Venezuela x Guiana: entenda o papel da gigante ExxonMobil na disputa
Empresa norte-americana é dona de grandes reservas de petróleo na região de Essequibo, reivindicada por Venezuela e Guiana
atualizado
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Em meio a uma das disputas territoriais mais complexas da América Latina, a região de Essequibo tornou-se palco de tensões entre Venezuela e Guiana. Nesse panorama, grande parte da cobertura jornalística e das análises de cenário geopolítico têm se concentrado no comportamento das nações diante da controvérsia. No entanto, uma peça no tabuleiro tem sido deixada de lado: a petrolífera ExxonMobil (Exxon).
O primeiro atrito da multinacional ocorreu com a Venezuela, em 2006, quando o então presidente Hugo Chávez deu início à nacionalização da produção de petróleo no país. Duas empresas se opuseram à decisão: ConocoPhillips (multinacional norte-americana de energia) e a ExxonMobil.
As corporações exigiram indenizações como condição de um acordo, mas o Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID) havia decidido que o governo venezuelano somente era obrigado a pagar US$ 1,6 bilhão.
Sem espaço na nação venezuelana, a Exxon se voltou à Guiana, a qual oferecia grande potencial de exploração, o que veio a ser confirmado em 2015. O offshore (ramo empresarial em países com vantagens tributárias e fiscais) Stabroek revelou-se uma mina de ouro negro, com capacidade de gerar no mínimo 15 bilhões de barris de petróleo.
Isso significa que, até 2027, a plataforma produzirá, ao menos 1,2 milhão de barris/dia. Além disso, a companhia desenvolve outros dois projetos no país, o Yellowtail e Uaru, os quais podem produzir cerca de 250 mil barris/dia cada um.
“Com isso, a Guiana cresceu cerca de 40% na última década, somando PIB nominal e real. Nenhum país na América Latina teve crescimento tão robusto. Essa exploração não altera apenas a economia guianesa, mas o próprio processo de integração daquela nação com a América do Sul”, comentou Roberto Uebel, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Na mira de Maduro
Não demorou muito até que a Venezuela passasse a olhar o território vizinho com outros olhos. A mudança de atitude veio na esteira de uma série de sanções econômicas aplicadas por diversos países e entidades internacionais à ditadura do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, a partir de 2014.
As retenções bancárias — que retardam pagamentos emitidos por agentes venezuelanos —, reduziram em 99% a entrada de moeda estrangeira nos últimos oito anos. Com 80% do abastecimento interno feito por produtos importados, esse embargo logo teve grande impacto.
Com redução no poder de compra venezuelano, o setor petrolífero, carro-chefe do país, também sofreu abalo e teve produção reduzida em 60%, o que representou queda nos rendimentos de US$ 16,16 bilhões para US$ 8,7 bilhões entre 2015 e 2018. Nesse mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB) venezuelano reduziu 60%, com estimativa de prejuízo anual de US$ 30 bilhões.
Em 3 de dezembro deste ano, o governo venezuelano, então, votou o referendo consultivo para a anexação de Essequibo. Os alvos: recursos na região e união da sociedade em torno de uma causa histórica, o que seria grande adição à retórica de reeleição de Maduro na eleição presidencial venezuelana de 2024.
A votação nacional teve amplo apoio da população, mas foi vista pela comunidade mundial como uma medida quase colonialista. A Corte Internacional de Justiça (CIJ), que analisava o caso, também condenou a iniciativa e proibiu o país de tomar ações que alterem o panorama atual com a Guiana.
Entre empresas e países
A comunidade internacional tem acompanhado de perto a situação e pede que os países envolvidos busquem solução diplomática. Alguns analistas apontam papel fundamental da Exxon nessa parte, ao promover uma espécie de diplomacia corporativa que fomente o diálogo entre as nações envolvidas.
“Qualquer incursão de Maduro, teria, obviamente, de passar pelo território brasileiro, o que já é impossível. O Brasil teria de ser conivente. A ExxonMobil tem gerenciado esses riscos, contribuindo a uma diplomacia mais corporativa, ou seja, trazendo seus executivos ao dialogo com as partes interessadas”, afirmou o professor Roberto Uebel.
Outros analistas, no entanto, observam que somente o diálogo com as partes interessadas não é suficiente para resguardar a empresa. Um olhar atento à atuação petrolífera em Essequibo é necessário a fim de evitar que o conflito respingue na corporação, preocupação que circula no radar dos investidores.
“Uma das saídas é neutralizar as operações offshore sobre áreas marinhas não delimitadas até que os governos da Guiana e da Venezuela definam condições e negociações específicas. Não é possível dispor de mar e explorar o mesmo, se não existe delimitação, nem avançar na demarcação marítima internacional, se persiste uma indefinição fronteiriça na costa, em razão da contenção especificada pelo Acordo de Genebra de 1966 — que reconhece a reivindicação venezuelana sobre Essequibo”, observa Ricardo De Toma, Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais e pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Planejamento Espacial Marinho (Cedepem).
ExxonConflito
Mas há quem acredite que um eventual conflito armado seja benéfico à multinacional, que até mesmo fomentaria uma guerra entre as nações envolvidas a fim de alcançar maior lucro e estender as atividades ao petróleo venezuelano. Nesse sentido, há senso comum entre os analistas internacionais de que a presença de lobistas e financistas da empresa dentro do governo estadunidense influencia mudanças geoeconômicas e políticas.
“A guerra é um negócio muito lucrativo, e as forças armadas estadunidenses têm evidenciado a sua atuação como um serviço global para a proteção de atividades e interesses petroleiros”, pontuou Salvador. De fato, a Casa Branca se manifestou em favor da autoridade guianesa sobre Essequibo.
Entretanto, está longe da realidade que a Exxon tenha interesse numa guerra, já que esse cenário, na verdade, representaria uma queda expressiva nas operações de exploração de petróleo na Guiana.
“Olhando por uma lógica racional dos negócios internacionais, a Exxon não quer um conflito. Ela quer operar, nem que daqui a pouco isso envolva uma gestão compartilhada ou uma divisão dos royalties do que vem sendo explorado naquela região. Mas diria que é até um pouco ingênuo pensar que é ExxonMobil deseja uma guerra, porque isso significa não explorar de petróleo pelo menos no médio ou longo prazo”, completou Uebel.
Nessa quinta-feira (14/12), Maduro e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, se reuniram para discutir uma solução pacífica à controvérsia. O encontro ocorreu no país caribenho de São Vicente e Granadinas. Os dois países concordaram em continuar o diálogo com relação a Essequibo e evitar a escalada do conflito.