “No fim das contas, a grande questão será por que nós não fomos capazes de levar os agressores à Justiça, que decisões foram tomadas e quem estava envolvido”.

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