Ativistas avisam: homofobia de ataque em Orlando não pode ser ignorada
Na madrugada de domingo (12/6), um atirador disparou com um rifle contra frequentadores da boate Pulse, na Flórida, e deixou 49 mortos e 53 feridos
atualizado
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Em meio ao clima de solidariedade e tristeza pelas vítimas do massacre que deixou 49 vítimas em uma boate gay nos Estados Unidos, ativistas do movimento LGBT no Brasil destacam que não se pode apagar do ataque a sua motivação homofóbica. Na madrugada de domingo (12/6), um atirador disparou com um rifle contra frequentadores da boate Pulse, na Flórida, e, além dos mortos, feriu 53 pessoas. A casa era voltada ao público LGBT e tinha cerca de 300 pessoas no momento do ataque. O atirador foi morto pela polícia, totalizando 50 mortos.
Para o ativista Beto de Jesus, representante na América Latina da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais,Transexuais e Intersexuais (Ilga), a situação não era inesperada, já há um discurso recorrente de ódio aos LGBTs que circula nos Estados Unidos, no Brasil e em outras partes do mundo. Para ele, não se pode encarar o ato apenas como terrorista e se deve discutir os elementos que levaram a um ataque de ódio.“É muito fácil justificar como terrorismo, e isso leva à cultura do medo, à cultura da violência. Esse evento demonstra claramente uma situação de uma violência homofóbica extrema de uma pessoa que, por algum motivo ou com alguns motivos, desenvolveu esse ódio, desenvolveu essa necessidade de querer matar pessoas que se mostram diferentes dela”, analisa Beto, que pondera que isso não significa ignorar o extremismo de grupos terroristas como o Estado Islâmico, cuja possível influência no episódio está sendo investigada.
Para Beto de Jesus, é preciso criar e fortalecer instrumentos da sociedade para combater o discurso de ódio, como por exemplo a educação. “Tem uma questão que é muito séria: ninguém nasce homofóbico, ninguém nasce racista e ninguém nasce misógino. A gente aprende a ser e aprende em espaços que não deveriam ensinar isso. Se as escolas fossem espaços de respeito à diversidade em que você pudesse discutir de forma aberta as questões, você não teria ou teria de uma forma muito menor situações como essa, porque o entendimento das diferenças seria algo muito mais fácil”, defende ele, que criticou o movimento político no Brasil que tem retirado dos planos municipais de educação a discussão sobre diversidade de gênero. “Quando a gente tem um discurso de ódio e cria dispositivos que retiram as possibilidades de discussão desses temas, a gente vai gerando a cultura e esse discurso de ódio, de não aceitação do que é diferente da gente”.
Coordenador do programa Rio Sem Homofobia, da Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Assistência Social do Rio de Janeiro, Cláudio Nascimento concorda que o debate sobre diversidade nas escolas pode ser uma das ferramentas para combater o discurso de ódio. Cláudio lembrou que o Brasil é um país que registra grande violência contra a população LGBT e pediu que o governo federal incentive a ação de todos os estados contra esse problema. “É necessário que o governo federal aponte para os estados um plano nacional de enfrentamento da discriminação contra LGBT”, disse ele, que defende a discussão da diversidade de gênero nas escolas, a adoção de leis que criminalizem a homofobia e a adoção no resto do país de meios para denúncia, como o Disque Cidadania LGBT, um telefone 0800 que funciona 24 horas por dia no Rio de Janeiro. “É necessário que o governo federal faça uma grande campanha nos estados. Ele não pode ficar refém da posição dos fanáticos religiosos, que invadiram a política e querem fazer dela instrumento de seus posicionamentos religiosos”.
Claudio compara que esses mesmos grupos, nos Estados Unidos e no Brasil, tentam invisibilizar a motivação homofóbica do ataque à boate em Orlando. “Não tenho dúvida alguma de tudo que aconteceu teve motivação homofóbica. Não tem o que discutir. Se tem outras motivações, não se pode apagar, fingir que não teve essa motivação”, diz ele, que completa: “[Apagam a motivação] para negar esse debate e não avançar nessa discussão no congresso americano, onde a maioria se omite nesse debate. É para invisibilizar e criar uma narrativa. Aqui no Brasil também passamos pela mesma situação”.
Militante dos direitos LGBT, a ativista transexual Indianara Siqueira lembra que o Brasil é um país onde massacres como esse nunca aconteceram, mas que sofre com uma rotina de assassinatos de transexuais e homossexuais. Para ela, ter recebido a notícia no Dia dos Namorados foi especialmente doloroso para os LGBTs brasileiros: “É um dia que é para se comemorar o amor e a população LGBT – que já não tem o direito de comemorar esse dia livremente nas ruas de mãos dadas e demonstrando o amor em público – ainda recebe essa notícia. Foi muito agressivo também pra gente que é ativista e que está sempre sob ataque”, conta ela, que destaca que mesmo dentro dos movimentos LGBT e feminista, a população trans é agredida e silenciada. Para Indianara, é preciso discutir valores que fundamentam o desfavorecimento de tudo o que não “é considerado masculino”, o que se reflete em homofobia, transfobia e misoginia. “Uma das únicas maneiras de combater o ódio é ensinando as pessoas. As pessoas não nascem sabendo odiar”.
Redes sociais
Nas redes sociais, personalidades LGBTs brasileiras e ativistas também se posicionaram sobre o massacre. Estrela de uma campanha da Organização das Nações Unidas (ONU) pelos direitos igualitários de LGBTs, a cantora Daniela Mercury pediu que os pais não estimulem seus filhos a serem intolerantes. “As crianças aprendem a amar quem seus pais amam! E aprendem a odiar quem seus pais odeiam! Cuidado com o quê e quem você ensina seus filhos a amar e a odiar. O seu testemunho é mais importante do que o seu discurso. A sua intolerância religiosa ou sua homofobia podem inspirar seu filho a ser mais radical do que você”.
A ativista trans e universitária Maria Clara Araújo também publicou sobre o massacre em seus perfis e criticou a ênfase dada às suspeitas de que o ataque teria ligações com o fundamentalismo islâmico enquanto não se discute a LGBTfobia das sociedades ocidentais. “É bastante sintomático que a maioria das matérias sobre o massacre estejam dando mais ênfase a uma suposta ligação do atirador ao Estado Islâmico ou islamismo, do que deixar explícito que o crime foi causado por homo/lesbo/bi/transfobia e tentar localizar esse problema dentro de sua própria cultura”, apontou. “É extremamente desonesto os Estados Unidos tentarem atribuir toda a culpa do episódio de hoje ao Oriente, se isentando de todo o seu próprio processo de construção de uma cultura LGBTfóbica”.
Estudioso da perseguição a LGBTs na ditadura militar brasileira, Renan Quinalha argumentou que é pertinente entender as outras motivações do ato, como o suposto extremismo religioso, mas não se pode esquecer a homofobia. “O que aconteceu hoje é homofobia em estado puro e bruto. Chamemos as coisas pelo que são, porque tão ruim quanto a violência é sua própria invisibilização”, escreveu ele, que acrescentou: “Homofobia continuará existindo mesmo se acabarmos com o terrorismo, se destruirmos o fundamentalismo religioso e se banirmos as armas de fogo do mundo. Nesse sentido, a homofobia do atirador é a mesma que mata todos os dias, das mais diferentes formas, em qualquer outro lugar do mundo, ainda que com outras justificativas”.